A decisão foi originada em um recurso das defesas de Elisandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da boate, e Marcelo Santos e Luciano Bonilha, integrantes da banda que tocava durante a festa. A tragédia vitimou 242 pessoas em janeiro de 2013.
O julgamento ocorreu nesta sexta-feira (1), no 1º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do RS, em Porto Alegre, com a presença dos familiares das vítimas. Oito desembargadores compõem o grupo. A votação ficou empatada, o que beneficia os réus, ao extinguir a votação do júri.
O relator do processo, desembargador Vitor Luís Barcelos, desclassificou a acusação de crime doloso. “Assumir o risco é algo mais do que ter consciência do risco. Mas consentir com o resultado que venha a ocorrer”, disse em seu voto. Outros três magistrados o acompanharam.
O assistente de acusação Pedro Barcelos Júnior pontuou que os proprietários aceitaram o risco de botar fogo na boate, risco esse que foi reforçado pela conduta dos músicos. “Botaram mais de 1 mil pessoas lá. A boate tinha limite de 700. Se os proprietários tivessem respeitado o limite, não morreria ninguém”, afirmou.
Por isso, ele defendeu que os réus devem ser julgados por crime com dolo. “E quem julga crimes dolosos, contra a vida, é a sociedade. Vamos deixar ela dar esse julgamento. Não vamos tirar do povo o direito de dar o seu parecer”, completou.
Já o procurador do Ministério Público, Silvio Munhoz, votou pela ocorrência de dolo. “Só o somatório desses autos configura culpa, ou dolo. A prática desses fatos naquele ambiente, naquela circunstância é realmente um absurdo, uma temeridade”, diz.
Advogado de Elisandro Spohr, Jarder Marques disse na sessão que todas as providências relacionadas à notificação dos bombeiros, em setembro de 2012, foram tomadas. Alegou ainda que o réu não tinha conhecimento do uso de fogos de artifício durante o show. Por fim, pontuou: “Há um sentimento de injustiça por [o réu] estar sendo tratado como o único a responder pela tragédia”, disse Jader. Segundo ele, os agentes públicos envolvidos na liberação do local também têm responsabilidade. Os réus respondem por 242 homicídios e 636 tentativas. Conforme informações do Tribunal de Justiça, em março deste ano a 1ª Câmara Criminal manteve a decisão de primeira instância que determinou que o caso seja levado ao júri. No entanto, como a decisão teve dois votos pela manutenção e um contrário ao julgamento, os réus entraram com um novo recurso. No entendimento da maioria dos magistrados, eles assumiram risco pelos seus atos. A tragédia ocorreu na madrugada de 27 de janeiro de 2013. O fogo teve início durante a apresentação da banda “Gurizada Fandangueira”, que fez uso de artefatos pirotécnicos no palco durante um show na festa universitária realizada naquela madrugada. As chamas no teto se alastraram rapidamente devido ao material inflamável usado como isolamento acústico, o que produziu fumaça preta e tóxica. A boate estava superlotada e não havia saída de emergência. Testemunhas relataram ainda que a Kiss não possuía sinalização interna e que o local ficou às escuras logo que o fogo começou, o que dificultou a saída do público e fez com que muitos frequentadores acabassem no banheiro, onde morreram asfixiados. Ainda em 2013, a Polícia Civil concluiu o inquérito com 16 indiciados e apontou mais responsáveis. Entre eles, os donos da boate Mauro Hoffmann e Elisandro Spohr e dois músicos da banda “Gurizada Fandangueira”, que tocava na noite do incêndio, Marcelo dos Santos e Luciano Leão. O juiz decidiu levá-los ao Tribunal do Júri. A defesa recorreu e, no julgamento do recurso, o Tribunal de Justiça manteve a classificação por dolo eventual, necessária para a pronúncia. Na mesma sessão, foram retirados os qualificadores do crime de homicídio. Quatro bombeiros foram julgados. Um foi absolvido, dois foram condenados pela Justiça Militar por descumprimento da lei de expedição de alvarás e o último foi condenado pela Justiça comum por fraude processual. Na área cível, duas ações individuais resultaram em decisões prevendo o pagamento de indenizações por parte do poder público. A primeira delas foi ajuizada por uma sobrevivente, que terá de ser indenizada pelo governo estadual e pela prefeitura, além dos sócios da boate, sendo que ainda cabe recurso ao STJ. A segunda determina que a prefeitura pague quase R$ 200 mil a familiares de uma vítima. Desde o incêndio, a Justiça já recebeu mais de 370 ações com pedidos de indenização familiares de vítimas e sobreviventes da tragédia. Do total, 250 ainda estão em andamento, e 20 processos já foram julgados, de acordo com a Vara Cível da Fazenda Pública. *Com informações do G1 Foto: Polícia Civil/Divulgação