No Brasil, mais de 47,6 milhões de cidadãos estão atualmente sob a mira de sistemas de reconhecimento facial na segurança pública, revela o projeto Panóptico do Centro de Estudo de Segurança e Cidadania (CESeC). A pesquisa aponta a existência de 165 projetos ativos em todo o país, destacando uma tendência crescente na implementação dessas tecnologias.
De acordo com os dados, cerca de 23,44% da população brasileira está potencialmente exposta aos sistemas de videomonitoramento com reconhecimento facial, seja em fase de testes ou ativação. A região Sudeste lidera o ranking, com 21,7 milhões de pessoas, seguida pelo Nordeste, com 14,1 milhões, e o Centro-Oeste, com 24,38% da população exposta.
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Pablo Nunes, coordenador geral do Panóptico, expressa preocupações sobre o avanço dessas tecnologias, especialmente devido aos vieses que impactam negativamente pessoas negras, notadamente mulheres. Ele destaca que governos, muitas vezes incapazes de fornecer direitos básicos à população, estão investindo em tecnologias caras e potencialmente perigosas.
“É muito preocupante o avanço de tecnologias de reconhecimento facial no Brasil. Sabemos pela experiência internacional que essa tecnologia possui vieses que vulnerabilizam pessoas negras, especialmente mulheres. Como se não bastasse, essas tecnologias caras e perigosas têm sido compradas por governos que não conseguem prover os mais básicos direitos à população”, explica o cientista político.
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A Bahia lidera em custos de implementação, destinando R$ 728 milhões ao projeto, resultando em 1.213 prisões até dezembro de 2023, com um custo médio de R$ 600.164,88 por pessoa presa. Contradições de investimento também foram observadas, com cidades de baixa criminalidade, como Mimoso de Goiás, recebendo recursos federais para a implementação de tecnologias de reconhecimento facial.
A descentralização do uso dessas tecnologias, evidenciada pelo protagonismo de municípios na adoção, levanta questões sobre a falta de regulação e a possível desresponsabilização do uso do reconhecimento facial como política pública de segurança.
“O que temos observado através do monitoramento é uma dispersão do uso de tecnologia de reconhecimento facial por todo o país sem nenhuma forma de regulação. A descentralização do uso de reconhecimento facial para fins de segurança pública, com a aquisição por diversos municípios, acende um alerta sobre um possível processo de desresponsabilização do uso dessa tecnologia como política pública de segurança. A pergunta que ecoa quando observamos a multiplicação dos projetos é: qual é o objetivo dessa política? Para quem está sendo desenhada? O que já sabemos é que ela é uma política que não tem se mostrado eficiente e pode automatizar assimetrias sociais e práticas discriminatórias”, comenta a coordenadora de pesquisa do Panóptico, Thallita Lima.
A pesquisa do Panóptico, baseada em dados da Lei de Acesso à Informação, Diários Oficiais, informações da imprensa e redes sociais, revela também o viés racial e as contradições nos investimentos. A tecnologia, além de cara, frequentemente erra na identificação de pessoas negras, levantando preocupações sobre violações de direitos e contribuindo para o encarceramento em massa.
Resultados não se refletem na prática
Apesar dos argumentos a favor da segurança pública, os resultados não se refletem na prática. Na Bahia, por exemplo, os indicadores criminais permaneceram praticamente inalterados ou aumentaram em algumas regiões entre 2018 e 2021, enquanto as mortes decorrentes de intervenção policial cresceram significativamente.
O Panóptico, desde 2019, monitora o uso do reconhecimento facial pelas polícias brasileiras, destacando que 90% das pessoas presas por meio dessa tecnologia são negras. O projeto visa conscientizar sobre os riscos do reconhecimento facial, além de avaliar criticamente as políticas públicas relacionadas.
Com o lançamento do novo site do Panóptico, qualquer cidadão pode colaborar com o monitoramento, contribuindo para a coleta de informações sobre suspeitas de monitoramento biométrico em sua região. Essas informações serão verificadas pela equipe de pesquisa, fortalecendo a produção de dados sobre o avanço dessa tecnologia no país.