SÃO PAULO

Diretora da Faculdade de Medicina da USP se retrata por comparar Holocausto com greve estudantil

Eloisa Bonfá admite "escolha de palavras inadequada" em reunião com estudantes; movimento grevista dura duas semanas

Eloisa Bonfá posa para foto com o governador Tarcísio de Freitas.Créditos: Reprodução/FMUSP
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A diretora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Eloisa Bonfá, se retratou de uma declaração feita em uma reunião com estudantes, na segunda-feira (18). Um vídeo, compartilhado em grupos de WhatsApp, mostra o momento em que docente comparou o contexto da greve estudantil com o Holocausto.

"Não existe a possibilidade de que isso seja esquecido, Eu pedi para fotografar tudo. Está documentado. Isso aqui vai ficar para a história dessa faculdade. Para que vai ficar para a história? É igual ao Holocausto, não pode deixar isso nunca mais acontecer nessa faculdade", protestou Bonfá, na reunião.

Em nota à comunidade acadêmica, a diretora reconhece a necessidade de retratação: "Quero enfatizar que, ao mencionar eventos históricos de grande dor e sofrimento, como o Holocausto, em comparação com as ações tomadas durante a greve estudantil, fiz uma escolha de palavras inadequada e retifico minhas palavras".

Segundo ela, não houve a intenção de comparar diretamente os contextos dos episódios, mas de refletir sobre a importância da memória e de respeito mútuo na faculdade.

Bonfá ainda declara que "comportamentos marcados por desrespeito e agressividade devem ficar registrados para que não mais se repitam dentro do ambiente acadêmico". No vídeo, Bonfá refere-se aos cartazes colados nas paredes do prédio de Medicina, com o intuito de chamar a atenção da direção para a greve estudantil.

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Na terça-feira (19), o Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC), da FMUSP, que representa os estudantes, emitiu uma nota sobre o trecho da reunião com representantes da greve. Para o grêmio estudantil, a comparação da diretora foi "infeliz e infundada".

"O Holocausto foi um dos eventos mais sombrios e horríveis da história da humanidade, no qual milhões de pessoas foram sistematicamente perseguidas, torturadas e assassinadas pelo regime nazista. A colocação da comparação entre esse evento histórico e a situação atual da Greve Estudantil na FMUSP reflete uma injustiça e desrespeito com a Memória de tal evento", diz o texto.

Os estudantes entendem que é fundamental que a diretoria da faculdade reconheça a gravidade de suas palavras e emita um pedido público de desculpas à comunidade estudantil da FMUSP e à comunidade judaica em geral. 

O CAOC ainda reforça a importância das conversas terem um rumo de solucionar as reivindicações da greve: "Além disso, é crucial que a instituição se comprometa a promover um diálogo construtivo e respeitoso com os estudantes, buscando soluções para as questões levantadas e evitando comparações insensíveis e ofensivas no futuro".

As notas podem ser lidas integralmente ao final da reportagem.

Reivindicações da greve

Os estudantes da Faculdade de Medicina da USP deflagraram greve geral em uma assembleia estudantil com mais de 300 votos, realizada em 7 de março. De acordo com o CAOC, o movimento grevista, que já perdura por duas semanas, se encerrará somente quando as demandas forem atendidas.

Na tarde da última quarta-feira (20), uma nova assembleia estudantil determinou a continuidade da greve na faculdade, com a aprovação de mais de 250 votos. A mobilização gira em torno de quatro pautas acadêmicas, ligadas aos direitos discentes.

Fim do Experiência HC

O primeiro ponto é uma manifestação contrária à privatização do ensino público e da saúde pública, e ao programa Experiência HC, no qual externos pagam  para ter acesso ao complexo hospitalar do Hospital das Clínicas, na região central de São Paulo.

Para o movimento grevista, o Experiência HC representa "um projeto de mercantilização e privatização" do ensino e do espaço público. "Reivindicamos o fim do programa com a garantia de que isso não comprometa as bolsas de permanência", exigem os estudantes.

Ameaça ao Porão

Outra reivindicação é o fim da ameaça ao espaço do Porão, ambiente de vivência historicamente utilizado pelo corpo discente, em um comportamento considerado como autoritário pelos estudantes. No final de fevereiro, a diretoria da FMUSP emitiu notificação extrajudicial com exigências.

A ação determinou a saída do restaurante AZE, em até 60 dias, e ameaçou a rescisão do Termo de Permissão de Uso do centro acadêmico sobre o Porão. 

Mudança na Prova de Residência

A terceira pauta diz respeito à insatisfação com o atual e recente modelo da prova de residência que, em grande maioria, é feito de questões objetivas, sem prova prática, resumindo a aprovação a uma preparação teórica, sustentada por “cursinhos” de residência, de acordo com os grevistas.

"O modelo atual da prova de residência torna 90% da nota final dependente exclusivamente da prova teórica de múltipla escolha. Tais alterações culminaram no favorecimento dos candidatos dedicados exclusivamente à formação teórica, negligenciando a real prática médica e todas as demais habilidades necessárias a um médico", alega uma publicação do CAOC.

Manutenção do subsídio alimentar

Segundo o movimento grevista, a diretoria da FMUSP decidiu cortar, de imediato, a verba direcionada para subsidiar a alimentação dos estudantes da faculdade, simultaneamente ao pedido de retirada do restaurante AZE. A decisão demonstra um "claro desinteresse pelo bem-estar e corpo estudantil, o qual pede por alimentação subsidiada e de qualidade", para os discentes.

Eles manifestam que a perda, por meses, de um restaurante no local comprometerá a segurança alimentar dos estudantes, visto que não há infraestrutura suficiente para comportar todo a comunidade da Medicina USP – de quase 6 mil pessoas – nos restaurantes adjacentes.

Notas na íntegra

Leia a nota da Professora Eloisa Dutra Silva de Oliveira Bonfá, diretora da FMUSP, na íntegra:

À Comunidade Acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP);

Reconheço a necessidade de esclarecer uma menção feita por mim em um recente encontro com alunos em greve. Quero enfatizar que, ao mencionar eventos históricos de grande dor e sofrimento, como o Holocausto, em comparação com as ações tomadas durante a greve estudantil, fiz uma escolha de palavras inadequada e retifico minhas palavras.

A intenção nunca foi estabelecer uma comparação direta entre esses dois contextos tão distintos. O objetivo de minha fala era refletir sobre a importância da memória e do respeito mútuo dentro de nosso ambiente acadêmico, enfatizando que comportamentos marcados por desrespeito e agressividade devem ficar registrados para que não mais se repitam dentro do ambiente acadêmico.

Acredito veementemente na capacidade de nossa comunidade de resolver conflitos por meio do diálogo aberto, da compreensão e do respeito pelas diferentes perspectivas. Comprometo-me a promover esses valores e a trabalhar incansavelmente para que nosso ambiente acadêmico seja um espaço de crescimento, aprendizado e respeito mútuo.

Leia a nota do Centro Acadêmico Oswaldo Cruz (CAOC), da FMUSP, na íntegra:

Nota de Posicionamento sobre Recorte Compartilhado da Reunião com a Diretoria em 18/03

O Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, vem, por meio desta nota, afirmar que tomamos conhecimento do fato de que um trecho da gravação da reunião com os Representantes da Greve de 18/03 foi recortado e compartilhado.

Neste trecho, que viemos repudiar por meio desta nota em nome dos membros da comunidade estudantil da FMUSP, a Diretoria da Faculdade de Medicina realiza uma comparação entre a “Memória” da Colagem de Cartazes no movimento de Greve e a Memória do Holocausto, que entendemos ter sido uma comparação infeliz e infundada.

O Holocausto foi um dos eventos mais sombrios e horríveis da história da humanidade, no qual milhões de pessoas foram sistematicamente perseguidas, torturadas e assassinadas pelo regime nazista. A colocação da comparação entre esse evento histórico e a situação atual da Greve Estudantil na FMUSP reflete uma injustiça e desrespeito com a Memória de tal evento.

É fundamental que a Diretoria reconheça a gravidade de suas palavras e emita um pedido público de desculpas à comunidade estudantil da FMUSP e à comunidade judaica em geral. Além disso, é crucial que a instituição se comprometa a promover um diálogo construtivo e respeitoso com os estudantes, buscando soluções para as questões levantadas e evitando comparações insensíveis e ofensivas no futuro.