BARBÁRIE EM BLUMENAU

Novas imagens mostram que morador de rua foi esfaqueado pelas costas em SC; assassino é identificado

"O crime foi praticado de forma violenta e cruel, sendo a vítima atingida por ao menos quinze golpes de faca", diz juiz. Esposa do autor, que está grávida, trabalha no supermercado e estava com a filha, que viu o assassinato.

Gleidson Tiago da Cruz e a imagem que mostra que ele atacou morador de rua pelas costas em Santa Catarina.Créditos: Twitter / Reprodução Polícia Civil SC
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Novas imagens obtidas pela Polícia Civil, de câmeras de segurança da região, mostram que Geovane Ferreira da Silva, de 29 anos, foi esfaqueado pelas costas quando vendia paçoca em frente ao supermercado Giassi, em Blumenau, Santa Catarina, na última sexta-feira (3).

O nome do assassino também foi divulgado na sentença que transformou a prisão em flagrante em preventiva. O autor das facadas, que estava acompanhado da filha pequena, é  Gleidson Tiago da Cruz, de 41 anos.

As imagens que mostram Gleidson esfaqueando Geovane, que vivia em situação de rua, pelas costas foi um dos pontos cruciais para que o juiz Eduardo Passold Reis decretasse a prisão preventiva.

Segundo o juiz o “crime foi praticado de forma violenta e cruel, sendo a vítima atingida por ao menos quinze golpes de faca, tendo o instrumento cortante inclusive ficado preso ao tórax da vítima, que caiu à beira da calçada em local de intenso fluxo de pedestres e veículos”.

O magistrado ainda descontruiu a tese do advogado de defesa de Gleidson, Rodolfo Warmeling, que alegou que o assassino agiu em legítima defesa após o morador de rua, que teria oferecido paçoca à filha, ameaçou a criança.

As novas imagens mostram que Geovane teria fugido da calçada para a entrada do supermercado após ter sido ataca pelas costas por Gleidson, que desferiu outras facadas quando o homem que vendia doces caiu no chão. Logo após, ele foi até a calçada novamente, onde estava a filha.

De acordo com o magistrado, é “inviável dizer que o indiciado agiu em legítima defesa, ao menos nesse momento embrionário das investigações, porque não há nenhum elemento concreto até o momento que pudesse corroborar tal versão”.

O juiz também rebateu a tese da defesa, de que o crime foi uma "ação instintiva de um pai [autor do crime] que estava na eminência de uma grande ameaça que colocava em risco não somente à sua integridade física, mas também, a de sua filha menor que conta com pouco mais de 2 anos de idade”.

"Mesmo que a provocação tenha partido da própria vítima – o que não é possível ainda confirmar e nem parece ser o caso – não há como ignorar que o desdobramento que se seguiu, ao que tudo indica, foi desproporcional ao contexto narrado e extrapolou os limites jurídicos de uma eventual legítima defesa”, afirmou Reis na sentença.

A esposa do assassino trabalha no supermercado e está grávida. Ela estaria cuidando da filha do casal, que presenciou o crime.

Ódio

Geovane tinha familiares em Blumenau, mas morava na rua por escolha, segundo eles. O rapaz completaria 30 anos nesta segunda-feira, 6 de novembro.

Desde 2019, ele estava sob acompanhamento da Secretaria de Desenvolvimento Social. Geovane já foi atendido pelo Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e, posteriormente, pela Abordagem Social.

“Além desses serviços, ele foi assistido pelo Centro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua (Centro POP), pelo Abrigo Municipal de Blumenau (Amblu) e foi encaminhado para comunidades terapêuticas, apesar de não ter concluído nenhum tratamento nessas instituições. Ao longo desse período, a Semudes realizou um total de 119 atendimentos para o homem, sendo o último atendimento registrado no dia 25 de outubro no Centro POP”, informou a Semudes.

Integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, a advogada Maria Cecilia Seraphim assumiu voluntariamente a representação da família de Geovane e atuará como assistente de defesa junto ao Ministério Público.

“Ele não era apenas um morador de rua vendedor de paçoca. Era um ser humano, filho e tio. A família me mostrou várias fotos dele com os sobrinhos e contou que ele ia lá toda semana para jantar, tomar um banho e dormir com eles. Mas de tempos em tempos escolhia ir para a rua porque não queria ser um fardo para a família, já que é dependente químico”, afirmou em entrevista ao site O Município, de Blumenau.

Segundo a advogada, "não há prova alguma de que ele fez algo com a criança" e todas ocorrências que envolvem Geovane na Polícia Militar são de perda de documento. Maria Cecília ainda alerta para o clima de ódio no Estado contra pessoas em situação de rua.

“Pessoas em situação de rua são vistas sempre como um incômodo, vagabundos. Se não tivermos um processo rápido, teremos um massacre de pessoas em situação de rua na cidade, porque não querem ver a vulnerabilidade social que existe”, afirmou.

Ataques à população de rua

O assassinato em Blumenau é apenas parte de um levante contra moradores de rua em Santa Catarina, estado administrado por Jorginho Mello (PL), um dos principais aduladores de Jair Bolsonaro (PL), que venceu com folga as eleições presidenciais no Estado.

Em Itajaí, a PM expulsou cerca de 40 pessoas em situação de rua que viviam sob ameaças das autoridades desde o mês de abril, quando foi imposto um toque de recolher clandestino a partir das 22h.

Neste horário, conforme apurou a Fórum com algumas das vítimas desses ataques e com servidores municipais que fazem o atendimento dessa população, os policiais se dirigiam a qualquer que fosse o local onde estivessem as pessoas em condição de rua e as levavam compulsoriamente até a chamada favela do Matadouro.

Trata-se de um área afastada de qualquer urbanização, aos pés de um morro, atrás do campus universitário da Univali (Universidade do Vale do Itajaí). Lá, elas eram agredidas e, em mais de uma oportunidade, tiveram seus pertences queimados por membros da Guarda Civil Metropolitana da cidade. 

No dia 31 de outubro, a imprensa de todo país exibiu os vídeos que mostram cerca de 40 pessoas em situação de rua sendo expulsas da cidade de Itajaí por policiais militares em suas viaturas. Elas foram “escoltadas” pela estrada até deixarem os limites da cidade, sendo deixados na entrada do município vizinho de Balneário Camboriú.