Promotores querem que sejam suspensas quaisquer alterações na rede paulista antes de debates com a comunidade
O Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública do estado ingressaram hoje (3) com ação civil pública no Tribunal de Justiça de São Paulo pedindo liminar em caráter de urgência que suspenda o processo de reorganização da rede estadual de ensino, imposta pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB). A ação foi distribuída para a 5ª Vara da Fazenda Pública, sob a responsabilidade do Juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi.
Bedendi concedeu no início de novembro liminar ao estado para reintegração de posse de duas escolas na capital – Fernão Dias Paes, na zona oeste, e Salvador Allende, na zona leste. Após audiência de conciliação, o juiz revogou as liminares com base nos argumentos do MP, da Defensoria Pública e do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp) de que a reorganização não foi debatida com a sociedade. O magistrado pode acatar ou recusar o pedido, sem necessidade de ouvir o governo do estado. A expectativa é que em até 48h haja um posicionamento.
A ação civil, composta por 80 laudas, pede que a reorganização do ensino seja suspensa imediatamente em todo o estado e que o governo Alckmin se comprometa a abrir um amplo diálogo com a sociedade civil durante todo ano que vem, para formular um novo projeto para o ensino estadual, incluindo debates e audiências públicas com estudantes, pais, professores, pesquisadores e conselhos de educação. O processo exige também que não nenhuma escola seja fechada e que as matrículas para o ano que vem sejam autorizadas.
"Uma política pública que envolve mobilidade urbana, implica reorganização das rotinas de muitas famílias e que diz respeito, inclusive, aos afetos legítimos dos alunos com suas escolas, não pode ser implantada a partir de uma matriz burocrática autoritária", diz o texto.
O promotor João Paulo Fautinoni e as defensoras públicas Mara Renata da Motta Ferreira e Daniela Skromov entenderam que o processo de elaboração do projeto de reorganização não foi democrático, ocorreu à revelia de avaliações de especialistas das principais universidades do estado e desrespeitou a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A ação civil ressalta que não há garantias de que a separação dos alunos por ciclos – principal objetivo do projeto, segundo o governo do estado – melhore a qualidade da educação e que se há vagas ociosas na rede estadual, como alega a Secretaria de Educação, elas deverias ser usadas para reincluir jovens que abandonaram os estudos e para reduzir a superlotação nas salas de aula.
"Procuramos até o último momento dialogar com a Secretaria Estadual de Educação apontando pelo menos a necessidade de interromper esse processo em 2015 e começar um debate sério a partir de 2016. Para agravar a situação, domingo houve publicação de um áudio de uma reunião em que a mobilização dos alunos foi tratada como questão de guerra e consequentemente verificamos acirramento de conflito. Portando, depois de esgotar todas as vias de negociação, não houve outra alternativa que não fosse levar ao juiz o pedido de suspensão da reorganização", disse Faustinoni, do Grupo Especial de Educação do Ministério Público.
Na manhã de domingo (29), 40 dirigentes de ensino do estado se reuniram com o chefe de gabinete do secretário de Educação, Fernando Padula Novaes, e receberam instruções de como quebrar a resistência de alunos, professores e funcionários. Novaes repetiu inúmeras vezes que se trata de "uma guerra", que merece como resposta "ações de guerra" e que "vai brigar até o fim". O áudio foi publicado pelo coletivo Jornalistas Livres, e replicado por diversos sites e blogues, inclusive pela Rede Brasil Atual.
Desde segunda-feira (30), estudantes denunciam que investidas truculentas contra as ocupações têm sido intensificadas pela Polícia Militar e pelos chamados "provocadores", supostos pais e diretores que criam confusão nos prédios ocupados, para justificar a entrada da PM nas escolas. O governo de São Paulo publicou na terça-feira (2), o decreto que autoriza a transferência de professores para a implementação da reorganização escolar. O texto não é assinado nem sequer pelo secretário estadual de Educação, Herman Voorwald, e não menciona que as escolas serão fechadas, apesar de a própria Secretaria Estadual de Educação ter publicado, em 28 de outubro, a lista das escolas que serão "disponibilizadas", segundo palavras do órgão.
"Não foi possível sequer saber o que é esse projeto em seus detalhes. Isso ainda é algo oculto, o que causa espanto em pleno regime democrático e ainda mais com essa opção pelo recrudescimento das portas fechadas e da violência. Os jovens estão dando uma lição de cidadania, que nos transforma em alunos desses meninos", disse a defensora Daniela.
"O que os parece é que o eixo central é a questão da economia, mas em educação não se economiza porque não é um gasto, é um investimento", continuou. "O estado de São Paulo já economiza muito em educação. Segundo a Organização das Nações Unidas, o que recomendável é o investimento de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) e em São Paulo não chega a 4%. Então, muito espanto nos causa que após tantos anos de notório sucateamento da educação pública, quando uma reformulação é gestada, ela é feita de maneira apressada, com tônicas de redução e não de expansão."
A presidenta da Apeoesp, Maria Izabel de Azevedo Noronha, a Bebel, disse que espera que os juízes do TJ-SP mantenham esse entendimento e suspendam o processo. "Para que prevaleça a democracia e a participação da comunidade escolar e da sociedade nas definições sobre uma das principais políticas públicas, que é a educação", disse Bebel em nota da Apeoesp.
Durante a manhã, o secretário da Casa Civil do governo de São Paulo, Edson Aparecido, afirmou em entrevista ao SPTV que o governo vai propor uma audiência pública com estudantes e pais para debater a reorganização da rede estadual de ensino. Logo após a ação civil ter sido encaminhada ao Tribunal de Justiça, o governo de São Paulo emitiu uma nota em que afirma que "espera que o Ministério Público e a Defensoria participem junto com dirigentes de ensino, alunos e pais da audiência pública proposta".
"Sempre recebemos com boa vontade o convite para o diálogo, mas não basta com o Ministério Público e com a Defensoria. Ele tem que ser feito com os principais envolvidos, que são os alunos, os professores, os pais e os servidores", diz o promotor. "Convidamos a reflexão: como seria a postura da sociedade se fossem alunos de escolas particulares obrigados a deixar o colégio onde criaram vínculos para ir para outras escolas particulares?"
(Foto: Roberto Parizotti/Secom CUT)