O livro infantil Amoras, escrito pelo rapper Emicida, que conta a história de uma menina negra que está aprendendo a se reconhecer no mundo, foi alvo de racismo religioso em uma escola particular de Salvador, na Bahia.
Na segunda-feira (6), o livro, indicado pela escola no projeto Ciranda Literária, foi encontrado riscado com indicações de versículos bíblicos que teriam sido feitas pelos responsáveis de um aluno.
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"Antes de começar esta leitura, leiam ou peçam para lerem o salmo 115: 4-8", escreveu o racista que fez os rabiscos.
Os racistas ainda contestam versões de divindades de religiões de matrizes africanas, os Orixás, que são classificados nos rabiscos como "anjos caídos".
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"Orixás não são deuses. Eles são ídolos africanos cujo (SIC) sua personalização é assumida por entidades consideradas pelo cristianismo como 'anjos caídos'. Considerar ídolos como deuses é praticar idolatria. A palavra de Deus diz: 'não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma imagem de qualquer criatura no céu ou na Terra ou no mar'", escreveram os racistas.
A direção da escola disse que é contra as declarações escritas no livro e que a obra será reposta. Além disso, a família do aluno será convocada para uma reunião.
"Inofensivo para os não racistas"
Em vídeo nas redes sociais, Emicida disse que foi surpreendido por mensagens desejando força a ele, quando descobriu o caso de racismo religioso.
"No começo, imaturo, eu fiquei com raiva e levei para o pessoal, mas era uma questão muito maior. Então, eu fiquei triste porque é de entristecer viver entre radicais que se propõem a proibir e vandalizar livros infantis. Livros. Sobretudo um livro tão inofensivo como esse, Amoras. Quer dizer inofensivo para os não racistas", disse ele.
O rapper, então, explicou que sua tristeza não é de derrota, mas por setores evangélicos que tentam impor sua religião.
"Hoje minha reação a isso é de tristeza. Não uma tristeza de derrota. A história do livro, ela fala por si, e é uma grande vitória. A repercussão dele, fala por si. A tristeza é por essas pessoas que querem que a sua religião, no caso a cristão, protestante, conhecidos como evangélicos, seja respeitada, e deve ser respeitada, mas não se predispõem nem por um segundo a respeitar outras formas de viver, de existir e de manifestar sua fé", afirmou.
Emicida também celebrou as religiões de matriz africana e afirmou que elas "resistiram, resistem e seguirão resistindo em nome do respeito e da vida".
Ao G1, a mulher, que não quis ser identificada, disse que não considera seu ato como intolerância religiosa e que resolveu escrever no livro proque a obra também falava sobre religiões, assunto que, segundo ela, a escola havia informado que não seria tratado neste ano.
Como o cristianismo não era abordado no livro, ela disse que decidiu escrever as passagens bíblicas para dar "diferentes versões" aos filhos.
"O livro que deveria nortear um comportamento benéfico em sociedade acaba sendo interpretado de maneira equivocada e sendo uma arma para violentar pessoas que possuem um seguimento religioso distinto de quem fez as 'notas de rodapé'. Conseguimos perceber de forma muito nítida como o racismo religioso está penetrado em cada linha subscrita", disse ao G1 a a advogada criminalista e Conselheira Seccional da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da Bahia, Dandara Amazzi Lucas Pinho.