Eleições 2024

Lula, a esquerda e o "enigma da classe C"

Em 2023, o cientista político André Singer alertava que o presidente precisava reconquistar o que já havia sido chamado de "nova classe média". O desafio continua de pé

Escrito en Blogs el
Jornalista formado na ECA-USP, colaborador do Outras Palavras, ex-editor-executivo do Brasil de Fato, ex-editor da Rede Brasil Atual e ex-âncora na TVT e Rádio Brasil Atual.
Lula, a esquerda e o "enigma da classe C"
Ricardo Stuckert / PR

Em uma entrevista concedida em abril de 2023 ao jornal O Globo, o cientista político André Singer observava que o presidente Lula tinha como uma de suas missões reconquistar o que já havia sido chamado de "nova classe média", um segmento da população que conseguiu, nos dois primeiros governos do atual presidente, ascender socialmente por conta de políticas públicas como a valorização do salário mínimo, por exemplo.

"Lula precisa manter o desempenho na faixa até dois salários mínimos de renda familiar e melhorar no grupo de dois a cinco salários, onde Bolsonaro teve nove pontos a mais do que o petista na última pesquisa Datafolha antes da eleição (52% a 43%). Essa é a chave da distribuição política e eleitoral do Brasil", dizia à época.

Entrevistado novamente, agora pelo Estadão, Singer foi questionado se o governo Lula estaria recuperando seu espaço neste segmento. "Com base nos dados que encontrei sobre renda e avaliação do governo, minha resposta seria não. O que me chamou a atenção foi que, entre aqueles que consideram o governo Lula ótimo ou bom, a proporção aumenta significativamente até a faixa de dois salários mínimos, mas cai drasticamente acima desse valor. Sendo absolutamente técnico, eu diria que não."

Para ele, somente os bons dados da economia não seriam suficientes para reverter esta situação, uma vez que eles alteram pouco as condições de vida das famílias deste segmento. "A explicação de fundo é econômica, embora também possa ter conotações sociológicas. A transformação econômica necessária para, a meu ver, atingir as camadas intermediárias (conhecidas como classe C, com renda entre dois e cinco salários mínimos) é muito mais cara. Por que as camadas de até dois salários mínimos avaliam o governo de forma mais positiva? Porque o governo, por exemplo, aumentou o Bolsa Família. E por que é difícil atender às camadas intermediárias? Porque é preciso gerar bons empregos", aponta.

Os empregos e a indústria

"E para isso, é necessário reindustrializar o país, o que exige um programa estrutural. O governo Lula lançou um programa, mas, até onde consigo observar, ele não saiu do papel. Esse programa envolve uma mudança estrutural na economia brasileira que, aparentemente, não está sendo possível de realizar."

Singer faz referência ao Nova Indústria Brasil (NIB). O governo Lula anunciou nesta quarta-feira (30) um montante de investimentos de R$ 1,6 trilhão até 2029, sendo 75% deles vindos da iniciativa privada. Pelo período estabelecido para a injeção de recursos, fica evidente que os resultados não serão num prazo tão curto.

Outra questão em relação à indústria, setor que perde espaço há décadas tanto na participação do PIB quanto na massa salarial, é como efetivar a recuperação com as amarras do arcabouço fiscal. O governo aposta que, ao cumprir compromissos com o chamado 'mercado', o país voltaria a alcançar o almejado grau de investimento, o que garantiria mais segurança para a entrada de investimentos estrangeiros.

Essa é uma aposta já feita por governos que implementaram políticas neoliberais no próprio Brasil e em países vizinhos com foco na dita estabilidade fiscal. A diferença, agora, seria a coordenação e o planejamento estatais (termos odiados por liberais em geral) que poderiam orientar o investimento para setores da indústria que poderiam proporcionar um crescimento mais equitativo e com salários maiores.

É um desafio. Exigiria, aliás, uma atitude muito mais proativa dos bancos públicos, similar ao que ocorreu em 2008/2009, quando foram fundamentais para suavizar o impacto da pior crise econômica do século no Brasil, tornando-a apenas uma 'marolinha', como descreveu o presidente." 

Como a rejeição de parte da classe C a Lula, mas em especial à esquerda de uma forma geral, tem um componente não só econômico, mas sociológico, como diz Singer, e talvez antropológico, os efeitos de uma nova industrialização talvez não sejam suficientes para reverter este estado de espírito. Mas seria um belo começo. 

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar
Logo Forum