TRANSFOBIA

BBB e Linn da Quebrada: quando uma trans fala, as pessoas fingem que escutam

Reality show funciona como espelho da sociedade brasileira com preconceitos de raça, gênero, classe e orientação sexual

Linn da Quebrada fala e os participantes fingem que escutam.Créditos: Divulgação/ TV Globo
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As repetidas cenas de transfobia que a artista Linn da Quebrada tem vivenciado dentro do BBB 22 revelam um problema social que marca historicamente as sociedades divididas em classe e pautadas por padrões de normalidade e anormalidade. Diz respeito também à relação entre opressor e oprimido, nos moldes como Paulo Freire e Gayatri Sipivak refletiram a partir da segunda metade do século XX. 

Em seu livro “Pode o subalterno falar?” (1985), Spivak é categórica, após um estudo sobre colonialismo e subalternidade, de que não, o subalterno não pode falar e, quando fala, as pessoas fingem que escutam. Para a autora, isso se dá porque a escuta está colonizada pelos padrões de vida impostos pela branquitude.  Portanto, quando pessoal negras, LGBT e mulheres falam, são, via de regra, desqualificados ou tratados como “atração especial” ou, no pior dos casos, vida “alternativa” ou “exótica”. 



O BBB e a escuta colonizada 



Mas, o que é uma escuta colonizada? Ela está relacionada com os padrões raciais, sexuais e de gênero que foram impostos ao longo da história dos colonialismos. Ou seja, a fala e a escuta legitimada são aquelas que partem de corpos brancos, masculinos e heterossexuais. 

Não é à toa e nem “sem querer” que, após 30 dias de confinamento as pessoas da casa ainda tratam Linn da Quebrada pelo pronome masculino.



Dançando e cantando sozinha


Na festa do líder realizada nesta semana houve uma cena emblemática: em determinado momento tocaram uma música da Linn da Quebrada, que prontamente iniciou uma performance de seu trabalho. O resto da casa ficou em torno dela e em silêncio. Ninguém dançou, ninguém sorriu. Apenas caras de interrogação e silêncio. 

Cabe destacar que o silêncio e as caras de interrogação diante da performance de Linn se deram depois da cantora ter sido chamada de “ele” por Lucas e Eslovênia ter tentado calar a boca da artista quando esta dizia o quão cansada estava de ser apagada por tais falas violentas. Ela falou e quase ninguém escutou. 

 

Pode falar, mas ninguém vai escutar

 

Por mais que Linn da Quebrada diga e repita para chamá-la de “Ela”, os ouvintes não conseguem codificar o que ela diz. Não conseguem porque estão com as suas audições formatadas para repudiar a fala e a performance dos corpos historicamente difamados e subalternizados. Ela fala, as pessoas fingem que escutam e a vida que segue dentro das normas de fala e escuta. 

Mas, esta situação de escuta colonizada também se dá com outras duas participantes: Natália e Jessi, também mulheres e negras. Sempre que estas participantes colocam os seus pontos de vistas são desqualificadas, não quando tratadas como “desequilibradas”. 

Em um caso de aviltante violência, o brother Pedro Scoob não apenas desqualificou algumas análises sobre o jogo colocadas por Jessi, como também a questionou como profissional da educação. Qual outra participante foi vítima de dupla desqualificação por parte do surfista? Isso mesmo, nenhuma. 

Jessi se sentiu completamente agredida e fez questão de deixar isso claro para o colega de confinamento e explicar o que a educação significa em sua vida. Obviamente, Pedro Scoob não conseguiu entender e ficou repetindo Ad Infinitum “desculpa”. 

Dentro e fora do BBB

Algumas pessoas podem questionar a qualidade de entretenimento que o Big Brother Brasil oferece ao telespectador, mas não podem negar que tal programa reproduz as estruturas de poder presentes na sociedade brasileira, que são profundamente marcadas pelas questões de raça, gênero, classe e orientação sexual. 

Se o subalterno não pode falar e quando fala, o Outro finge que escuta, as pessoas devem se perguntar: não há saída? Sim, há saída e ela passa por um longo processo de descolonização que envolve desaprender todos os códigos normativos, pelo abandono da organização social pautada pelo gênero, pois, a política de gênero é filha direta do colonialismo que educou a escuta dos sujeitos, e pela construção de uma educação que vise a crítica e a autonomia. 

Linn da Quebrada, Jessi e Natália, enquanto estiverem no BBB, mas também fora dele, vão falar, falar e falar, e as pessoas da casa vão fingir que vão escutar e, quando errarem, vão pedir desculpas e dizer “estou aprendendo”, mas não se trata de “aprender”, mas sim desaprender os padrões de escuta que a branquitude colonial impôs ao longo dos últimos séculos.