O que parecia ser uma assombração somente no campo da política brasileira alcançou os domínios da OAB-RJ, o uso eleitoral das igrejas evangélicas chegou na disputa pela presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Rio de Janeiro.
Segundo a coluna de Guilherme Amado, do portal Metrópoles, uma candidata à presidência da seccional fluminense da Ordem, a advogada Ana Tereza Basílio, fez uma palestra na Assembleia de Deus Madureira no último dia 02 de julho, onde falou contra a taxação de templos para uma plateia recheada de pastores das mais diversas cidades do estado, entre eles o bispo Abner Ferreira, que também é advogado e presidente da Comissão de Juristas Evangélicos e Cristãos da OAB Nacional. Abner fez do encontro um “comício” e não hesitou em pedir votos: “Eu queria fazer um apelo aos amigos, principalmente às autoridades que estão aqui para não esquecer o nome da doutora Ana Basílio nas suas bases. Todo município tem a sua seccional. Não só recomendo, como estarei somando forças com o trabalho”, disse o religioso aos seus pares.
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Ana Basílio, que é vice-presidente da OAB-RJ, se filiou no ano passado à Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc), que é considerado um núcleo bolsonarista do mundo jurídico. Sobre o evento, a advogada afirmou que que foi apenas na condição de vice-presidente da OAB-RJ, e defendeu a constituição que “em seu artigo 150, inciso VI, alínea b, estabelece a isenção tributária para entidades e templos religiosos”. Ana ainda afirmou que “seria um grande embaraço para as obras de caridade, para os relevantes trabalhos da igreja, que ela tivesse ônus tributários”.
Esta última declaração soou com certa estranheza para o pastor e teólogo Zé Barbosa Jr, colunista da Fórum: “A advogada em questão parece desconhecer que a maioria das obras de caridade das igrejas são feitas por ofertas destinadas exclusivamente para isso e, em sua maioria, executada através do voluntariado. Tributar ou não tributar as igrejas pouco afetaria no trabalho beneficente das instituições religiosas”, declarou.
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Fato gerou indignação em outros advogados
A Fórum ouviu alguns advogados do Rio de Janeiro e também o jurista e professor de Direito Lenio Streck, sobre o episódio que causa espanto num momento em que se luta mais do que nunca pela laicidade do Estado, onde o fundamentalismo e o obscurantismo religioso e político têm tentado dominar as mais diversas áreas da sociedade e tenta estender seus tentáculos sobre uma das instituições que mais deveria garantir essa isenção.
Sobre a questão da isenção tributária para entidades e templos religiosos, o professor Lenio foi categórico: “Imunidade tributária é matéria constitucional. O problema é fazer a interpretação correta. Hoje a imunidade já se alastrou até mesmo ao aluguel e ao carro dos pregadores. A imunidade começou com uma coceirinha e virou uma gangrena de recursos públicos. Ademais ela ficou inserida numa autêntica confusão entre política e religião, o que representa um atraso no mínimo até o século XIII, quando começou a discussão entre poder temporal e espiritual. A gente chama a isso de secularização. Seria bom comunicar essa "nova" aos advogados de todo o Brasil. E ao parlamento.”
Advogados que atuam no estado do Rio de Janeiro, indignados, também falaram sobre o triste acontecimento:
O ex-tesoureiro da OAB-RJ, Marcello Oliveira, declarou: “A única missão da OABRJ que tem conexão com a prática religiosa é a defesa da Constituição quando garante liberdade de cultos e crenças aos indivíduos. Nada mais diz respeito à OABRJ. Não podemos admitir que a nossa instituição se misture com a política praticada por quaisquer lideranças religiosas e muito menos uma interferência eleitoral.”
Álvaro Quintão, ex secretário-geral da OAB-RJ, disse que “o nosso respeito as religiões não pode servir como argumento para usa-las como trampolim para a eleição que se avizinha. Infelizmente a atual direção está instrumentalizando a OABRJ para fins que não são os da advocacia, e usam as religiões sem observar o respeito que devemos ter por todas, apenas com objetivo eleitoreiro."
Também nessa linha do incômodo pelo fato e pelas declarações da vice-presidente, que está concorrendo à presidência da instituição em novembro deste ano, a ex conselheira da OAB-RJ Nadine Borges foi contundente: "O uso da estrutura da OABRJ pela atual direção é um risco para a advocacia fluminense. A entidade deve servir para melhoria das condições de trabalho da classe e não para um balcão de negócios voltado para a promoção pessoal de meia dúzia que domina o mercado e atua como puxadinho do Poder Judiciário. Usar as religiões como ferramenta eleitoreira é uma prática que atenta contra a democracia e os princípios da ordem dos advogados do Brasil."
Como dito no início da reportagem, que a assombração de um país dominado por um viés religioso, em detrimento de todos os outros, que ameace a laicidade do Estado, seja extirpada de uma vez por todas de nossas organizações e instituições, principalmente daquelas que têm, por missão, defender a Constituição e o Estado de Direito.