Um caso insólito resultou nesta quarta-feira (20) na denúncia, por parte do Ministério Público de SP, de uma mulher negra que foi agredida por PMs durante uma ocorrência em maio de 2020, em Parelheiros, no extremo sul da capital paulista, na qual ela teve a perna quebrada por um chute, o pescoço pisado e foi arrastada pelo asfalto por um policial que atendia um chamado sobre um bar que funcionava ilegalmente no início da pandemia, violando as determinações sanitárias da época. Tudo foi gravado por moradores vizinhos do comércio.
A mulher, de 51 anos, que não teve a identidade revelada por razões de segurança, virou notícia em todo Brasil após imagens flagrarem a violência brutal a que foi submetida até depois de estar deitada no chão, enquanto outros agentes agrediam os frequentadores do bar e apontavam armas para quem estava no local. Até o governador João Doria (PSDB) se manifestou sobre o ocorrido à época, condenando a atitude dos policiais truculentos.
Tudo ocorreu apenas quatro dias depois do caso de George Floyd, um homem negro norte-americano morto por asfixia após um policial ajoelhar sobre seu pescoço na cidade de Mineápolis, em Minnesota, que revoltou o mundo e gerou graves distúrbios civis em todos os cantos dos EUA.
Agora, um ano e meio após as graves agressões, a promotora Flavia Lias Sgobi, encarregada do caso, ajuizou uma denúncia contra a vítima da violência policial na 2ª Vara Criminal do Foro Regional de Santo Amaro por quatro delitos: infração de medida sanitária preventiva, desacato, resistência e lesão corporal. Os PMs envolvidos na ocorrência respondem apenas na Justiça Militar e pelos crimes de lesão corporal, abuso de autoridade, falsidade ideológica e inobservância de regulamento.
Surpresa e estarrecimento
"Em acompanhamento processual, para minha surpresa e estarrecimento, recebi a notícia de que minha cliente foi denunciada pelos crimes de infração à medida sanitária preventiva, desacato, resistência e lesão corporal em face dos policiais militares que a agrediram, de forma brutal", afirmou o advogado Felipe Morandini, que defende a mulher negra.
"Mesmo após a notícia ter se espalhado o mundo, e causado revolta em todos, a mesma foi ignorada pelo membro do Ministério Público, que se baseou nas informações do Boletim de Ocorrência. Ignorou as imagens que foram noticiadas, e são de conhecimento público. Trabalharei incansavelmente pela defesa da comerciante, e principalmente, para que esta denúncia seja rejeitada pelo juízo. Não é (e não pode ser) possível que fatos notórios como estes sejam ignorados pelo órgão ministerial no momento de denunciar qualquer um que seja", indignou-se Morandini.