A família de Pedro Kaique Ventura Figueiredo, vítima fatal de um atropelamento envolvendo um Porsche em São Paulo em julho deste ano, manifestou indignação diante das declarações da fotógrafa pericial Telma Rocha, do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). A agente policial, que é investigada pela Corregedoria da Polícia Civil, fez comentários sobre o caso em um podcast, revelando um conflito de interesses ao admitir amizade com o Playboy do Porshe e confessar infrações de trânsito.
Em nota enviada ao UOL pelo defensor Roberto Guastelli, a pedido do pai da vítima, a família expressou indignação, classificando a postura como lamentável, especialmente devido à amizade dela com Igor Ferreira Sauceda, motorista preso pela morte de Pedro.
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"O relatório da autoridade policial foi aceito pelo Ministério Público, que ofereceu a denúncia e o Poder Judiciário acatou, tornando o motorista réu no processo criminal. Se a perita criminal exerceu seu direito de expressão e houve excesso, a Corregedoria da Polícia Civil deverá apurar e aplicar a sanção cabível, do contrário, estaríamos, diante de censura, o que é vedado pela nossa Constituição Federal", afirma a nota da família de Pedro.
A defesa de Igor foi procurada pelo UOL, mas informou que "não irá se manifestar". A fotógrafa pericial tem mais de 197 mil seguidores e é conhecida por sua participação em programas de séries sobre crimes. Além de sua atuação em séries criminais, Telma responde a outro processo na Corregedoria da corporação. Esse procedimento foi aberto depois que o STJ anulou a confissão de uma mulher acusada de assassinar o marido, motivada por declarações feitas por Telma e pelo perito do DHPP, Leandro Lopes, durante um podcast em 2022.
No dia 27 de agosto, o podcast Inteligência Ltda. acabou dedicando um episódio para discutir um tema que gerou grande repercussão nas redes sociais: os casos envolvendo motoristas de Porsche e acidentes fatais em São Paulo. Com duração superior a quatro horas, o programa, que já ultrapassou 700 mil visualizações no YouTube, contou com a participação de Telma, chefe da equipe de perícias do DHPP, André D'Ávila e do youtuber Beto Ribeiro. Os três foram questionados por internautas sobre suas opiniões e análises a respeito do assassinato de Pedro.
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Durante o podcast, Telma, que se declarou amiga do motorista Igor Ferreira Sauceda, questionou a razão pela qual casos envolvendo veículos de luxo, como o Porsche, ganham tanta notoriedade na mídia. Segundo ela, essa ampla cobertura seria uma "tremenda hipocrisia", uma vez que outros acidentes, com características semelhantes, porém envolvendo veículos de marcas e modelos mais populares, não seriam “tão divulgados”.
“Eu acho que você acelerar um carro potente e cometer um acidente desse é sua cara responder. Ponto. Mas vamos ser, no mínimo, menos hipócritas. Sério mesmo? O cara é filho de um churrasqueiro de rua. Ninguém falou isso, vocês sabiam disso? O pai dele era manobrista, vendia churrasquinho na rua, montou uma birosquinha, ela aumentou, colocou os filhos para trabalhar... o cara é da periferia da zona sul e está sentado num financiamento bancário para comprar um Porsche, que era um sonho de consumo. E aí você coloca como empresário e irresponsável? Isso eu não acho certo”, disse.
Em suas declarações, a fotógrafa defendeu Igor, afirmando que ele não tinha a intenção de atropelar a vítima, mas sim "buscar a moto". "Se eu não conhecesse esse moleque [Igor], eu não estaria entrando nesse assunto do jeito que eu estou. Ele estava bêbado? Não. Drogado? Não. Ele que ligou para o Samu? Foi. Ele que estava a 110 km/h? Não. Então, filho, dê o poder de Justiça. Foi um acidente. Por isso que existe homicídio doloso [com intenção de matar] e homicídio culposo [sem intenção de matar]", concluiu.
Em agosto, Igor Ferreira Sauceda foi indiciado por homicídio doloso triplamente qualificado, contrariando a defesa feita por Telma. Segundo o Ministério Público, o motorista do Porsche agiu com intenção de matar, empregando meio cruel, por motivo fútil e dificultando a defesa da vítima. O motorista do Porsche segue preso.
A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) se manifestou sobre as declarações da policial, afirmando que "os comentários não refletem o pensamento da SSP-SP e da Polícia Científica". Em nota, a SSP-SP afirmou que o caso de Igor Ferreira Sauceda foi "rigorosamente investigado pelo 48º Distrito Policial (Cidade Dutra), sendo adotadas todas as medidas de polícia judiciária pertinentes, sem prejuízos às investigações". A secretaria também esclareceu que Telma não teve qualquer participação nas apurações e que "o inquérito já foi concluído e remetido ao Poder Judiciário".
Em 12 de outubro, Telma trocou mensagens com o UOL e mencionou que a Superintendência da Polícia Técnico-Científica não havia autorizado sua declaração sobre o tema. Após isso, ela não retornou mais o contato, segundo o jornal.
Agente diz que descumpre leis de trânsito
Em outra parte da conversa, Telma revelou ter acumulado 180 pontos na CNH até julho de 2024, brincando: "Achei que a brincadeira era ver quem tinha mais pontos, não menos". D'Ávila, por sua vez, comentou que uma colega de trabalho almejava chegar a 200 pontos. A fotógrafa, por fim, surpreendeu ao admitir que não usa cinto de segurança e que costuma utilizar o celular enquanto dirige, ambas práticas proibidas por lei.
“Eu vivo no telefone. Eu não uso cinto de segurança porque eu vivo armada. Aí no dia que eu sofrer um assalto e eu for tirar o cinto, aí o cara vai achar que eu vou pegar a arma e eu vou morrer. Então, eu prefiro já estar sem cinto e falar assim para o cara: 'eu vou tirar o cinto' e pego a minha arma. Mas é um risco meu, você entendeu? E isso faz de mim uma assassina porque eu tenho 180 pontos na carteira?”, afirmou no podcast.
*Com informações de UOL