RACISMO

Brasileiros concordam que há racismo no país, mas não se consideram racistas, diz pesquisa

Historiadora afirma que estudo revela o desconhecimento sobre o racismo ser algo estrutural

Estudo foi realizado com 2 mil pessoas com 16 anos ou mais em 127 municípios brasileiros.Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Pesquisa realizada pelo o Instituto Peregum e pelo Projeto Seta, organizações voltadas ao estudo da população negra, concluiu que mais da metade dos entrevistados dizem viver em um país racista, mas que não praticam descriminação.

Entre os dias 14 e 18 de abril deste ano, o estudo foi realizado com 2.000 pessoas com 16 anos ou mais em 127 municípios brasileiros. Ele foi realizado presencialmente, com uma margem de erro de cinco pontos percentuais para mais ou para menos.

De acordo com a pesquisa, 81% dos brasileiros acreditam que há racismo no Brasil. No entanto, apenas 11% admitem possuir atitudes discriminatórias. Entre aqueles que concordam que há racismo no Brasil, os maiores índices foram constatados entre mulheres pretas (76%) e pardas (66%) e homens pretos (66%) que recebem até um salário mínimo. Por outro lado, entre aqueles que discordam, predominam homens brancos com alinhamento político à direita, acima dos 60 anos de idade.

Sobre ter presenciado algum ataque racista, mais da metade dos entrevistados declararam ter se deparado com alguma situação. Das violências mais citadas, está a violência verbal, como xingamentos e ofensas (66%), em seguida o tratamento desigual (42%) e a violência física, como agressões (39%). Ao todo, 17% dos entrevistados afirmaram ter sido alvo de situações parecidas.

Também é importante notar que a maioria dos entrevistados (65%) considera justa a criminalização do racismo no país, enquanto 30% são contrários.

A gestora do projeto Seta e historiadora, Ana Paula Brandão, ressalta que pelos resultados do estudo "há um desconhecimento sobre o racismo ser algo estrutural". Segundo ela, é revelada uma contradição: a população, majoritariamente, reconhece que há preconceito motivado por raça, mas não acredita reproduzi-lo.

"Há um desconhecimento sobre o racismo ser algo estrutural"

O caso de Gabriel, de 27 anos, é diferente:ele é um carioca que atualmente mora na região central de São Paulo. Ele enfrenta preconceito em todos os lugares que vai. Lojas, ruas e outros lugares públicos são palco de perseguições e olhares estranhos. Mas houve uma situação que foi ainda mais marcante para ele. Gabriel prefere não divulgar seu sobrenome, mas sua história é um exemplo de como o preconceito ainda está presente em nossa sociedade.

Em outubro do ano passado, Gabriel estava caminhando perto da estação Pedro 2º, na linha 3-vermelha do metrô, no centro de São Paulo. Ele passou por uma viatura da Polícia Militar e notou que os policiais estavam cochichando. Pouco depois um dos PMs, que estava armado, exigiu que o jovem encostasse em um paredão com as mãos para o alto.

O celular de Gabriel foi a primeira coisa que o policial notou e começou a perguntar a quem pertencia o aparelho. Gabriel respondeu que era dele. O policial então pediu a nota fiscal, mas ele não a tinha consigo naquele momento. O policial então exigiu grosseiramente que Gabriel desbloqueasse o celular, e ele, assustado, obedeceu.

O policial vasculhou todo o celular, abrindo todos os aplicativos e lendo emails e conferindo fotos. No final, Gabriel havia saído para fazer compras em um supermercado, recebeu de volta seu telefone móvel, que já estava quitado há muito tempo, sem nenhuma explicação.

A pesquisa mostra que 79% dos participantes acreditam que as abordagens policiais são baseadas na cor da pele, tipo de cabelo e estilo de vestimenta. Isso é conhecido como perfilamento racial. Homens pretos entre 16 e 24 anos são considerados mais vulneráveis a essa prática, de acordo com a opinião dos brasileiros. O relato de Gabriel se encaixa nesse contexto.

O coordenador-executivo do Observatório da Branquitude, Thales Vieira, declara que "algo importante a ser pensado sobre essa pesquisa é como transformar a percepção coletiva sobre a existência do racismo em apoio a políticas públicas para valorizar a população negra e combater a desigualdade racial". Sobre esse assunto, 74% dos entrevistados indicaram ser a favor das ações afirmativas ou reservas de vagas a negros (pretos e pardos).

De acordo com o professor de direitos humanos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Leopoldo Soares, as pessoas negras têm ocupado gradativamente espaços a partir da promoção de discussão sobre os males produzidos pela iniquidade racial. "É algo louvável em um país como o nosso".

Porém, ele diz que todo brasileiro deve aceitar ser racista e não culpar o próximo pelo preconceito. "Aqui, todos somos preconceituosos, mesmo não querendo ser. Eu, um homem negro, me pego reproduzindo racismo. Precisamos nos desconstruir, sempre buscar o progresso."

Casos de racismo no país tiveram aumento de 68% em 2022, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Só no último ano, foram registradas 2.458 ocorrências e 1464 no ano de 2021. Os locais onde ocorreu o aumento das notificações são Rio de Janeiro, Bahia e Santa Catarina. 

*Com informações de Folha de São Paulo

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