Senadora eleita pelo Distrito Federal, a ex-ministra Damares Alves usou uma lenda doentia da deep web (área escondida da rede) para assombrar evangélicos no último domingo na Igreja Assembleia de Deus Ministério Fama, em Goiânia. Ela contou, diante de menores de idade na plateia, que teria "descoberto" que crianças de 3 e 4 anos da ilha de Marajó (PA) têm seus dentes arrancados para a prática de sexo oral e que são alimentadas com comida pastosa para a prática de sexo anal.
Damares não apresentou nenhuma evidência do que falava nem contou ter tomado alguma providência para punir os responsáveis, o que seria sua obrigação como ministra de Estado. Ela também contou ter "descoberto" que "nos últimos sete anos explodiu o número de estupros de recém-nascidos, nós temos imagens, lá no ministério, de crianças de oito dias sendo estupradas. Nós descobrimos que um vídeo de estupro de crianças custa entre 50 mil e 100 mil reais.”
O Ministério Público Federal no Pará pediu explicações à ex-ministra de Bolsonaro, solicitando à atual secretária-executiva da pasta que "apresente os supostos casos descobertos pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, indicando todos os detalhes que a pasta possua, para que sejam tomadas as providências cabíveis". O MPF também pediu que o ministério "informe quais providências tomou ao descobrir os casos e se houve representação (denúncia) ao Ministério Público ou à Polícia".
Já o grupo jurídico Prerrogativas pediu ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público pediu ao Supremo Tribunal Federal e ao Ministério Público que a ex-ministra seja investigada por suas declarações. Os advogados do grupo dizem que Damares e Bolsonaro –citado por ela como tendo sido notificado das supostas "descobertas"–, devem ser convocados a explicar quais medidas foram tomadas "para a apuração de tamanhas atrocidades" e, em caso contrário, poderão ser ambos acusados de prevaricação.
O Prerrogativas também fala da hipótese de Damares ter mentido para "alimentar o discurso de ódio e tumultuar o processo eleitoral". De fato, o vídeo foi compartilhado pelo senador Flávio Bolsonaro e está sendo disseminado por outros apoiadores do presidente para tentar associar Lula e a esquerda a essas barbaridades.
Acontece que Damares não vai apresentar prova alguma do que fala simplesmente porque é mentira. A ex-ministra e senadora eleita tirou as supostas "descobertas" de um mito que circula há anos nos fóruns anônimos mais sórdidos da internet, as "Lolita Slave Toys". A história contada pela ex-ministra coincide em tudo com a lenda: um cirurgião do Leste Europeu "adquire" meninas de 9 a 10 anos, rejeitadas para adoção, e as transforma em escravas sexuais. Um dos procedimentos é "remover os dentes" para que seja "capaz de fazer boquetes", mas "não poderá mais morder seu pau".
Olhem o que disse Damares na igreja, repito, diante de crianças pequenas: "Temos imagens de crianças de 4 anos, 3 anos que, quando cruzam as fronteiras, tem seus dentes arrancados para não morderem na hora do sexo oral".
A lenda também fala que, como as "bonecas humanas" tiveram seus dentes arrancados, só podem comer papinha: "Como ela não possui mais dentes, não pode mastigar. Tem que ser alimentada como um bebê". Agora compare com o que contou Damares: "Nós descobrimos que essas crianças comem comida pastosa para o intestino ficar livre para a hora do sexo anal". Detalhe: a lenda não menciona o sexo anal, esta parte é criação da própria Damares.
O MPF e o grupo Prerrogativas pediram investigação. Cabe ainda às entidades de defesa da infância se pronunciarem sobre uma senadora eleita que, sob a desculpa de “protegê-las”, conta mentiras obscenas diante de crianças pequenas, destruindo sua inocência
Não é a primeira vez que a senadora eleita desfia seu catálogo de perversões sexuais para atacar adversários. Resta saber se o ministro Alexandre de Moraes vai cumprir a promessa feita em junho de cassar o registro de políticos que espalharem fake news. "A posição do Tribunal Superior é muito clara, já foi dada em dois casos importantes, e será aplicada nestas eleições. Quem se utilizar de fake news, quem falar de fraude nas urnas terá seu registro cassado, independentemente de candidato a qual cargo for”, disse Moraes.
Cabe ainda às entidades de defesa da infância se pronunciarem sobre uma senadora eleita que, sob a desculpa de "proteger as crianças", conta mentiras obscenas diante de crianças pequenas, ela sim destruindo sua inocência.