PIU GOMES
No cerrado, os povos originários viviam em harmonia com a natureza até a chegada do homem branco, que trouxe com ele a gripe. Para sobreviver, o êxodo os leva à terra das palmeiras e do buriti. Eles a batizam como uiraçu, que significa gavião gigante. Asim começa o livro infantil Uiraçu – em busca das lendas perdidas, uma ótima pedida para os pequenos começarem a se conscientizar de problemas que afligem o planeta, e cuja solução certamente passará por eles quando adultos. Mas tudo de maneira lúdica e agradável.
O livro Uiraçu é uma ótima pedida para os pequenos começarem, de maneira lúdica e agradável, a se conscientizar de problemas que afligem o planeta, e cuja solução certamente passará por eles quando adultos
Cauê é um curumim que contraria o pajé e adota um filhote de gavião no seu novo lar. Um dia, quando um pássaro gigante cujo canto parecia um trovão surge no céu, o pajé muda de ideia e resolve dar uma poção mágica para que o gavião Uiraçu faça jus ao nome e cresça bem forte e se torne o protetor da comunidade. O papagaio Juru também é adotado por Cauê e se torna o elo de comunicação entre eles: como nunca disseram a ele que era bicho, cresceu achando que é gente e aprendeu nossa língua sem esquecer a dos pássaros.
O tal pássaro gigante se revela um avião, do qual desce um casal de antropólogos e sua filha, Ceci. Eles são apresentados por um pescador amigo aos indígenas, que expõe suas intenções: conhecer e conversar com o povo de Cauê. O intercâmbio já existia entre povos originários e ribeirinhos, pois o pescador muito havia aprendido na aldeia e também ensinado, chegando até a doar uma tv, pela qual a comunidade começa sua relação com a língua portuguesa. A palavra final sobre colaborar com o casal vem da anciã Jupira, que diz ter sonhado com a visita de uma cunhatã branca que muito ajudaria seu povo.
A partir daí, Cauê e Ceci vão descobrir juntos, de maneira divertida, as diferenças culturais entre seus povos, e também os problemas que elas trazem. A perda das tradições é simbolizada pela Voçoroca, um monstro criado pelos brancos que destrói tudo ao derrubar a floresta e é ilustrado como uma cidade. Para Ceci, isso é a erosão, e ela toma consciência das consequências trágicas trazidas pela ambição civilizatória, como a agropecuária invasiva. Entre outras indagações, surge a questão racial, já que seu pai é negro, ou mulato, como ouvira dizer; sua mãe é branca e ela, é o quê, morena, preta ou mestiça? “Mas usa roupa de branco”, aponta Cauê. Muitas perguntas sem resposta para a cunhatã.
Cauê decide levá-la à caverna onde o pajé guardou as histórias de seu povo num cesto de lendas, deixando-as sob a proteção de Anhanguá, o protetor das matas e dos bichos. Nesse ponto, se junta ao grupo Tião, o filho do pescador, amigo do curumim, que parece o Saci: não tem uma perna mas caminha muito rápido usando sua muleta. É a deixa para Ceci se lembrar sobre os ensinamentos da mãe sobre preconceito e bullying: “Diferenças nunca podem ser tratadas com indiferença, mas não devem ser motivo para rebaixar ou constranger ninguém”.
Agora, a aventura se inicia. Eles entram na caverna e encontram Anhanguá, que depois de ter certeza que todos são amigos da natureza, surge na forma de um gigante veado branco e os leva a um lugar idílico, onde está guardado o “tesouro”, o que é mais um pretexto para debater assuntos relevantes: a cobiça do branco pelo ouro, traduzida na atuação dos bandeirantes e do garimpo ilegal de nossos dias. A conclusão é que o ouro verdadeiro são as tradições e lendas, que têm cheiro de coisa boa e antiga.
Eis que surge a terrível Voçoroca, em busca do cesto das lendas para transformar tudo em um grande buraco onde só ela poderia reinar! Com a ajuda de Uiraçu, as crianças se salvam, mas para resgatar o cesto precisam das sementes mágicas levadas por Cauê e do mais importante de tudo: de união. Quando todos os povos se juntam, ficam mais fortes. Como alerta Ceci, “qualquer ajuda, mesmo pequena, pode fazer a diferença”.
Uiraçu foi concebido inicialmente como uma série audiovisual de animação e os autores entraram em um edital público, passando por todas as etapas necessárias, mas a voçoroca cultural do desgoverno anterior nunca liberou os recursos.
Uiraçu foi concebido inicialmente como uma série audiovisual de animação e os autores entraram em um edital público, passando por todas as etapas necessárias, mas a voçoroca cultural do desgoverno anterior nunca liberou os recursos. Os percalços levaram Beto Seabra, escritor e jornalista, e o cineasta Zelito Passos a adaptarem o roteiro original e aproveitar o storyboard de Cacá Soares em um livro voltado para o público de 08 a 12 anos, mas que atinge um espectro maior, devido ao texto que aborda assuntos sérios de maneira leve, e às ilustrações, de traço divertido e cores vibrantes.
O projeto independente teve auxílio técnico e obteve os registros necessários através da Ninho de Palavra, editora brasiliense, mas as vendas estão sendo feitas diretamente pelos autores, como mostra o hiperlink abaixo. Para as famílias que pensam no futuro do planeta, a dica é levar os filhotes nas asas do gavião gigante.
Uiraçu - em busca das lendas perdidas
AUTORES: Beto Seabra, Zelito Passos e Cacá Soares
EDITORA: Ninho da palavra, 84 págs., R$50,00 (vendas pelo e-mail betoseabra2010@gmail.com)
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