O relatório da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe aponta que militares utilizaram sites estrangeiros em 2022 para contestar as urnas eletrônicas por meio da disseminação de fake news, evitando, assim, uma possível intervenção de Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A investigação aponta que os militares estabeleceram uma “parceria” com Fernando Cerimedo, estrategista argentino indiciado pela Polícia Federal, utilizando sites hospedados na Argentina e Portugal para difundir “conteúdo fraudulento”.
“Percebe-se que Fernando Cerimedo utilizou os mesmos argumentos, que teriam sido ‘descobertos’ pelos hackers, citados pelo tenente-coronel [brasileiro] Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros e que [o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro na presidência, tenente-coronel] Mauro Cid afirma ter sido feito pelo ‘nosso pessoal'”, disse a PF no relatório.
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Cerimedo, responsável pela estratégia de campanha de Javier Milei em 2023, realizou um ano antes, em 4 de novembro de 2022, uma live intitulada Brazil was stolen [O Brasil foi roubado, em tradução livre], na qual divulgou uma alegada “investigação” das eleições no Brasil. O site La Derecha Diario foi o canal usado para divulgar o conteúdo, em que Cerimedo diz “ter identificado disparidades” nos votos entre urnas eletrônicas mais modernas e mais antigas.
Segundo o parecer da PF, “a escolha de sites e cidadãos estrangeiros para disseminar as notícias falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro foi deliberadamente utilizada pelos investigados em razão da atuação do Tribunal Superior Eleitoral, proferindo decisões determinando a retirada de publicações que atentassem contra o sistema eleitoral e aquelas que utilizassem notícias falsas contra os presidenciáveis”.
A investigação da Polícia Federal mostrou que, no celular de Mauro Cid, havia registros indicando que, no mesmo dia da transmissão, Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência e associado ao “Gabinete do Ódio”, enviou por WhatsApp o link dos arquivos mencionados por Cerimedo. Os investigadores identificaram que, às 17h15, Mauro Cid recebeu do tenente-coronel Marques de Almeida o link original da live promovida pelo consultor político argentino, acompanhado pela hashtag #BrazilWasStolen.
“Devido às ações já citadas da Corte Eleitoral contra a propagação de fake news, os investigados continuaram a diversificar o acesso ao material divulgado por Fernando Cerimedo”
Lotado no Comando de Operações Terrestres do Exército (Coter), o militar foi identificado como responsável por disseminar notícias falsas e incentivar ações golpistas, contornando bloqueios impostos pelo ministro Alexandre de Moraes, de acordo com o parecer. Ele teria compartilhado o conteúdo em grupos e listas de transmissão, atualizando o link com hospedagens no exterior.
A Polícia Federal detalhou como o esquema ocorreu: “Na madrugada seguinte, às 0h50, Marques de Almeida compartilhou o link do site ‘https://brazilwasstolen.com/’ com a mensagem: ‘Para quem ainda não viu a denúncia da fraude pelo vídeo argentino… Em português-español-english’. Vinte minutos depois, às 1h10, acrescentou: ‘Tiraram do ar. Quem precisar, tenho baixado. Só avisar que envio o arquivo em mp4'.” A mensagem fazia referência à live transmitida pelo consultor político Cerimedo.
A investigação também destacou outra mensagem, onde ele menciona “nosso time” ao falar sobre a hospedagem do site. Às 13h do mesmo dia, reforçando a intenção de driblar a ordem judicial, ele enviou: “Fizeram um site completo, com todo o material da investigação sobre a maior fraude do século! Nosso time é bom demais, incrível. Esse está hospedado em Portugal. O site que estava no Brasil foi derrubado. brazilwasstolen.com/pt/”.
"Operações psicológicas"
De acordo com a Polícia Federal, a análise dos dados encontrados nas mídias apreendidas com Marques Almeida mostrou elementos ligados à disseminação de conteúdo antidemocrático e falso, com o intuito de manter ativos os protestos contra o resultado das urnas nas eleições de 2022.
O investigado é descrito como tendo um profundo “conhecedor da área de operações psicológicas”: “O investigado se utilizava da propagação de conteúdo falso, visando criar uma atmosfera de indignação e revolta popular. Nesse sentido, cabe salientar que Marques Almeida estava lotado na Seção de Operações de Informação do Coter”, finaliza o documento.
*Com informações do portal Metrópoles