EUA

O clube privado do poder: como a presidência de Trump abriu as portas para os bilionários

Na gestão de Donald Trump, magnatas compram influência política de forma aberta, redefinindo o acesso e a dinâmica de poder em Washington

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Jornalista formado na ECA-USP, colaborador do Outras Palavras, ex-editor-executivo do Brasil de Fato, ex-editor da Rede Brasil Atual e ex-âncora na TVT e Rádio Brasil Atual.
O clube privado do poder: como a presidência de Trump abriu as portas para os bilionários
White House

A revista The New Yorker publicou uma matéria nesta segunda-feira (26) mostrando como o dinheiro e os bilionários têm se infiltrado na máquina do governo dos Estados Unidos, na gestão de Donald Trump, de uma forma escancarada como nunca antes.

"Trump vendeu influência tão rapidamente que a máquina política não consegue acompanhar", diz o autor, o jornalista Evan Osnos.

Um exemplo emblemático dessa nova dinâmica de poder é o clube privado Executive Branch, cofundado por Donald Trump Jr. em abril deste ano. Com uma taxa de adesão de US$ 500.000, a entrada no grupo garante acesso privilegiado a altos funcionários e influenciadores da administração republicana.

Mais do que um local de encontros sociais, o Executive Branch se tornou um espaço onde bilionários podem discutir e moldar decisões políticas e econômicas. A presença de nomes como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg nesse ambiente sinaliza como a influência passou a ter um preço explícito, levantando preocupações sérias, segundo Osnos, sobre a equidade e a transparência do processo democrático.

Marcy Kaptur, deputada democrata por Ohio, foi direta: chamou o clube de "um retrato grotesco de bilionários no poder". Como observa o The New Yorker, a presidência de Trump "abraçou um casamento incomumente aberto entre política e lucro".

E os números não deixam dúvidas: documentos oficiais mostram que seu fundo de posse arrecadou cerca de US$ 250 milhões de corporações, CEOs e grandes doadores. A maior doação, de US$ 5 milhões, veio da Pilgrim's Pride, uma das maiores empresas de processamento de carne de frango do mundo. Coincidentemente, meses depois, o secretário de Agricultura de Trump fez um agrado ao setor ao concordar em não aumentar os testes de salmonela e prometer cortar o que chamou de "burocracia desnecessária".

Comercialização do acesso ao poder

A reportagem confirma que o governo Trump transformou o acesso ao poder em uma mercadoria. "Empresários bilionários, ao fazerem doações substanciais, obtêm benefícios como desregulamentações e contratos governamentais lucrativos". Não à toa, figuras como Bezos, Musk e Zuckerberg são apontadas como beneficiárias diretas desse sistema e mesmo que alguns deles tenham sido críticos ao republicano há não muito tempo, hoje beijam sua mão. 

O exemplo de Jeff Bezos é particularmente simbólico: fundador da Amazon e proprietário do The Washington Post, ele disse certa vez que "se sentiria humilhado se interferisse" nas decisões jornalísticas. No entanto, em fevereiro, ordenou que a seção de opinião do jornal se concentrasse na promoção de "liberdades pessoais e livre mercado". A Amazon, por sua vez, comprometeu US$ 40 milhões para produzir um documentário sobre Melania Trump, que, segundo a imprensa estadunidense, renderia US$ 28 milhões à ex-primeira-dama.

Sob Trump, o clientelismo deixou de ser uma prática velada e passou a ser a norma: pay-to-play, onde as contribuições financeiras compram a influência política. Esse sistema institucionaliza o clientelismo e mina os princípios democráticos.

"Depois de receber um presente de quatrocentos milhões de dólares do governo do Catar — um avião tão opulento que foi apelidado de 'palácio no céu' — Dan Pfeiffer, ex-diretor de comunicações da Casa Branca, chamou-o de 'a ação mais descaradamente corrupta de qualquer presidente na história dos EUA, e não chega nem perto'", pontua a matéria, que continua: "Menos de um dia depois, um empreendimento de criptomoedas de propriedade da família Trump leiloou um jantar com o presidente em um de seus clubes de golfe. A família lucrou duas vezes com o leilão de criptomoedas: com as taxas, que até agora renderam a eles e seus parceiros US$ 320 milhões, e com seu próprio estoque de moedas com a marca Trump, cujo valor havia crescido para US$ 4,1 bilhões antes mesmo do leilão ser concluído."

Uma oligarquia em ascensão

A revista traz o depoimento de Jeffrey Winters, professor de ciência política da Northwestern University, que há anos começou a ministrar um curso chamado Oligarcas e Elites. Segundo ele, seus alunos não viam sentido em comparações com oligarquias: "A Rússia tem oligarcas. A América tem gente rica", diziam. 

Mas a decisão da Suprema Corte dos EUA em 2010, que removeu os limites para contribuições financeiras a candidatos e partidos, mudou tudo. "O desafio passou a ser convencer qualquer um deles de que os Estados Unidos ainda eram uma democracia", disse Winters à The New Yorker

Curiosamente, mesmo com o nível de degradação e corrupção explícita, muitos estadunidenses hoje convivem com sentimentos contraditórios em relação aos bilionários: ressentimento e admiração. Uma pesquisa Harris de 2024 revelou que 59% dos entrevistados acham que os bilionários estão tornando a sociedade mais injusta, mas um número quase igual espera se tornar bilionário um dia. Como diria Paulo Freire, quando a educação não é libertadora, a pessoa oprimida pode querer se tornar opressora para exercer o poder que lhe foi negado.

A aparente contradição explica o sucesso de gurus de prosperidade e influencers que ensinam como "chegar lá", tanto nos EUA como em outros países, como o Brasil. À medida que o dinheiro se torna, de forma mais explícita, a medida de todas as coisas, muita gente não pensa mais em mudar o sistema, mas sim em fazer parte dele de alguma forma. Nesse contexto, os bilionários deixam de ser vilões e passam a ser ídolos.

O fato é que, se a concentração de riqueza nos Estados Unidos continuar nesse ritmo, nas próximas quatro décadas, os 0,00001% dos americanos mais ricos (cerca de dezenove pessoas hoje) vão controlar 18% da riqueza do país, contra 1,8% hoje. Como alerta o historiador Alfred McCoy na reportagem, "se Washington fingir que a corrupção de Trump não está conectada a um desequilíbrio de poder mais profundo, os oligarcas vencem".

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