CYNARA MENEZES
Imagine uma realidade onde Riquinho e Tio Patinhas governassem os Estados Unidos. Pois é exatamente o que está acontecendo: Donald Trump encheu seu primeiro escalão de bilionários. São pelo menos 17 até agora, encabeçados por Elon Musk, o dono da Tesla e do X, efetivando o que está sendo chamado de "o gabinete mais rico da história". Para quem você acha que eles irão governar?
Cada vez fica mais claro que a real ideologia por trás da extrema direita que cresce no mundo todo se resume à manutenção de privilégios. É disso que se trata a segunda administração Trump, manter e ampliar privilégios de quem já os possui. Toda essa história de "fazer a América grande de novo" é balela diversionista que, lá como aqui, ilude os chamados pobres de direita.
Existe uma crença generalizada de que é positivo eleger ricos porque os ricos, como já são ricos, não irão roubar. Quanta ingenuidade! Como se todo rico não quisesse ser cada vez mais rico (e se, para isso, for preciso roubar, que seja). O próprio conceito de "roubar" é relativo: por acaso manter os ricos pagando menos impostos, sem qualquer retorno à sociedade, não é roubo? Dar aos ricos subsídios, empréstimos governamentais, vantagens competitivas, criar monopólios não é roubo?
Durante o governo Joe Biden, houve um incentivo à criação de sindicatos contra as grandes corporações. Pela primeira vez, a Amazon enfrentou grupos organizados de trabalhadores contra a precarização das atividades laborais na empresa, onde empregados eram obrigados até a urinar em garrafas para não interromper as entregas. O mesmo ocorreu com a Starbucks. Biden chegou a participar de um piquete de trabalhadores da indústria automotiva. Vocês acham que Elon Musk gostou disso?
Os bilionários resolveram criar uma "biliocracia" a partir dos EUA e expandi-la para outros países. Musk, que gastou 1,5 bilhão de reais para eleger Trump, está se imiscuindo em todas as eleições do planeta. Seu alvo agora é a Alemanha, onde pretende levar ao poder a extremista de direita Alice Weidel, da AfD, partido que está sendo investigado por suas conexões com o neonazismo.
Tanto Musk quanto Peter Thiel, outro bilionário apoiador de Trump, têm o apartheid sul-africano em seu DNA. Ambos herdaram sua fortuna de pais cujos negócios foram facilitados pelo regime racista que levou Nelson Mandela à prisão. O pai de Musk ficou rico espoliando diamantes, enquanto o pai de Thiel, criador do PayPal, fez fortuna explorando urânio, também sob as bênçãos do apartheid. Não é possível imaginar que com um background destes eles fossem a favor do empoderamento negro...
Se formos olhar direitinho, toda a agenda progressista mundial bate de frente com os interesses dos bilionários: a agenda ambiental contra o aquecimento global, a agenda trabalhista contra a precarização, a agenda contra a desigualdade e pela redistribuição da riqueza, a agenda contra a fome e a pobreza, a agenda pela taxação dos super-ricos... Como não seria producente falar abertamente isso, eles abraçaram uma pauta que rende mais adeptos, a pauta anti-identitária, chamada nos EUA de "woke".
Trump e seus bilionários estão inaugurando a era do "capitalismo de costumes", uma empulhação que utiliza a retórica conservadora para engajar nas redes sociais. Bolsonaro foi pioneiro nisso. Mas o interesse por trás desse conservadorismo de fachada é governar em nome do 1% que detém 2/3 da riqueza do planeta
Esta estratégia consiste em explorar o medo que as pessoas têm de que seus filhos se tornem transexuais ou de que os negros e as mulheres ocupem mais espaços de poder, ameaçando o domínio dos homens brancos heterossexuais –tudo gira em torno da manutenção de privilégios, fiquem atentos. Não é à toa que Mark Zuckerberg rapidamente se uniu a Trump e a primeira coisa que fez foi acabar com as políticas de diversidade no instagram e facebook. Sua nova determinação de não parar de checar fake news permite inclusive rotular LGBTs de "doentes mentais".
Para agradar essa parcela medrosa da população, Donald Trump já prometeu combater a transexualidade no país, assim como fez Adolf Hitler na Alemanha nazista. "Assinarei ordens executivas para acabar com a mutilação sexual infantil e tirar os transgêneros do Exército e das nossas escolas dos ensinos fundamental e médio", declarou o presidente eleito ao participar do AmericaFest, evento ultraconservador. Ele declarou ainda que irá "manter os homens fora dos esportes femininos".
Elon Musk tem uma filha transexual, que considera "morta". Nascida Xavier, a jovem de 20 anos fez cirurgia de redesignação de gênero em 2022 e passou a se chamar Vivian Jenna Wilson. Vivian abriu mão do sobrenome e da fortuna do pai. "Meu filho, Xavier, está morto. Morto pelo vírus da mente 'woke'", disse Musk em julho. Qualquer semelhança com a frase "prefiro um filho morto a homossexual" de Bolsonaro não é mera coincidência.
Trump e seus bilionários estão inaugurando a era do "capitalismo de costumes", uma empulhação que utiliza a retórica conservadora para engajar nas redes sociais e angariar seguidores. De certa forma, Bolsonaro foi pioneiro nisso. Mas o interesse por trás desse conservadorismo de fachada (Peter Thiel, por exemplo, é gay; Musk tem 12 filhos com 3 mulheres diferentes) é ampliar a desigualdade no mundo, governar em nome do 1% que detém 2/3 da riqueza do planeta.
Os donos da bola decidiram assumir que querem ser os donos do mundo, ditar as regras nos governos e garantir que continuarão aquinhoados com a maior fatia do bolo. Quem será capaz de detê-los? Ninguém sabe. Tempos sinistros estes.