DITADURA MILITAR

Exército: MPF quer que Batalhão de Juiz de Fora, de onde partiu o golpe de 64, mude o nome; entenda

A ação judicial solicita também a criação de um espaço de memória, “para que as gerações futuras possam conhecer e compreender a gravidade dos fatos”

,Monumento com placa está localizada na 4ª Brigada da Infantaria, em Juiz de Fora.Créditos: Divulgação/4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha
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O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública para que a União mude o nome da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha, localizada em Juiz de Fora (MG). O quartel leva atualmente o nome de "Brigada 31 de Março", que faz reverência ao golpe militar de 1964 e trata o período como uma “Revolução Democrática”.

Os pedidos incluem, em um prazo de até 30 dias, a anulação de atos que fazem referência à homenagem, a remoção do nome de sites e documentos oficiais, e a subsequente retirada do monumento que contém a data nas instalações do Exército. Palavras relacionadas e que remetam à expressão “Revolução Democrática” também devem ser retiradas de sítios eletrônicos e outros documentos.

Após a divulgação em jornais de que o local fazia reverência ao regime nos 60 anos do golpe, o inquérito civil foi aberto. De acordo com o MPF, a brigada se autodenomina “Brigada 31 de Março” em seu próprio site. A ação indica que a placa no local é proeminente e facilmente visível, inclusive em imagens encontradas em sites de pesquisa.

Tanto o site quanto uma revista digital publicada pela brigada fornecem “uma justificativa” para o nome adotado. Eles descrevem que a unidade “…desempenhou um papel decisivo e corajoso na eclosão da Revolução Democrática, que motivou o recebimento da denominação histórica de ‘Brigada 31 de março”

MPF processa brigada do Exército

Em resposta, o MPF afirma que “o regime de exceção instaurado, de forma sistemática e como política de Estado, assassinou, ocultou cadáveres, torturou, estuprou, sequestrou, silenciou, censurou, perseguiu, prendeu de forma arbitrária, massacrou povos indígenas, suprimiu direitos políticos e outros direitos fundamentais, fechou o Congresso Nacional, cassou parlamentares, manietou o Poder Judiciário, aposentou compulsoriamente ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e se manteve, assim, por mais de duas décadas no poder.” E que tal acontecimento é inconstitucional.

“O apagamento da violência é repetição da violência”, reiteram os procuradores da ação judicial, Francisco de Assis Floriano e Calderano e Thiago Cunha de Almeida. “A denominação, a divulgação de sua justificativa, e o monumento erguido são, portanto, contrários à ordem jurídica e, por isso, devem ser combatidos e os danos imateriais por eles causados devem ser reparados”.

A ação também declara que a persistência do nome, justificada pelo Exército, é uma “repugnante e cínica homenagem a um regime assassino, que tripudia da memória das vítimas da ditadura, viola o direito à verdade e confronta a posição oficial do Estado brasileiro sobre o tema. O golpe militar que instituiu a ditadura não pode ser motivo de orgulho em um regime democrático. Da ditadura, só temos ‘ódio e nojo’, conforme a célebre síntese de Ulysses Guimarães quando da promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988.”

Criação de um espaço de memória

Além da retirada do letreiro, MPF pede criação de espaço de memória sobre o golpe de 64 em Juiz de Fora também em 30 dias. “É pedido que, no mesmo prazo, seja criado um espaço de memória, para que as gerações futuras possam conhecer e compreender a gravidade dos fatos, mediante a colocação de placa indicativa, no muro externo da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha ou em local em seu exterior com igual publicidade, informando que, no dia 31 de março de 1964, tropas militares partiram de Juiz de Fora, deflagrando um golpe de Estado que interrompeu a democracia no Brasil.”

“A denominação conferida à 4ª Brigada, e a justificativa apresentada para tanto, desinforma e relativiza os crimes da ditadura, propiciando, com isso, a sua repetição”, ressalta a ação. O MPF solicita também que, em um prazo máximo de 180 dias, seja estabelecido um curso, por meio de uma colaboração entre os Ministérios da Defesa, Educação, Direitos Humanos e Cidadania e Igualdade Racial. Este curso, que será oferecido regularmente a todos os militares da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha em Juiz de Fora, tratará da ilegalidade do golpe militar de 1964 e das conclusões da Comissão Nacional da Verdade sobre as violações dos direitos humanos durante a ditadura militar.

Matéria da Fórum citou locais marcados pela ditadura 

A Fórum publicou uma matéria falando sobre esse caso. Na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais, que se deu início uma das feridas mais profundas da história brasileira. E hoje também é uma das cidades brasileiras que guardam em ruas e edifícios marcas da repressão imposta pelo regime. É o que o doutor em história pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor na Universidade Federal de Goiás (UFG) Yussef Campos explicou à Fórum.

"Por meio dos relatos presentes nas Comissões da Verdade nacional, estadual e municipal (de Juiz de Fora), podemos identificar lugares da memória da ditadura. Desde prisões a locais de julgamentos, como de aplicação de torturas e de assassinato de presos”, afirma o historiador. Em seu artigo publicado em 2023 junto da pesquisadora Deborah Neves, “For a Legal Protection of Places of Hurtful Memory of the Military Dictatorship in Juiz de Fora, Brazil (1964-1985)” – em português, Por uma Proteção Legal de Lugares de Memória Sensível da Ditadura Militar em Juiz de Fora, Brasil (1964-1985) –, ele mostra como o município mineiro acabou sendo uma peça fundamental no tabuleiro do golpe.

Segundo Yussef, o apagamento histórico persiste até hoje em alguns locais que serviram à ditadura em Juiz de Fora. Além disso, o pesquisador diz que mesmo aqueles que são tombados, não apresentam em seus decretos de tombamento a vinculação com a ditadura militar, impedindo a devida contextualização e reflexão crítica sobre o passado. Leia a exclusiva aqui.