INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

Influenciadora que culpou religiões de matriz africana pela tragédia no RS é denunciada pelo MP

Empresária Michele Dias Abreu vai ter que explicar a associação criminosa que fez entre as enchentes que assolam o estado gaúcho à "ira de Deus" contra os povos de terreiro; jurista Lenio Streck já havia pedido essa medida

Créditos: Reprodução X e Agência Brasil - Influencer bolsonarista que associação religiões de matriz africada à tragédia do RS é denunciada pelo MPMG
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Influenciadores de extrema direita, que apoiam o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), têm se aproveitado da tragédia no Rio Grande do Sul para espalhar fake news sobre as motivações e culpados pelas inundações que assolam o estado gaúcho.

Além dos campeões de mentiras, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o "coach da montanha", Pablo Marçal, identificados como os maiores propagadores de desinformação da tragédia climática que acomete o estado gaúcho, a influenciadora religiosa Michele Dias Abreu, duela com os dois pelo título de pior propagadora de fake news

Em vídeo que viralizou nas redes sociais, Michele afirma que a responsabilidade das enchentes no Rio Grande do Sul é dos terreiros de religiões de matriz africana, pois trata-se de um castigo de Deus contra os gaúchos.

Agora, ela vai ter que se explicar na Justiça. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou a empresária de 43 anos por associar a tragédia climática no Rio Grande do Sul às religiões de matriz africana. A mulher é moradora de Governador Valadares, na Região dos Vales de Minas Gerais.

Em um vídeo publicado nas redes sociais, no dia 5 de maio, Michele disse que o que os temporais e enchentes que deixaram mais de 540 mil pessoas desalojadas, 154 mortas e outras 94 desaparecidas foram motivados pela "ira de Deus". As falas foram compartilhadas com quase 32 mil seguidores, e o vídeo chegou a três milhões de visualizações, segundo o Ministério Público.

Na denúncia, o MPMG também pede que a mulher fique proibida de sair do país sem autorização judicial e de fazer novas postagens sobre religiões de matriz africana ou com conteúdos falsos relacionados à tragédia no Rio Grande do Sul.

Após a repercussão negativa, a influenciadora fechou o acesso às suas redes sociais. Em seu canal em uma plataforma de vídeos, a acusada se apresenta como diretora de uma rede de laboratórios em Minas Gerais.

Recomendação de jurista acatada

Essa providência do MP contra a fala absurda da influenciadora de extrema direita já havia sido recomendada pelo advogado e jurista Lenio Streck durante entrevista ao Fórum Onze e Meia do dia 7 de maio. Ele afirmou que Michele deveria estar presa e com as redes sociais suspensas.

"Por exemplo, uma moça [Michele Dias Abreu], eu não lembro o nome dela, mas ela disse que a culpa da enchente no Rio Grande do Sul é dos candomblés, das religiões afro, que Deus castiga o Rio Grande do Sul e ela está solta. Ela já deveria estar presa como exemplo. Tem coisas que não podem tergiversar. Tem que ir pra cima. O Estado tem que mostrar para as pessoas que o resto do Brasil está preocupado com essa tragédia e que nenhum malandro pode tirar proveito disso com fake news", afirmou Lenio Streck.

Streck comentou ainda que o Ministério Público, principalmente em situações trágicas como a do Rio Grande do Sul, deveria ser mais ágil e enquadrar perfis que espalham fake news no meio de tragédias como a que ocorre no estado gaúcho.

"O Ministério Público tinha que dar entrevistas coletivas... por exemplo, já deveria ter pedido a prisão dessa senhora ou trancado as redes sociais dela por preconceito religioso e outras coisas, como incitamento à violência. Esse Pablo Marçal já deveria ter sido intimado nas penas da lei. No meio da tragédia, os urubus se aproveitam das carniças, que coisa impressionante. A humanidade é um projeto que fracassou", concluiu Lenio Streck.

O que pode acontecer com a influencer bolsonarista

As religiões de matriz africana - como candomblé e umbanda - são o alvo mais frequente de quem não respeita a liberdade de crença. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, só em 2022 foram 1.200 ataques - um aumento de 45% em relação a 2020.

No Brasil, a punição para pessoas que cometem intolerância religiosa é a mesma prevista pelo crime de racismo, quando a ofensa discriminatória é contra grupo ou coletividade, pela raça ou pela cor.

Uma lei sancionada em 2023 pelo presidente Lula deixou mais severas as penas para crimes de intolerância religiosa. A nova legislaçãoequipara o crime de injuria racial ao crime de racismo e também protege a liberdade religiosa.

A lei, agora, prevê pena de 2 a 5 anos para quem obstar, impedir ou empregar violência contra quaisquer manifestações ou práticas religiosas. A pena será aumentada a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas, além de pagamento de multa. Antes, a lei previa pena de 1 a 3 anos de reclusão.

A punição é a mesma prevista pelo crime de racismo, quando a ofensa discriminatória é contra grupo ou coletividade, pela raça ou pela cor. A expectativa é de que a nova lei ajude a punir quem comete crimes religiosos e ajude proteger a vítima, que muitas vezes não encontra amparo quando tenta fazer uma denúncia.