“Quando analisamos os casos de chacinas que se configuram enquanto feminicídios percebemos que diversas motivações aparecem, mas o ódio contra mulheres pelo fato de serem quem são ressoa como a maior motivação. No entanto, devemos ampliar nosso olhar aos contextos que ressaltam nos casos emblemáticos analisados, pois não se restringem ao ambiente doméstico”, destaca Belle Damasceno, coordenadora da pesquisa “Chacinas e a Politização das Mortes no Brasil: estudo de casos”.
Nesta sábado (23), o novo recorte do estudo foi lançado pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com a Iniciativa Negra e no escopo do projeto Reconexão Periferias. A pesquisa aponta que o Brasil teve 42 chacinas com motivação de feminicídio entre 2011 e 2020, resultando em 111 mulheres brutalmente assassinadas apenas por serem mulheres. Já em chacinas com outras motivações foram identificadas 405 mulheres vitimadas no mesmo período.
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“As chacinas contra mulheres e meninas ocorrem em abordagens policiais, operações policiais, atuação de grupos de extermínio e milícias; em meios a disputas por terra ou de grupos armados dentre outros contextos que pedem do Estado medidas de ações preventivas diante de uma crescente nesses números”, reitera Damasceno. Entre os casos emblemáticos destacados pelo estudo, estão dois de grande repercussão no país:
- Massacre de Realengo (2011): Quando um ex-aluno invade a Escola Municipal Tasso da Silveira e mata 10 meninas e 2 meninos.
- Chacina de Campinas (2017): Quando um ex-marido invade a festa de fim de ano da família da ex-esposa e mata 2 homens, 9 mulheres (incluindo a ex-esposa) e seu filho de 8 anos.
A investigação revelou que os autores dos massacres participavam de grupos masculinistas online, conectados em uma comunidade internacional que incentiva a violência contra as mulheres. Ideias misóginas, extremistas e racistas circulam livremente em fóruns anônimos e na deep web, alimentando subculturas como incels e redpills.
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Preconceito mata
No Brasil, a violência contra a mulher negra assumiu proporções alarmantes: o risco de uma mulher negra ser vítima de feminicídio ou homicídio é duas vezes maior do que o de uma mulher não negra. Só em 2021, 2.601 mulheres negras foram assassinadas, representando 67,4% de todas as mulheres vítimas de homicídio no país. Essa realidade se traduz em uma taxa de mortalidade de 4,3 por 100 mil mulheres negras, quase 45% superior à taxa de mulheres não negras (2,4 por 100 mil), segundo o estudo.
Para a consultora da pesquisa e professora do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Juliana Farias, é preciso entender que as chacinas são orientadas pela misoginia, pelo racismo e pela cisheteronormatia. "
"Discutir violência letal no Brasil é uma tarefa que precisa ser realizada considerando raça e gênero, necessariamente. Sem perder de vista o fato de que os homens jovens negros são os maiores alvos dessa violência armada, precisamos enxergar as especificidades de casos nos quais o maior número de vítimas eram mulheres, como parte dos casos que analisamos nessa pesquisa”, afirma.
Em vigor desde 2015, a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) tipifica o assassinato de mulheres por razões da condição de sexo feminino como um crime hediondo, punível com pena de 12 a 30 anos de prisão. No entanto, “precisamos fazer com que ela seja praticada, não basta ter a lei, mas para que ela seja colocada em prática é importante sempre reforçar que não é homicídio e sim feminicídio”, comenta também a socióloga Claudia Telo.