O que começou com ataques aos terreiros de religiões de matrizes africanas agora chegou às igrejas católicas de Brás de Pina e Parada de Lucas. Duas paróquias da Zona Norte do Rio de Janeiro tiveram suas missas suspensas neste fim de semana após ordem de traficantes da região conhecida como Complexo de Israel. As igrejas de Santa Cecília e Santa Edwiges cancelaram suas ações tanto neste sábado (6) quanto no domingo (7), inclusive os festejos juninos que estavam programados.
”Comunicamos que nosso arraiá está suspenso neste fim de semana. Não teremos Santa Missa e atividades em nossa paróquia também. Igreja fechada. Em breve, retornamos com mais informações”, dizia o comunicado da Paróquia de Santa Edwiges. Relatos de moradores dão conta de que são até mesmo proibidos de usarem camisas com figuras de santos e mártires católicos na localidade, e que as procissões foram proibidas pelo narcotraficante “Peixão”, que também proibiu a prática de religiões de matriz africana.
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Na favela conhecida pelas bandeiras de Israel, o comando do tráfico é exercido por bandidos que se declaram evangélicos, adeptos de uma seita pentecostal. Relatos apontam que motoqueiros armados com fuzis visitaram as igrejas católicas quase centenárias da região informando aos sacerdotes responsáveis que, a mando de ”Peixão”, líder do tráfico local, as celebrações religiosas, incluindo casamentos e batizados, estavam proibidas de acontecer.
Viviane Costa, pastora pentecostal e cientista da religião, é autora de um livro que tenta explicar como tudo isso começou nas favelas cariocas. De acordo com a obra Traficantes Evangélicos - Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus: Álvaro Malaquias Santa Rosa, 34 anos — ou mano Arão, para os membros da facção —, conhecido como Peixão, é um traficante ligado à facção Terceiro Comando Puro (TCP) que atua no Complexo de Israel, na zona norte do Rio de Janeiro. Ele é conhecido por controlar o tráfico de drogas em áreas como Parada de Lucas e Cidade Alta, em Cordovil.
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Não são somente os "narcopentecostais"
Viviane traz dados de uma pesquisa bem anterior, realizada por Christina Vital da Cunha, professora da Pós-Graduação em Sociologia da UFF, e publicada em seu livro "Oração de traficante: uma etnografia" : “Mas não foram as mãos do tráfico as únicas a potencializar a expansão do pentecostalismo nas favelas do Complexo do Acari (...) Os policiais do 9º Batalhão de Polícia Militar do Rio de Janeiro foram os principais responsáveis pela destruição de símbolos religiosos afro-brasileiros, além de mensageiros da “nova ordem” das favelas, comunicada em linguagem compreendida coletivamente. No local onde funcionava a boca, por exemplo, inscreveram ‘fim do tráfico, paz para a comunidade’ e assinaram ‘9º BPM’. Em Acari, na ocasião da ocupação policial, a imagem de São Jorge é deposta e substituída pelo outdoor com a inscrição ‘Jesus é o Senhor deste lugar’, frase que se repete em muitas outras demarcações. A destruição e a substituição de símbolos religiosos tinham por objetivo declarar, com ataques, a ordem que “imperava nos seus limites, demonstrando, pela utilização dos mesmos recursos antes usados pelos traficantes, quem dominava, a partir de então, aquele lugar: o Estado/a polícia/Jesus”
Para Christina Vital, é preciso também muito cuidado ao usar o termo "narcopentecostalismo": Em publicação no site "Observatório Evangélico" a pesquisadora e professora da UFF defende que "essa terminologia, além de sensacionalista é incorreta por fazer parecer que se trata da existência de uma religião específica de traficantes ou uma religião para traficantes. Mas nem se encontram hoje igrejas cuja liderança e membresia sejam de traficantes na ativa e muito menos podemos falar de igrejas conduzidas por pastores que sirvam exclusivamente a traficantes. A aproximação desses traficantes, no mais das vezes, acontece pela demanda por proteção ou pelos valores morais de referência que partilham por serem moradores de áreas cuja presença evangélica é dominante. Há os que têm participação intensiva em igrejas, como alguns que entrevistei em Acari, mas são minoria."
A guerra continua
A verdade é que o domínio do Complexo de Israel afeta a vida de moradores da região que confessam religiões diferentes da “oficial”. O domínio de “Peixão” envolve desde o fechamento de terreiros, retiradas de imagens católicas de locais públicos no território conquistado e, agora, ameaça a realização de missas e festejos católicos. Tudo isso porque o narco-pastor diz estar cumprindo uma missão divina e, pelo jeito, o “bonde de cristo” (grupo que começou em Duque de Caxias) está indo com tudo para o domínio de mais territórios na Zona Norte carioca.
Apesar de todas as informações confirmando o ocorrido, o Governo do Estado enviou a seguinte nota:
A Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro esclarece que as paróquias Santa Edwiges e Santa Cecília, em Brás de Pina, na Zona Norte da capital, estão abertas e com a segurança reforçada pela Polícia Militar. É importante ressaltar que não houve intimidação ou qualquer tipo de comando de traficantes para fechar as igrejas e que essa informação surgiu de boatos em redes sociais.
As forças policiais do Estado vêm realizando operações na região para retirada de barricadas e para aumentar a segurança da população, rotineiramente, há pelo menos dois meses. O blindado da Polícia Militar está baseado na localidade para evitar a retomada da instabilidade na região, garantindo o funcionamento das paróquias e a segurança dos moradores.