REVIRAVOLTAS

A incrível história do homem traficado quando bebê que achou a família no Brasil

O barbeiro Or Hille, de 38 anos, viveu em Israel a maior parte da vida até descobrir sua origem no Paraná

A tia Márcia e Or Hille.Créditos: Arquivo Pessoal
Escrito en BRASIL el

A vida de um barbeiro de 38 anos não poderia ser mais cheia de reviravoltas. Or Hille conheceu recentemente uma parte significativa de sua história.

Ele cresceu em Israel e descobriu agora que, na verdade, nasceu no Brasil, mais especificamente no Paraná, onde encontrou sua família biológica.

Or foi traficado quando era bebê e, somente em fevereiro de 2024, conheceu um parente “de sangue”. Ele foi recepcionado no Aeroporto Afonso Pena, na região metropolitana de Curitiba (PR), pela tia Márcia Regina Radaskiewicz de Lima.

O homem acha que foi uma das vítimas de uma quadrilha comandada por Arlete Hilú, especializada em no tráfico de bebês no Brasil. Na década de 1980, ela vendeu milhares de crianças brasileiras para famílias israelenses que não conseguiam ter filhos.

Or revelou que seus pais adotivos não se lembram mais do valor exato, mas pagaram, para levar o bebê a Israel mais de 10 mil shekels israelenses, o que equivale hoje a pouco mais de R$ 13 mil.

Ele soube que era adotado aos 5 anos de idade, informado pelos pais adotivos, que disseram a ele que, em 1982, tiveram uma menina, mas ela nasceu com uma doença grave e acabou morrendo.

“Depois de um tempo, eles tentaram trazer outro bebê ao mundo, mas não deu certo. Ao saberem que havia adoções de bebês do Brasil, e naquela época eram muitas, eles também quiseram”, contou Or, em entrevista ao UOL.

Sua mãe biológica se chama Rosália. Ela engravidou aos 16 anos de um caminhoneiro, cuja identidade nunca chegou ao conhecimento da família.

“Ela morava em uma vila muito pequena de São Mateus do Sul [interior do Paraná]”, relatou Eliane de Lima Caus, prima de Rosália. “Duas vizinhas bateram na casa da mãe da Rosália e perguntaram se ela queria doar a criança da filha. Ela disse que sim”.

Então, Rosália foi levada a Curitiba pela mãe. Ao chegar, foi submetida a uma cesárea sem o seu consentimento e o bebê foi encaminhado para a “adoção”.

“Ela dizia que ficou trancada no segundo andar de um prédio próximo à rodoviária”, destacou a prima. Desesperada, Rosália teria pulado a janela e voltado para casa de carona.

Segundo a certidão de nascimento de Or, ele veio ao mundo no dia 1º de fevereiro de 1986, na antiga maternidade Nossa Senhora do Rosário, em Curitiba.

Os pais adotivos viajaram para o Brasil, pois receavam que ele não fosse levado para Israel. O casal ficou hospedado na casa de amigos, no Rio de Janeiro.

“Quando meus pais me receberam, eu tinha cerca de duas semanas de vida e minha aparência era péssima. Eles me disseram que eu estava desnutrido e muito fedorento, porque ninguém tinha trocado a minha roupa e nem me alimentado”, afirmou.

Em Israel, Or teve uma infância saudável, viveu bem, como ele mesmo define, e recebeu tudo o que precisava dos pais adotivos. Ainda tem uma boa relação com eles.

O barbeiro e sua família brasileira iniciaram contato por intermédio de um grupo de Facebook, que tenta juntar pessoas sequestradas pela quadrilha a suas famílias de origem.

Or foi soldado e trabalha como barbeiro na cidade de Harish, a 70 km de Tel Aviv, em Israel. Ele fez uma postagem relatando seu caso e procurando pela mãe.

“Não demorou muito para eu ver os comentários de uma pessoa chamada Márcia. Ela afirmava que, de acordo com o nome da mãe biológica e o ano de nascimento no documento, eu poderia ser seu sobrinho”, disse, lembrando que a tia e ele, depois disso, fizeram exames de DNA.

Após a confirmação, Or viajou para o Brasil. “Meu voo foi longo, demorou 24 horas, mas tudo o que eu queria era chegar e conhecer a família. Foi muito difícil mentalmente fazer toda essa jornada sozinho, sem conhecer o idioma. Não sei de onde tirei forças, mas valeu a pena cada momento”, destacou.

“Conheci um país lindo, conheci pessoas incríveis e, claro, conheci minha família. Elas me deram um lugar para dormir, cuidaram de tudo o que eu precisava, me ofereceram seu tempo e, o mais importante, compartilhamos prazer e muito amor. Com o passar do tempo, meu amor por eles só cresce”, ressaltou o homem.

E a mãe biológica?

Contudo, Or lamenta o fato de não poder conhecer a mãe biológica, pois Rosália de Lima está desaparecida desde o início da década de 1990. A família diz que ela tinha transtornos mentais, fugiu de casa e não voltou.

“Quando eu o vi, tive uma sensação de missão cumprida. Quando o abracei, senti como se estivesse abraçando ele e a mãe dele ao mesmo tempo”, disse Márcia.

A traficante

Arlete Hilú morreu em 2023, no interior de São Paulo. Ela foi condenada por tráfico de crianças, falsidade ideológica, formação de quadrilha e por retirar crianças do Brasil ilegalmente. Nos últimos anos de vida, morou em um abrigo para idosos.