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The White Lotus, série da HBO vencedora do Emmy retrata racismo colonial dos EUA com o Havaí

A partir de uma trama inicialmente banal, a produção aborda como o Havaí foi transformado em um grande resort para as classes ricas

The White Lotus, série da HBO vencedora do Emmy retrata racismo colonial dos EUA com o Havaí.Créditos: Divulgação
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Uma das principais pesquisas sobre o Havaí no Google é: “quem nasce no Havaí é americano?”. A resposta é negativa, pois, apesar do Havaí ser parte dos Estados Unidos, quem nasce no arquipélago não é americano, mas havaiano. 

Em 1898, tropas americanas invadiram o Havaí e depuseram a rainha Liliuokalani. Desde 1900 que o arquipélago foi considera um território dos Estados Unidos. 

Pois bem, esse não-lugar do Havaí frente aos Estados Unidos é o fio que vai conduzir uma série de subtramas da minissérie The White Lotus (HBO), a grande vencedora da 74ª edição do Emmy, que aconteceu na noite desta segunda-feira (12), que levou para casa os prêmios de Melhor minissérie, Antologia ou Filme Para TV; Roteiro e direção para Mike White; ator coadjuvante para Murray Bartlett, e atriz coadjuvante para Jennifer Coolidge. 

De maneira geral, The White Lotus, a partir de histórias banais e clichês de gente rica, apresenta uma série de camadas que nos levam a debates como masculinidades em crise, questões de classe e, principalmente, a maneira como os havaianos se sentem ao verem o seu país, depois de centenas de anos de colonização, ser transformado em um grande resort para pessoas ricas do mundo inteiro, mas principalmente dos EUA. 

O roteiro de The White Lotus também está preocupado em discutir a questão das novas formas de colonização e como culturas originárias são transformadas em objetos de consumos para pessoas que acham o colonialismo uma questão horrorosa, mas não compreendem que, o fato de o Havaí ter sido transformado em um parque de diversões para classes ricas, nada mais é do que a continuação da política colonial iniciada pelos europeus e mantida pelos EUA. 

 

 

Um grande resort para os ricos 

 

Nos primeiros momentos da série The White Lotus acompanhamos algumas famílias brancas e ricas a caminho de um resort de luxo localizado no Havaí. Trata-se do Four Seasons Resort Maui at Wailea, que tem cinco estrelas e diárias de até US$ 9 mil. 

Sem muita pressa, o roteiro escrito por Mike White, que recebeu a premiação de Melhor roteiro em série limitada para TV, nos ambienta com os personagens que estão divididos em subtramas que se desenvolvem simultaneamente. Tudo acontece ao mesmo dentro do resort. 

Dessa maneira, acompanhamos as seguintes histórias: temos o núcleo composto por Mark (Steve Zahn), Nicole (Connie Britton) e seus filhos Olivia (Sydney Sweeney) e Quinn (Fred Hechinger) e Paula (Brittany O'Grady), amiga de Nicole que acompanha a abastada família que passa por uma crise existencial e espera resolver os seus problemas “no contato com a natureza e os povos originários”. 

Em seguida, temos os recém-casados Rachel (Alexandra Daddario) e Shane (Jake Lacy). E para fechar a lista de visitantes ao resort, temos a socialite alcoólatra Tanya, interpretada de forma magistral por Jennifer Coolidge, premiada com a categoria de Atriz coadjuvante para Minissérie em drama. 

No campo dos trabalhadores do resort, somos recepcionados pelo gerente Armond (Murray Bartlett), a massagista Belinda (Natasha Rothwell) e o galã Kai (Kekoa Kekumano).  

A divisão dos núcleos de The White Lotus é composta por uma questão de classe, orientação sexual e identidade nacional. Com uma sequência de cenas constrangedoras, a história da minissérie perpassa por questões históricas, raciais e coloniais mal resolvidas entre os habitantes do Havaí e os turistas que chegam a todo momento dos EUA. 

 

Um país chamado Havaí 

 

The White Lotus tem uma virada dramática a partir do momento em que os hóspedes passam a ter contato com os trabalhadores do resort, todos nascidos no Havaí. Há dois encontros que merecem destaque.

O primeiro diz respeito a socialite Tanya que, ao passar por uma sessão de massagem com Belinda se sente próxima da trabalhadora e a convida para um jantar. Como chantagem, a herdeira diz que ficou admirada pelo trabalho dela com as mãos e que gostaria de fazer uma proposta para que ela abrisse um salão próprio de estética. 

O outro encontro é quando Paula se envolve com Kai que, todas as noites se apresenta no resort com roupas de seus ancestrais e faz números que remetem àqueles que foram assassinados pelo colonialismo. Há alguns diálogos emblemáticos entre os dois: a vida das pessoas não brancas nos EUA e o fato de Kai não se sentir estadunidense e nem havaiano, pois, os seus símbolos culturais, atualmente, só servem para divertir turistas embriagados. 

A fachada clean do resort onde a trama de The White Lotus se desenrola esconde a expulsão de centenas de famílias que tiveram de deixar as suas casas para ali ser construído o local de férias. Aqui a série expõe uma dor que muito dos trabalhadores do hotel carregam: muitos deles viviam naquele lugar que um dia foi a sua casa. 

Como se vê, apesar da aparência de ser uma trama com ares de comédia banal, The White Lotus traz um dos melhores roteiros dos últimos anos que consegue agregar sem perder o rumo várias questões que emergem nos EUA e no Ocidente como um todo: a busca do macho ancestral, o homem branco que acha que “está perdendo o seu lugar” perante as LGBT, feministas e povos originários e as histórias dos vários colonialismos que ainda persistem em pleno século XXI. 

The White Lotus está disponível na HBO e uma segunda temporada, com novos hóspedes, estreia em breve no canal.