O policial Laércio Turra é o responsável por uma réplica de veículo militar da Alemanha nazista que desfilou no 7 de setembro de 2023 em Curitiba, capital do Paraná, ostentando símbolo da referida ideologia. Ele é investigado pelo Ministério Público Federal paranaense por conta do episódio e, conforme revelado pelo Brasil de Fato, foi condecorado em 2020 pelo então comandante do Exército, o general Edson Pujol, com a Medalha Tributo à Força Expedicionária Brasileira (Feb).
A história é repleta de contradições. A começar pelo fato de que a Feb foi o grupo militar que representou o Brasil na Segunda Guerra Mundial, justamente combatendo o Eixo, composto na Europa pela Alemanha nazista e pela Itália fascista. Mesmo assim, Turra mantinha o veículo e o colocou na rua em pleno Dia da Independência.
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Turra é policial civil no Paraná e presidente da Brigada Paranaense de Viaturas Militares Antigas, uma organização que não teria fins lucrativos e se dedica a preservar as tais viaturas militares antigas e a fazer homenagens à Feb.
A medalha recebida por ele tem como objetivo homenagear pessoas ou instituições que atuam em favor da preservação da memória história da Feb. Segundo levantamento do jornal supracitado, os pré-requisitos para obtê-la são “idoneidade moral”, “conduta pessoal ilibada”, “elevado conceito na classe e na comunidade a que pertencer” e “prestar serviço relevante na preservação da memória da Feb”. O jornal ainda aponta que a honraria pode ser retirada caso o agraciado incorra em “atos pessoais que invalidem as ações da concessão”.
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Em novembro de 2020, o policial recebeu a honraria das mãos de Pujol em pelo Salão de Honra do Comando Militar do Leste, no Palácio Duque de Caxias, no centro do Rio de Janeiro. Questionado pelo jornal, o Exército afirmou que aguarda o desenrolar das investigações do MPF para decidir se recolhe ou não a honraria concedida a Turra.
A história é investigada pela Procuradoria da República no Paraná. E Turra alega que o veículo nazista seria um “Caroço dos Pracinhas”. Em outras palavras, aponta que se trata de um dos jipes nazistas apreendidos pelo exército dos EUA em 1944 na Itália e dado aos militares brasileiros. O homem diz que sua intenção foi “enaltecer os pracinhas e os aliados”.
O Brasil de Fato ainda contou que Turra chegou a enviar um texto para a reportagem que contaria a história dos chamados “Caroços dos Pracinhas”. No entanto o material não tinha uma fonte que pudesse verificar a história.
Ratinho Junior foi avisado pelo Museu do Holocausto de Curitiba
O governo do Paraná, comandado por Ratinho Junior (PSD), recebeu um aviso do Museu do Holocausto de Curitiba, que comunicou sobre a participação de um veículo com símbolo nazista no desfile de 7 de setembro na capital paranaense, no ano passado. O aviso, porém, foi ignorado.
De acordo com a instituição, o comunicado semanas antes do desfile à Casa Militar do governo estadual, "órgão de primeiro nível hierárquico, de assessoramento e apoio ao Governador", conforme regulamentação prevista no Decreto nº 2.680, de 2019 – já no primeiro mandato de Ratinho Junior.
Procurado, o governo estadual informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o veículo não pertence ao inventário da Casa Militar do Paraná. Trata-se de um modelo Volkswagen Kubelwagen com uma insígnia nas laterais, uma cruz de faixa (Balkenkreuz, no nome oficial) utilizada pelas forças armadas nazistas.
"O desfile de 7 de setembro em Curitiba tradicionalmente é organizado pelo Exército", argumentou o governo. Contudo, integrantes da Casa Militar da Governadoria do Paraná também participaram na organização do desfile e no fornecimento de materiais e de estruturas.
Sem resposta, o Museu do Holocausto encaminhou uma manifestação ao Ministério Público Federal (MPF) no Paraná exibindo o registro do símbolo nazista no veículo, com uma análise do significado carregado por tal signo.
A procuradora Hayssa Kirie Medeiros Jardim, responsável pela investigação do episódio, decidiu por realizar uma reunião com o Museu do Holocausto e outra com a Brigada Paranaense de Viaturas Militares Antigas. Além disso, a representante do MPF sugeriu ao Exército a realização de ações educativas junto ao Museu do Holocausto de Curitiba, com a finalidade de evitar a repetição de ocorrências semelhantes.
Não sabia do símbolo nazista
O general de brigada Erlon Pacheco da Silva, que comanda a Artilharia Divisionária da 5ª Divisão do Exército, responsável pela coordenação do desfile no Dia da Independência, afirmou não saber que o símbolo era nazista, em reunião com o MPF, em 23 de fevereiro deste ano.
Segundo ele, a 5ª Divisão seria encarregada somente de coordenar o evento, sem atribuição de vetar ou autorizar a participação de veículos da sociedade civil no desfile – dividida em uma parte civil e outra militar. O órgão aponta que o veículo foi utilizado em outras cinco solenidades na capital paranaense.
O Museu do Holocausto reagiu com uma declaração que manifesta espanto com a presença do veículo no desfile. Para a entidade, não há dúvidas de que houve referência ao nazismo, uma vez que a cruz foi utilizada nos automóveis e aeronaves somente do período do Terceiro Reich, que marcou o movimento liderado por Adolf Hitler.
"Hoje em dia, quando usada em veículos militares como o deste Desfile Cívico-Militar, ele inevitavelmente remete ao regime nazista. Em outras palavras, tanto o veículo quanto a cruz representados de forma isolada não garantem a interpretação de simbologia nazista ou de qualquer forma de apologia; porém o uso da cruz estampada num [Volkswagen] Kubelwagen não deixa dúvidas de seu propósito", diz o parecer do Museu, encaminhada ao MPF.