Desde o primeiro turno, uma análise recorrente em boa parte da mídia corporativa, reforçada agora, após os resultados do segundo, tenta passar a impressão de que as vitórias alcançadas pelo chamado Centrão, partidos que transitam entre a direita e a centro-direita, significariam que o brasileiro estaria "farto de extremismos".
Essa interpretação, no entanto, é pouco convincente. Primeiro, porque as eleições municipais têm dinâmicas próprias e, desde a redemocratização, são estas legendas, sob nomes diferentes, que dominam o cenário. A análise ainda sugere, de forma implícita ou explícita, que quem se opõe à extrema direita seria uma extrema esquerda. Na realidade, trata-se de uma esquerda que tende ao centro ou busca formar frentes amplas com setores bem distantes do radicalismo. Em suma, a falsa simetria.
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Ricardo Nunes, em seu discurso da vitória em São Paulo, tentou passar esta mensagem de predomínio de um suposto "equilíbrio", mas ele foi o porta-voz do extremismo de direita em diversos momentos de sua campanha, com lances típicos deste segmento como, por exemplo, trazer o tema da segurança pública sob a ótica do punitivismo.
Contou ainda com uma "ajuda" do governador Tarcísio de Freitas que lançou suspeitas infundadas sobre Guilherme Boulos (PSOL), também uma tática característica do bolsonarismo. Sem contar o antiesquerdismo da campanha emedebista em São Paulo que extrapola o diálogo democrático.
Em outros locais, o dito Centrão vestiu a carapuça de uma direita mais extremada que também lhe cabia melhor do que eventuais alianças com a esquerda ou centro-esquerda. Isso sem contar que candidatos derrotados em centros importantes, como Pablo Marçal em São Paulo, trouxeram uma roupagem aparentemente novas para posturas radicais de direita.
Os radicais de direita sobrevivem, ganhando ou perdendo, tendo inclusive seus valores absorvidos ou normalizados como se fossem parte de um jogo político regular. E existe um caminho aberto para a disputa no Senado (duas vagas) em que extremistas hoje derrotados podem obter uma vaga.
O que pode impedir isso não é só a postura da esquerda, mas sim o que já ocorre em países da Europa quando a extrema direita ganha notoriedade: os partidos de centro ou de direita ditos democráticos fazem o chamado "cordão sanitário" para isolar os radicais.
Se da esquerda é cobrada sempre uma autocrítica, do tal centro democrático deve se cobrar um pingo de responsabilidade não só para barrar o extremismo mas também para que não se adotem suas práticas. Ou mais adiante pode ser tarde demais para lamentar.