Em 2019, começou a ser implementada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nas escolas brasileiras. Com isso, ocorreram várias mudanças, como novas metodologias de avaliação. As habilidades, por exemplo, não são mais separadas por disciplinas, e sim por áreas de conhecimento, o que deixou o sistema mais geral e global.
No Colégio Militar de Manaus (CMM), os responsáveis reclamam não terem sido consultados acerca das alterações. Além disso, alegam que o sistema de avaliação não está claro e que, por isso, não sabem como as notas são dadas. Os alunos também não estariam recebendo as avaliações realizadas e afirmam que as provas ficaram muito extensas.
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Segundo os relatos, um dos exames chegou a abordar mais de sete disciplinas, totalizando 100 páginas de estudo para apenas uma avaliação. Além disso, com a pandemia da Covid-19 e a mudança para ensino online, as aulas perderam ainda mais qualidade, e alguns professores começaram a cobrar conteúdos que não haviam ensinado. Isso fez com que as notas de vários discentes diminuíssem, gerando danos emocionais a eles.
"As provas são todas copiadas e coladas de universidade, são cobrados assuntos que eles nunca viram. Os alunos enlouquecem, não importa o quanto eles estudem, nunca vão conseguir", conta a professora e psicopedagoga P.D.*, esposa de um coronel do Exército, que retirou os dois filhos do colégio depois de 6 meses.
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Ela relata que seu filho desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático (TEP) após estudar no CMM e que a filha ficou com depressão e ansiedade. "O psicológico deles foi destruído." Em vista dos abusos relatados, P.D. e um grupo de 23 mães entraram com uma denúncia no Ministério Público de Manaus, no Amazonas, contra o colégio.
Mãe de uma adolescente de 16 anos que ainda permanece no CMM, A.G.*, também reclama das mudanças na instituição.
"Com a pandemia, eles passaram a ter aulas online, e os professores não são preparados para isso. As aulas começaram a ser muito aleatórias, sem compromisso, mas eles cobravam como se fossem bons professores e uma boa escola. Minha filha entrou no sexto ano e sempre teve notas muito boas, nunca ficou de recuperação, nunca teve nota vermelha. Ela passou a ser cobrada de uma forma grosseira e começou a achar que não era capaz, que não ia entrar no Ensino Médio", desabafa.
De acordo com a denúncia enviada ao MP, frases como: “Sou uma inútil, vivo só para estudar e não consigo superar, embora estude muito"; “Todas as vezes que entro no colégio meu coração começa a acelerar”; “Nos sentimos abandonados pelo colégio”; “Todas as vezes que vou para escola tenho Pânico” e; “Não tenho mais prazer em estudar” são algumas que evidenciam os problemas emocionais de diversas ordens vivenciados pelos discentes.
Denúncias apontam abusos físicos
As mulheres também apontam abusos físicos. Apesar das escolas cívico-militares possuírem regras rígidas, como uso de uniformes com padrão militar, e exercícios como marchas, elas afirmam que os alunos são tratados como soldados, sendo obrigados a ficar na chuva ou debaixo do sol escaldante.
"Quando a gente coloca nessa escola, sabemos que terão regras militares, mas a partir do momento em que ficam na chuva, isso não é mais treinamento escolar. Não são militares, são alunos, estão em uma escola, é vida escolar, não vida militar", diz A.G.
"Não existe Colégio Militar. Existe uma academia militar disfarçada de colégio, onde os alunos são feitos de soldados. Meus filhos eram obrigados a marchar 1h, 1h30, sob sol... Minha filha passava mal, vomitava", complementa P.D.
Considerada uma das principais promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro, em 2019 foi lançado o Plano Nacional das Escolas Cívico-Militares (PECIM), uma das apostas da atual gestão do Ministério da Educação (MEC), em parceria com o Ministério da Defesa. A intenção é implementar o modelo cívico-militar em 216 escolas de todo o país até 2023, sendo 54 por ano, em que os militares atuarão como monitores em três áreas: educacional, didático-pedagógica e administrativa.
Mães afirmam que diretor chamou alunos de "burros"
Frente a todos essas questões, os responsáveis entraram em contato com a direção e pediram uma reunião para falar sobre os problemas. No entanto, afirmam que foram mal tratados e que os alunos foram chamados de "burros". Em um dos encontros, ao qual a Revista Fórum teve acesso, o comandante interrompe diversas vezes as mães e minimiza as preocupações delas. Em um determinado momento, diz:
"Os alunos que são inteligentes, brilhantes, eles passam com pandemia, sem pandemia, passam... Os alunos medianos, eles precisam de um reforço. Os alunos que tem dificuldade precisam de mais reforço ainda... Aí são decisões familiares, cada um vai poder analisar o seu peso…".
As mães também alegam que há omissão da escola e coordenação pedagógica. "A sensação de isolamento gerada pela pandemia, a perda de familiares vivenciada por muitos deles, as pressões de estarem em processo de preparação para vestibulares já são problemas a serem administrados pelas famílias e, com isso, o que se esperava é que a escola apoiasse no processo. No entanto, pelo contrário, a escola tem se isentado de apresentar esse apoio", desabafam.
Com a palavra, o Colégio Militar de Manaus
A educação no Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é realizada em consonância com a legislação federal e em obediência às normas vigentes no Exército Brasileiro. Assim a Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabelece em seu art. 83 que o ensino militar é regulado em lei específica e refere-se a Lei nº 9.786, de 8 de fevereiro de 1999, a qual dispõe sobre o ensino no Exército Brasileiro e dá outras providências.
O CMM tem na Diretoria de Educação Preparatória e Assistencial (DEPA) o órgão de coordenação e orientação técnica para a condução das atividades de ensino-aprendizagem realizadas nos 14 Colégios Militares (CM), a qual vem agindo em relação à orientação, preparação e adequação de todos os Estabelecimento de Ensino Militares do Sistema.
Assim, na rotina administrativa e pedagógica, este Estabelecimento de Ensino aplica todo procedimento previsto em seu regramento próprio, ou seja, do atendimento aos pais/responsáveis dos alunos até a confecção da prova, por exemplo, há previsão procedimental.
Interessante registrar que as mudanças ocorridas nas avaliações são oriundas do “novo ensino médio”, elaborado pelo próprio Ministério da Educação (MEC), não tendo atingido o ensino fundamental.
Não seria demais recordar que o ano letivo de 2021 foi atingido pela pandemia que, sem dúvidas, repercutiu no rendimento escolar. Em Manaus, por exemplo, muitos colégios permaneceram fechados sendo que os efeitos adversos relatados na presente denúncia também foram sentidos pelo corpo docente e administrativo do CMM.
A presente reclamação refere-se ao difícil ano de 2021, onde a continuidade da pandemia gerou imensos desafios à educação, não somente no Colégio Militar de Manaus. Ainda assim, foi possível concluir o ano letivo com baixo índice de fracasso escolar e com resultados expressivos nos concursos e vestibulares, inclusive, com alunos recebendo diversas premiações nas olimpíadas de conhecimentos e a obtenção do prêmio de “referência nacional” na área da educação a distância.
Cumpre esclarecer que o SCMB existe desde 1889, com a criação do Colégio Militar do Rio de Janeiro, sempre aplicando sua doutrina prevista no projeto pedagógico, documento analisado por um capacitado corpo técnico e revisado regularmente.
Neste sentido, matricular no Colégio Militar constitui-se em uma escolha familiar, sendo, portanto, uma opção e não, uma obrigatoriedade.
* Por medo de represálias, foram mantidas somente as iniciais dos nomes das fontes.