Aldo Rebelo defende legados da Copa, mas teme elitização do futebol

Ministro teme elitização do futebol (Foto: Rede Brasil Atual)
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Em entrevista a blogueiros, ministro vê ganhos estruturais e econômicos, mas receia afastamento do povão dos estádios  Por Nicolau Soares, da Rede Brasil Atual [caption id="attachment_24468" align="alignleft" width="360"] Ministro teme elitização do futebol (Foto: Rede Brasil Atual)[/caption] O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, defende que o Estado tenha maior participação na gestão do futebol e de outros esportes. A declaração foi dada nesta segunda-feira (27), em entrevista coletiva concedida a um grupo de onze blogueiros que tratam de esportes. Segundo Rebelo, o Estado deve ter mais espaço de influência para “impor determinados limites para a proteção do interesse público e do interesse nacional. A não ser que alguém prove que não há interesse público nem nacional na prática do desporto. Eu acho que há, e muito, não só no futebol”, defendeu Rebelo. A afirmação veio em resposta sobre a relação entre o governo federal – que tem como representantes máximos na organização da Copa o próprio Rebelo e a presidenta Dilma Rousseff, ambos ex-participantes de organizações de luta contra a ditadura militar –, ao lado da CBF de José Maria Marin, ex-deputado pela Arena acusado de contribuir para o assassinato do jornalista Vladmir Herzog. A resposta, sem mencionar o nome de Marin, revela uma marca  entrevistado, afeito ao hábito de embutir mensagens indiretas em suas respostas. Rebelo minimizou as desavenças, dizendo que as relações entre governo, Fifa, Comitê Organizador Local (presidido por Marin) e os patrocinadores “têm sido muito boas”. Não negou que o diálogo é precário e que haja diferenças de ideias, “mas que não interferem na realização da Copa”. “Defendo que haja limitação de tempo e número de mandatos para dirigentes de entidades ligadas ao esporte. Se você tem número limitado de mandatos para presidente da República, prefeitos, governadores, por que não pode ter também para o presidente de uma federação?”, indagou o ministro. Ricardo Teixeira, antecessor de Marin e principal articulador da atual estrutura do futebol, passou 23 anos à frente da CBF. “Eu vejo entidades que têm dificuldades de prestar contas do dinheiro público. Não é porque vai tirar ou desviar dinheiro. É pela própria competência de prestar contas desse dinheiro. Se você profissionaliza, você valoriza as suas marcas”, continuou o ministro, em mais recados. Em outro momento da entrevista, falou da necessidade de mudanças no calendário, tema sensível para as federações e para os clubes. Segundo ele, é necessário uma temporada com mais jogos para os pequenos times do país, que sofrem por não ter o que disputar em dois terços do ano, e menos compromissos para os grandes, que disputam perto de 20 jogos a mais que os europeus e não conseguem internacionalizar suas marcas com excursões e pré-temporadas. Não disse, no entanto, o que o ministério efetivamente fará para contribuir com as mudanças – falou apenas em “mediar” o debate. Como político experimentado, Rebelo revela-se um entrevistado escorregadio. Auxiliado pelo formato do encontro, com cada blogueiro querendo aproveitar sua pergunta e não interferir demais na resposta que outros aguardam, desliza pelos assuntos com referência históricas e sociológicas interessantes, mas pouco práticas. Por exemplo, Aldo foi perguntado sobre o porquê da privatização/concessão do Maracanã, arrematado pelo Consórcio Maracanã SA, formado pela IMX, Odebrecht Participações e Investimentos e pela norte-americana AEG Administração de Estádios por R$ 181,5 milhões, não ocorrer antes da reconstrução do estádio, que custou mais de R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Aldo dá uma volta ao mundo em centenas de palavras para chegar no final e dizer: qual era a pergunta mesmo? Em linhas gerais, seu discurso valoriza o legado da Copa em termos de infraestrutura para as localidades e das novas oportunidades de negócios que ela pode proporcionar, inclusive o para o futebol como modalidade de negócio, mas revela preocupação com o legado esportivo do evento, temendo a elitização e o distanciamento do povão do esporte que só se consagrou no país graças à paixão que despertou nas massas desde o início do século 20. “A Copa pode melhorar a estrutura do futebol brasileiro e elevar a renda dos clubes pela qualificação da gestão, ou pode também elitizar o futebol, transformá-lo numa "ópera", de ricos e da classe média, que vão ali como uma diversão e não porque têm paixão pelo futebol, o que seria lamentável. E também não daria um bom destino para o futebol. O futebol só se transformou no que é porque foi abraçado pelo povo”, afirma o ministro. Leia a seguir os principais trechos da entrevista: Por que essa insistência em fazer a Copa com 12 sedes? Menos sedes não seria mais vantajoso? Poderia ser mais vantajoso fazer só em São Paulo. Se pegarmos Itaquera, o Palestra, o Morumbi, Ribeirão Preto, Prudente, São José do Rio Preto e outros estádios, faríamos provavelmente uma Copa melhor que a da Espanha em 1982. No entanto, temos um país com toda sua diversidade geográfica, somos um continente, com metrópoles espalhadas de norte a sul. Uma no coração da selva, outra no coração do Pantanal, outra no extremo Sul, e o Nordeste cheio delas. Se queremos uma Copa do Mundo no país, vamos fazer em todo o Brasil. Não é difícil fazer Copa em Manaus ou Cuiabá, difícil foi fundar e construir as duas cidades. Para fazer o forte na boca do Rio Negro, as pedras tiveram que ser transportadas de Portugal, lá por 1600. Difícil foi a jornada do Raposo Tavares, que saiu de São Paulo e percorreu esse roteiro todo em dez anos, passando inclusive por Manaus. Esse era o desafio nosso e estamos fazendo. Desafio vai ser transformar esses estádios, que não costumam receber jogos oficiais, em estádios cheios. Brasília, por exemplo, não costuma ter grandes públicos. Como fazer para eles serem rentáveis depois da Copa? Nesse sentido, é bom lembrar que Brasília nem existia, foi fundada nos anos 1960. Se vamos construir um estádio na capital do país, ele tem de ser compatível com sua vocação, sua trajetória, e acho que o estádio é isso. Não creio que tenha vocação para elefante branco. Ele vai ter todos os jogos importantes? Provavelmente não. Wembley (em Londres) é um estádio com esse conceito, um monumento ao futebol no qual acontecem oito, dez jogos por ano. Vive mais de eventos, casamentos, museus, restaurantes, bares, visitação. O estádio de Brasília, o de Manaus, o de Cuiabá ou do Rio Grande do Norte serão estádios, terão jogos, e também eventos. Em Natal a empresa que constrói já está vendendo os espaços internos pelo melhor preço da cidade. É um espaço como tem hoje no Morumbi. Estive lá outro dia e o Juvenal Juvêncio (presidente do São Paulo FC) me disse que arrecadam R$ 50 milhões por ano em venda e aluguel de espaços para academias, bancos, lojas. Isso vai acontecer no país inteiro. O de Fortaleza já é a sede da Secretaria Estadual de Esportes e da Diretoria de Engenharia e Arquitetura do Estado. Tem auditórios, eventos e todos eles vão funcionar mais ou menos desse jeito. Lamentavelmente a questão do público no Brasil não é só desses estádios. Veja o público dos jogos do Campeonato Paulista, do Carioca, do Gaúcho. Não se pode falar só dos campeonato menores. Vi jogo do Fluminense no estadual com menos de mil pessoas. Mais da metade dos clubes do Rio Grande do Sul tiveram menos de mil pessoas nos jogos. Então, esse é um problema de todo o Brasil e deve ser enfrentado assim. Por que não privatizaram o Maracanã antes da reforma? Além disso, as pessoas que tinham camarotes perderam o direito a eles. Isso vai acontecer em outros lugares? Eu não conheço cada uma dessas realidades estado por estado. Sei que há estado em que o estádio é privado: o do Corinthians, do Atlético-PR, do Inter. Alguns são novos. Outros, reformas. Nesses casos, o governo emprestou dinheiro do BNDES para a reforma ou construção, para o consórcio ou empresa, não para os clubes, o que é proibido. Cobrando todas as garantias que são exigidas de qualquer tomador do BNDES, sem diferença. E num volume muito menor do que os empréstimos que o BNDES faz para outros setores, como telefonia. Em Pernambuco, o estado cedeu uma área para uma empresa em São Lourenço da Mata, cidade da Grande Recife. Será construído, além do estádio, uma universidade, um shopping, um conjunto habitacional. Acho que são 200 hectares de área, e parte será uma reserva ambiental. Nessa cidade da Copa, várias atividades e serviços serão integrados e o estádio é um deles. Uma rodovia duplicada que já está pronta, um serviço de metrô que está chegando até o estádio. Em São Paulo, a zona leste tem o mais baixo IDH da cidade. A ida do estádio para lá iniciou um processo de transformação. Então, é uma coisa muito boa para a cidade e para a Zona Leste. E agora? Esqueci da pergunta (risos)... Sobre a privatização do Maracanã. Primeiro, quando você faz com dinheiro público, é criticado porque gastou dinheiro público. Se faz concessão, é criticado porque foi privatizado. É preciso saber o seguinte: o governo do estado vai ser remunerado? A concessão remunera o poder público? Porque elas estão sendo feitas em outros equipamentos, como aeroportos. O de Guarulhos foi concedido recentemente, todo ele construído com dinheiro público. Ou seja, às vezes o setor privado não está disposto a construir, só a fazer a concessão. O primeiro Maracanã foi construído também dessa forma. Tem que ver se na concessão há remuneração e em quanto tempo esse investimento vai ser amortizado. Em 2007, quando o Brasil foi escolhido sede da Copa, os políticos presentes no dia comemoraram porque havia sete anos para planejar, escolher cidades, construir estádios. Estamos próximos, da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, e há muitos atrasos. Temos no Brasil uma burocracia muito forte, bem assentada, que envolve órgãos de controle do Executivo, a Controladoria Geral da União (CGU), o Tribunal e Contas da União (TCU); o Ministério Público, o federal e os dos estados; as Defensorias Públicas; órgãos ambientais; o Iphan. Isso cria um coeficiente de atrito, de deslocamento em todas as decisões relacionadas a um empreendimento dessa natureza. Todo planejamento já deveria levar em conta todas essas circunstâncias, mas é imponderável, você não sabe se sua obra vai ser paralisada por licença ambiental, por ação do MP ou por uma greve. Mas tenho segurança de que as obras serão concluídas dentro do prazo e nenhum atraso comprometerá a realização das Copas. E que futebol brasileiro teremos no pós-Copa? Vai haver um processo como na Inglaterra, só para a classe média e daí para cima? O povo vai ser impedido de ver futebol? Essa é uma batalha, não está decidido não. Há um processo econômico... Por exemplo, uma arrecadação de R$ 7 milhões no jogo entre Santos e Flamengo, no Mané Garrincha em Brasília, é maravilhosa, mas um ingresso médio a R$ 150 não é um preço aceitável. Principalmente para quem apoia e tem mais paixão pelo futebol, sinceramente não. Alguns defendem que haja uma elitização econômica e social, e justificam ideologicamente afastar o povo e os pobres dos estádios. Eu acho que é uma batalha, não está definido. A Copa pode melhorar a estrutura do futebol brasileiro, elevar a renda dos clubes pela qualificação da gestão ou pode também elitizar o futebol, transformá-lo numa ópera, de ricos e da classe média, que vão ali como uma diversão e não porque tem paixão pelo futebol, o que seria lamentável. O futebol só se transformou no que é porque foi abraçado pelo povo, embota tenha chegado pelas mãos das elites. O futebol foi uma plataforma de inclusão dos pobres. A primeira celebridade pobre e negra no Brasil foi do futebol. Como um menino como o Friedenreich (filho de um comerciante alemão e uma lavadeira negra) poderia ascender, ser reconhecido e querido se não fosse pelo futebol? Ou o Fausto, que foi para a Copa do Mundo no Uruguai (1930) e voltou celebrado como a “maravilha negra”. O futebol foi uma espécie de idealização da oportunidade. Aquilo que a educação não permitia, porque era muito restrita a uma parcela da população, o futebol de certa forma ofereceu. Todas as instituições na nossa sociedade que permaneceram e ganharam força foram criadas ou pelo mercado, ou pelo Estado. Corinthians, Palmeiras, Vasco, Flamengo não foram criados pelo Estado nem pelo mercado, mas pela sociedade. Sobre o mercado, as imposições do organizador não acabam barrando as manifestações culturais? Eu defendo que voltem, mas a questão é a seguinte: pressionada pelo Ministério Público, a própria CBF fez concessões nesse sentido. Como o evento é da CBF, ela pode dizer o que permite e o que não permite. É como se fosse uma festa organizada por um ente privado. Aqui em São Paulo ficou uma discussão: pode entrar bandeira ou não? E venda de cerveja? Ou seja, todo mundo pode beber cerveja em casa, com a família, na frente dos filhos. No estádio quiseram proibir. A prova de que essa questão não tem muita relação com a violência é que a violência vai sendo cada vez mais praticada distante dos estádios. Os grupos se encontram para brigar, para se matar, longe dos estádios. E se preparam tanto para a briga que não é problema do álcool. Eles priorizam a briga mesmo. Voltando à questão das sedes fora dos grandes centros, estima-se que eles serão mantidas depois pelos eventos. E se não houver evento o suficiente para dar conta do custo da manutenção? Vai ter concessão para todos, o governo federal entrar com dinheiro público para manter os estádios em pé? O esforço de construir infraestrutura esportiva do futebol não é só por causa da Copa. O Brasil precisava fazer isso, independente da Copa do Mundo. O Brasil é o país do mundo que tem o maior artilheiros de todas as Copas, que tem os maiores astros de Copas. E esse país que tem toda essa presença no futebol tem apenas 2% do “PIB” mundial do futebol. Ingleses têm 30%, os alemães, um pouco mais de 20%, os espanhóis, 18%, os italianos, uns 16%, e nós lá embaixo. O maior clube de massas do Brasil não tem um estádio próprio. Qualquer time de segunda ou terceira categoria da Espanha, Alemanha ou da Itália tem o seu estádio. E o Flamengo não tem. O Corinthians não tem, vai ter agora. Então, precisava criar essa infraestrutura, melhorar o nosso desempenho. O país, no entanto, é muito desigual. Alguém se queixa: “Por que na Amazônia, no Centro-Oeste, no Nordeste?” Mas a desigualdade não é só do futebol. Se você for para a Amazônia, você sai de uma cidade da sede do município e anda centenas de quilômetros dentro do mesmo município. E você não pode ir nem de carro, só de avião ou de barco. Essa é a desigualdade do Brasil. Isso é garantia de que vai haver essas obras de infraestrutura nesses lugares? Para licenciar uma rodovia no Norte do país, é uma dificuldade muito grande. Mas lá, nessas capitais e metrópoles, existe uma economia capaz de sustentar um estádio. Em cidades como Natal, em torno de 1 milhão de habitantes, você tem atividade suficiente para preencher um espaço como a Areia das Dunas. Em Manaus, você tem essa possibilidade. Porque não é só um campo de futebol. O Vivaldo Lima era um campo grande, lá teve jogos da Seleção Brasileira, mas a Arena Amazônia tem a possibilidade de uma gama de serviços e de atividades que os antigos estádios não tinham. O presidente da CBF, José Maria Marin, tem um histórico de conexão à ditadura... A CBF, os órgãos que regulam o esporte no Brasil foram criados pelo Getúlio Vargas. Antes era tudo privado, o Estado não se metia. As maiores ligas do país, de São Paulo e Minas, não se entendiam. Quando a liga do Rio convocava a seleção, como em 1930, São Paulo não mandava ninguém. E vice-versa. Então, não tinha nenhuma seleção brasileira. Acho que só em 1919, quando o Brasil ganhou o primeiro sul-americano, houve um entendimento. Depois o Getúlio criou uma estrutura estatal para tratar do desporto. Quando acabou o regime militar, as pessoas passaram a acusar que era entulho autoritário, porque o regime militar interferia no futebol, nomeava almirante, brigadeiro, e disseram que tinha de acabar com essa interferência. Só que essa interferência dos militares não seria a mesma da democracia. Quando você tirou o Estado, na democracia, deixou o futebol como uma coisa absolutamente privada, as federações estaduais e os clubes decidem tudo. E defendo que o Estado tenha uma capacidade de intermediação desses interesses, de impor determinados limites, para a proteção do interesse público e do interesse nacional. A não ser que alguém prove que não há interesse público nem nacional na prática do desporto. Como eu acho que há e muito, não só no futebol. O diálogo entre o ministério e o Comitê Organizador Local é precário? Isso não está atrapalhando nada. A cooperação entre governo, Fifa, Comitê Organizador Local e os patrocinadores tem sido muito boa. Nós temos um representante do governo no Comitê Organizador Local. Só de cooperação, muitas coisas para a Copa que dependem do governo. Aeroporto, vigilância sanitária. concessão de visto de trabalho, segurança pública, telecomunicações. Nós participamos, não há nenhum desentendimento nesse aspecto. O que há são diferenças de ideias que não interferem na realização da Copa. Defendo que haja limitação de tempo de mandato e de número de entidades ligadas ao esporte. Defendo. Acho que se você limita os mandatos para presidente, prefeitos, governadores, por que não pode ter também para o presidente de uma federação? Muitos clubes se queixam que jogam demais (20 partidas a mais do que a média europeia). Outros reclamam que jogam de menos (três meses e passam seis sem ter como pagar um jogador, inclusive os que ganham menos). O mundo do futebol profissional no Brasil é o mundo de baixa remuneração e de grandes dificuldades. Para um jovem que joga futebol, ter salário o ano inteiro para comprar leite, pagar aluguel e sustentar uma família, é muito difícil. As pessoas conhecem essa realidade aqui. Cobrem Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Santos e acha que esse é o mundo do futebol. Nunca chegou na porta de uma prefeitura, como eu cheguei, no interior do Brasil, onde estão jogadores com crianças no colo. Aí chega o técnico, que é outro jovem, e pergunta: “Deputado, o senhor vai falar com o prefeito?” Aí eu digo: “Já sei, a prefeitura não está pagando, atrasou o salário”. E eles: “Não, deputado, atrasou o almoço. Não almoçamos até agora”. Essa é a realidade de mais de 90% do futebol. Então eu digo, tem que ter um calendário maior para esse futebol e tem que ter calendário menor para o outro, que tem que jogar Libertadores, Paulista, Brasileiro, Copa do Brasil. Tem que ter equilíbrio entre isso.