RELIGIÃO E POLÍTICA

“Apocalipse” evangélico brasileiro chega ao festival de Veneza

Indicado ao Oscar em 2019 por Democracia em Vertigem, Petra retorna ao tema da política brasileira, agora com foco na ascensão dos evangélicos

Lula recebe Bíblia e oração de evangélicos.Créditos: Foto: Ricardo Stuckert
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O novo documentário de Petra Costa, Apocalipse nos Trópicos, estreou nesta quinta-feira, 29, no Festival de Veneza, trazendo um olhar profundo sobre a influência crescente dos evangélicos no cenário político brasileiro. Atualmente, um terço da população do país se identifica como evangélica, um fenômeno que a diretora descreve como um “terremoto religioso com profundas consequências políticas”.

Indicado ao Oscar em 2019 por Democracia em Vertigem, Petra retorna ao tema da política brasileira, agora com foco na ascensão dos evangélicos. Segundo a diretora, o novo filme é uma "segunda parte" de sua exploração sobre a política populista no Brasil. "Estamos entrando em uma camada ainda mais profunda, como placas tectônicas que estavam mudando o subsolo do Brasil, sem que muitas pessoas percebessem", afirmou Costa.

No Brasil, predominantemente católico desde a colonização portuguesa, o evangelismo representava apenas 5% da população até 1974. Desde então, sua presença tem crescido rapidamente, especialmente após a visita do pastor protestante americano Billy Graham durante a ditadura militar. Ao contrário do que se poderia esperar, o fim da ditadura não reduziu a influência do movimento; ao contrário, todos os partidos políticos, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT), buscaram conquistar esse eleitorado.

O documentário revela como, ao longo dos anos, o evangelismo se consolidou como uma força política, impondo suas próprias diretrizes. Costa menciona que, durante as filmagens de Democracia em Vertigem, testemunhou um grupo de deputados evangélicos abençoando as cadeiras do Congresso, o que inicialmente parecia uma excentricidade, mas acabou se revelando uma “reunião política” apoiada por líderes religiosos, como o pastor Silas Malafaia.

Durante as filmagens, a diretora teve acesso exclusivo a figuras centrais do movimento, como o próprio Malafaia, que abriu as portas de sua casa à equipe. Além disso, ela mescla imagens de sua própria família, incluindo seus pais, militantes contra a ditadura, e da construtora fundada por seu avô.

Petra revela que a inspiração para o documentário surgiu durante as gravações de Democracia em Vertigem, quando foi abordada por um deputado neopentecostal que lhe entregou uma Bíblia no Congresso Nacional, em 2016. A experiência foi, segundo ela, perturbadora e inesperada, e acendeu a ideia para o novo filme.

Assim como em Democracia em Vertigem, a diretora explora como a ascensão de Jair Bolsonaro esteve interligada à mobilização do eleitorado evangélico, um segmento que, segundo a diretora, a esquerda não conseguiu atrair, mas que foi inteligentemente conquistado por lideranças conservadoras.

Durante quatro anos de pesquisa, frequentou cultos e conversou com especialistas para entender a evolução do movimento evangélico no Brasil e no mundo. Ela destaca que, embora o evangelismo brasileiro tenha características próprias, houve esforços durante a Guerra Fria para enviar missionários ao Brasil com a intenção de evangelizar a população.

O documentário evita demonizar a fé evangélica, mas denuncia a proximidade entre religião e política. Antes de seu lançamento oficial, Petra apresentou o filme a pequenas plateias de neopentecostais, obtendo uma recepção positiva e gerando debates sobre o uso da fé na política.