TERRA INDÍGENA

VÍDEO: Cacica decide fazer greve de fome até Justiça decidir sobre posse de terra sagrada

De férias, judiciário gaúcho só deve retomar os trabalhos a partir de 6 de janeiro; disputa é por terreno considerado sagrado pelos indígenas

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Em coletiva de imprensa convocada para esta quarta (21), a cacica Gãh Té (Iracema, em português), da Comunidade Indígena Kaingang e Xokleng, anunciou que está em greve de fome até que a Justiça decida sobre a posse do terreno onde está instalada a aldeia Gãh Ré desde outubro deste ano, a chamada Retomada Kaingang. O terreno, localizado no Morro de Santana e considerado sagrado pelos indígenas, é alvo de disputa judicial entre a comunidade e a Maisonnave Companhia de Participações, que pretende construir um condomínio de luxo no local.

Iracema afirmou que "onde está o meu país é onde está o meu sagrado, é onde está enterrado o umbigo dos meus filhos". A fala diz respeito a uma tradição dos povos Kaingang e Xokleng, que enterram os umbigos de seus descendentes no topo do Morro de Santana. Ela ainda disse que seu país é "onde está raiz" dos seus tataravós, em alusão à relação ancestral de seu povo com o território. 

Funai

A aldeia aguarda a demarcação do Morro Santana como terra indígena desde 2008 pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Localizada em Porto Alegre (RS), a região tem registro de presença da etnia desde o século 19, tendo se estabelecido a aldeia Gãh Ré pelo menos desde a década de 1950, de acordo com nota técnica produzida por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

No último dia 15 a desembargadora Marga Inge Barth Tessler, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), negou recurso do Ministério Público Federal (MPF) e manteve a reintegração de posse do terreno em favor da companhia. O MPF pedia a suspensão de liminar proferida pela 9ª Vara Federal de Porto Alegre no dia 5 de dezembro, que deu prazo de 15 dias para que os indígenas desocupassem o imóvel, ou seja, o prazo se encerrou nesta terça (20) e há possibilidade da reintegração ser executada a qualquer momento. “A tradicionalidade da Retomada Gãh Rè é objeto de processo em andamento. Não há, ainda, qualquer título que legitime o apossamento da área pela Comunidade Indígena. Sequer a presente via é adequada para que se faça juízo sobre a conduta da parte autora ou da União em executá-la. O que se tem, até aqui, é a posse e propriedade demonstradas, assim como uma invasão sem qualquer respaldo além da invocação da ancestralidade, cujo processo ainda pende de definição”, escreveu a desembargadora.

MPF

A Procuradoria aponta a tradicionalidade da área, que é denominada Retomada Gãh Rè, a condição de miséria da comunidade, o atraso na análise pela Fundação Nacional do Índio (Funai) da reivindicação pela demarcação e o fato de o imóvel estar hipotecado como argumentos para a suspensão da medida. Em 1981 o terreno, que pertencia a uma construtora, foi hipotecado ao Banco Maisonnave, que posteriormente incorporou a empresa e passou a ter também a posse da área. A empresa, entretanto, integrou o “Grupo Maisonnave”, que foi liquidado extrajudicialmente após crimes contra o sistema financeiro nacional. Dessa forma, vários bens da família Maisonnave foram penhorados e há despachos de execução de dívida contra Roberto de Moraes Maisonnave e contra a companhia. Na nota técnica, há mais uma série de elementos que colocam em dúvida o exercício de posse anterior do terreno por parte da empresa. Entretanto, o terreno pertence formalmente à companhia, já que ainda não foi reivindicado pela União.

A cacica falou sobre os riscos para o meio ambiente se os indígenas forem retirados do local durante a entrevista coletiva. Ela avalia que o Morro do Santana irá "vir abaixo". "Este risco, até os vizinhos estão correndo", afirma a mulher. "Queremos espaço para viver, para plantar o que a gente consome. Só isso que eu peço da Justiça, como originários desse país", disse ainda Iracema.

Recesso

Diante da omissão da Funai e da decisão da Justiça Gaúcha, a comunidade indígena resiste por meio do ato corajoso de sua liderança. Iracema informou que iniciou uma greve de fome nesta terça (20) à noite "até decisão da justiça se meus netos vão ter direito de ficar aqui ou não. As coisas [são] sempre negadas para nós indígenas, originários dessa terra". Ela ainda informou que permanecerá em jejum até o retorno do judiciário, que entrou em recesso nesta terça (20) e só retorna ao trabalho no dia 06 de janeiro. "Se antes acontecer alguma coisa, vai estar nas mãos da Justiça", disparou a líder indígena.

Confira a íntegra da entrevista coletiva (que tem início aos 10m12s da transmissão):