*Atualização em 29/02/2024
Na última semana, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e grupos evangélicos a ela ligados utilizaram vídeo da cantora gospel Aymée Rocha gravado na semifinal do Dom Reality, um festival de talentos evangélicos transmitido no YouTube, para voltarem à carga com antigas fake news a respeito de supostos casos escabrosos de crimes sexuais e tráfico humano contra crianças e adolescentes no Arquipélago do Marajó, no Pará.
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No dia seguinte da grande viralização do assunto já havia uma campanha de arrecadação de doações para “salvar as crianças” encabeçada pela ONG Instituto Akachi, ligada a barões evangélicos que estão de olho na região. Todos aliados da ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos de Bolsonaro.
A apresentação de Aymée Rocha ocorreu em 15 de fevereiro. Na ocasião ela cantou a canção “Evangelho Fariseu” e, em seguida, deu um emocionado depoimento sobre os supostos casos de agressão sexual a crianças. A cantora, além de ser de Belém do Pará, também é ligada à Zion Church e ao Dunamis Movement, ambos ligados à família Hayashi.
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Cinco dias depois da apresentação, em 20 de fevereiro, um verdadeiro tsunami de viralização do vídeo de Aymée e de outras publicações sobre o tema varreu a internet, tendo tido repercussão até mesmo fora do Brasil.
Entre as publicações estava inclusive um vídeo que mostrava crianças dentro de um caminhão, supostamente sendo levadas ao cativeiro onde ocorreriam os crimes. No entanto as imagens foram feitas no Uzbequistão e usadas para dar crédito à narrativa mentirosa. A própria Damares, que em outubro de 2022 se apoiou em teorias oriundas da deep web para afirmar que as crianças tinham dentes arrancados e comiam ‘papinha’ para facilitar os sexos oral e anal, compartilhou o 'vídeo uzbeque'. Sobre as declarações de 2022, foi intimada pelo Ministério Público Federal a apresentar provas da denúncia, o que nunca fez.
Mas o que mais chamou a atenção, de acordo com levantamento da Revista Fórum feito em parceria com fontes, é a quantidade de influenciadores digitais de grande alcance que propagaram a mentira. Figuras como Juliette, Rafa Kalimann, Virgínia Fonseca, Hugo Gloss, Valesca Popozuda, Carlinhos Maia e Gleisi Damasceno foram algumas das que propagaram a fake news para milhões de usuários. Páginas como o Fofoquei, que tem quase 1 milhão de seguidores no X, também amplificaram a mentira.
'Astroturfing' à moda Ratanabá?
É de se supor que muitos simplesmente acreditaram e se comoveram com a história dos barões evangélicos e de Damares Alves. E chocados com a narrativa, a compartilharam. No entanto, a alta viralização demarcada em 20 de fevereiro pode indicar a possibilidade de uma ação orquestrada.
A principal suspeita é de que esteja sendo feito o chamado “Astroturfing”, uma estratégia de marketing que faz a publicação parecer orgânica e geralmente é financiada por alguma empresa. A prática pode ter começado no Tik Tok, logo nos primeiros momentos de viralização, quando o assunto ganhou a atenção de milhares de perfis.
Algo semelhante ocorreu em junho de 2022 com a teoria conspiratória da suposta cidade perdida de Ratanabá. Em plena Amazônia, o assentamento teria "450 milhões de anos" de acordo com a Dakila Pesquisas, a mesma organização criadora do famigerado “ET Bilu” e dona de terras no Mato Grosso do Sul, onde explora o turismo e a produção de “produtos naturais” a partir dos mistérios envoltos nas suas teorias conspiratórias.
A narrativa "ratanababesca" já existia antes da viralização, assim como a atual fake news de Damares. Mas em um determinado intervalo de tempo, é como se tivessse sido “descoberta” por uma miríade de influenciadores digitais e YouTubers, tornando-se o “grande assunto” do momento na internet brasileira. Dessa vez, algo semelhante parece ter sido feito em relação ao suposto caso do Marajó.
Um dos indícios que essa prática foi adotada é o fato de que influenciadores oriundos de diversas e importantes agências de conteúdo digital participaram da viralização a partir do dia 20. Entre essas agências está a Mynd8/Banca Digital, que outrora foi acusada pela extrema direita de colaborar com influenciadores petistas, "interferir nas eleições a favor de Lula (PT)" e provocar o suicídio de uma jovem por conta do Caso Choquei, página agenciada pela empresa. Há suspeitas de que no caso Damares-Marajó, tenha havido algum tipo de briefing das agências sobre os agenciados para abordar a questão. Aguardamos um posicionamento da agência.
Entre os influenciadores ligados à Mynd8/Banca Digital que participaram da viralização estão Deolane Bezerra, a acriana Gleici Damasceno e a própria página do Fofocalizando, que citamos anteriormente. Mas o que mais chamou a atenção foi o fato de que Murilo Henare, um importante executivo da Mynd8 chegou a fazer publicações sobre o caso. No entanto, dias depois, os stories já não estavam disponíveis e se havia alguma publicação no seu feed, o empresário apagou.
Juliette
Juliette Freire, de 31 anos, é cantora e vencedora do BBB 21. No X, antigo Twitter, tem 6 milhões de seguidores. No Instagram são 30 milhões. De acordo com o portal Insights ela pode cobrar até R$ 400 mil para fazer publicidade no Instagram. O valor agregaria um post no feed principal, além de três stories.
Agenciada pela Bpmcom - que também conta com nomes como Anitta, Thiaguinho, Cláudia Leitte e a apresentadora Eliana - Juliette é uma das que compartilhou as mentiras de Damares e seus asseclas. Juliette postou o vídeo de Aymée Rocha em 21 de fevereiro e a publicação teve 1 milhão de visualizações, 29 mil curtidas, 6 mil compartilhamentos e mil comentários. E estamos falando da sua rede com menos seguidores.
“Vocês sabem o que acontece na Ilha de Marajó?”, pergunta a publicação, em frase que é exatamente igual em muitos dos casos. Na mesma postagem, é indagada por um seguidor que questionada se teria sido contratada para fazer a publicação. Ela nega.
Em seguida foi questionada pelo próprio ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos e Cidadania, que a recomendou dar voz a fontes com mais credibilidade sobre o caso. Ela disse que a intervenção do ministro foi "muito importante".
Outros influenciadores
Outra ex-BBB que participou da viralização foi Jade Picon, que é agenciada pela MAP Brasil. Ela usou os stories do seu Instagram, onde conta com mais de 22 milhões de seguidores, para propagar a narrativa. Uma página que lhe dá apoio no X, antigo Twitter, pediu doações para o Instituto Akachi.
A página do site do jornalista Bruno Rocha da Fonseca, conhecido como Hugo Gloss, é outra que compartilhou a fake news. Famoso pela cobertura de celebridades, o profissional tem 5,5 milhões de seguidores no X e 21 milhões no Instagram. Sua publicação no antigo Twitter foi visualizada 3,5 milhões de vezes.
“A situação da exploração infantil na Ilha de Marajó, no Pará, voltou a virar assunto nesta semana. Desde 2006, os habitantes da região têm cobrado as autoridades no combate dos casos de tráfico humano de menores de idade para prostituição. Contudo, as ocorrências só tem aumentado. Na última sexta-feira (16), uma música da cantora Aymeê Rocha viralizou na web. No relato, ela fala sobre o desaparecimento de uma criança”, diz a publicação.
Por sua vez, a influenciadora e apresentadora Rafa Kalimann, com mais de 21 milhões de seguidores no Instagram, obteve mais de 1 milhão de curtidas em publicação em que pergunta: “você sabe o que está acontecendo na Ilha de Marajó?” Rafa Kalimann, ao lado de Hana Kalil, foi uma das mais compartilhadas no Instagram.
A funkeira Valesca Popozuda fez a sua publicação em 22 de fevereiro, compartilhando justamente a postagem de Hugo Gloss. Ela tem 3,6 milhões de seguidores no Instagram e 1,7 milhão no X. E a lista é longa e só falamos de duas redes. Se olharmos para o Tik Tok, a escala aumenta consideravelmente.
Juliette se pronuncia
Em nota enviada à redação em 29 de fevereiro (quinta-feira), a Bpmcom, agência faz a assessoria de imprensa de Juliette, considera as suspeitas levantadas pela reportagem "injustas, equivocadas e infundadas". Frisa que a influenciadora compartilhou o vídeo da cantora Aymée a fim de se solidarizar com a questão apresentada – os abusos no Marajó – e fomentar o “debate social”.
“A artista buscou compreender o que estava sendo feito por parte do governo, buscando esclarecimentos. Por meio das redes sociais, ela teve uma conversa com Silvio Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania e se colocou à disposição para apoiar qualquer tipo de causa humanitária no Brasil. Ela reconhece a importância da intervenção do governo e da sociedade civil sobre exploração sexual de menores, não só em Marajó, mas todo o nosso país”, diz um trecho da nota.
A assessoria também frisa que Juliette jamais publicou imagens das crianças ou compartilhou campanhas de doação para quaisquer instituições.
“Reafirmamos o nosso compromisso, e também dos artistas assessorados por nós, com a verdade e com a responsabilidade ao lidar com questões de grande relevância social”, conclui a nota.
Leia a nota na íntegra
Recentemente, surgiram alegações que Juliette teria compartilhado “fake news” relacionadas à questão da Ilha de Marajó (PA). Nós, da bpmcom, esclarecemos que tais acusações foram equivocadas, injustas e infundadas.
Juliette compartilhou o vídeo da cantora Aymée Rocha expressando solidariedade ao tema, dando luz ao assunto e promovendo o debate social. Além disso, nenhuma imagem ou vídeo de crianças foi compartilhada, tampouco mencionou qualquer instituição ou pessoa específica, limitando-se a relatar os fatos.
A artista buscou compreender o que estava sendo feito por parte do governo, buscando esclarecimentos. Por meio das redes sociais, ela teve uma conversa com Silvio Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania e se colocou à disposição para apoiar qualquer tipo de causa humanitária no Brasil. Ela reconhece a importância da intervenção do governo e da sociedade civil sobre exploração sexual de menores, não só em Marajó, mas todo o nosso país.
Reafirmamos o nosso compromisso, e também dos artistas assessorados por nós, com a verdade e com a responsabilidade ao lidar com questões de grande relevância social.