LEI DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Boulos pede investigação de empresa que compra dados da íris de brasileiros

Deputado pediu ao MPF a proibição e o encerramento das atividades de coleta de dados da companhia norte-americana, que tem como fundador Sam Altman, responsável pelo ChatGPT

Olho humano.Créditos: Pixabay
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O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) protocolou, nesta quarta-feira (22), um pedido de abertura de inquérito pelo Ministério Público Federal (MPF) para investigar mais a fundo as atividades da empresa de tecnologia Tools for Humanity (TfH) no Brasil. 

Desde novembro de 2024, a TfH, empresa que tem como um de seus fundadores Sam Altman, programador responsável pelo ChatGPT (da OpenAI), tem recrutado pessoas para "escanear" a íris ocular em troca de "Worldcoins", a moeda emitida virtualmente pela própria empresa, que pode ser vendida no mercado de criptos e trocada por reais. 

Já há quarenta pontos espalhados para o escaneamento de íris na cidade de São Paulo, que já coletaram, ao todo, dados de mais de 400 mil brasileiros. O intuito da TfH é, supostamente, formar um sistema que reconheça padrões humanos (a partir da íris ocular, que tem características únicas) a fim de diferenciar humanos de robôs e IAs

O pagamento oferecido pelos dados varia de R$ 300 a R$ 700, em valores da Worldcoin.

Embora a empresa afirme que os dados sensíveis dos indivíduos (considerados assim pela norma da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, ANPD) são anônimos e invioláveis, mantidos sob criptografia avançada, há diversos riscos envolvendo seu compartilhamento, quanto à armazenagem, o anonimato (preservação da identidade dos portadores) e o uso legal para atividades de reconhecimento.

Há, além disso, algumas "brechas" legais na captação de dados biométricos em troca de dinheiro. Uma delas, apontada na petição de inquérito de Boulos, é a necessidade de que haja uma "manifestação livre, informada e inequívoca" por parte do portador dos dados, que deve "concordar com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada".

O argumento da ação é que não há conhecimento apropriado da finalidade que os dados tomam uma vez que são colhidos, devido à falta de transparência e de informações suficientes acerca de seu uso por parte da empresa, cujas atividades já foram consideradas impróprias sob o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) europeu, e proibidas em partes da Europa por decisão coordenada de autoridades de regulação de dados, como é o caso da alemã.

A coleta de dados, que leva em conta também informações de fisionomia (rosto e olhos), tem uma função permanente, ou seja, os dados não podem ser apagados: no sistema de blockchain (tecnologia em que uma "cadeia de blocos" ou nós descentraliza dados para torná-los invioláveis), torna-se impossível resgatar os dados originais sem que o computador "monte uma espécie de quebra-cabeças, que precisa estar com todas as peças íntegras" para funcionar. 

A anonimidade também é uma questão difícil, porque parte do processo de autenticação requer que haja uma identidade (mesmo que seja uma identidade-código) atrelada aos dados autenticáveis.

A Tools for Humanity já foi multada, na Argentina, em R$ 1,12 milhão (194 milhões de pesos), em julho de 2024, por ter práticas consideradas abusivas; além disso, teve suas atividades consideradas impróprias e suspensas no Quênia, que demonstrou preocupação em relação ao oferecimento de dinheiro em troca de dados pessoais e do controle privado desses dados.

"Requer-se que o MPF instaure inquérito e adote providências urgentes para fazer cessar a coleta de dados personalíssimos de cidadãos brasileiros por meio de escaneamento de íris em troca de remuneração financeira", diz o deputado na ação.

A TfH também tem sede na Espanha, no México, no Japão e em Portugal. 

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que analisou o caso, disse que conferiu aos dados biométricos um regime de proteção mais rigoroso e limitou as autorizações legais para seu tratamento; mas, por ora, a atividade continua legítima no país.

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