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Por Igor Felippe Santos
“Uma balsa não tem popa nem proa. É quadrada e, às vezes, navega de lado, gira sobre si mesma imperceptivelmente, e como não há pontos de referência, não se sabe se avança ou retrocede”
O escritor Gabriel García Márquez descreve assim no livro “Relato de um náufrago” o drama de um homem que ficou 10 dias à deriva numa balsa, sem comida nem bebida, que acabou virando herói da pátria, mas depois foi esquecido para sempre.
Apesar de se empanturrar com números e números de pesquisa de opinião, o governo Dilma Rousseff parece navegar de lado ou dar voltas em torno de si mesmo sobre uma balsa, levado pelo movimento do mar e sem força para fazer o Brasil avançar com firmeza.
O governo mantém o procedimento de "convivência pacífica" com os inimigos das mudanças progressistas e, assim, não demonstra coragem nem iniciativa política de aproveitar oportunidades que poderiam minar esses setores, alterar a correlação de forças e abrir o caminho para transformações profundas.
O lançamento do livro “A Privataria Tucana”, do repórter Amaury Ribeiro Jr, por exemplo, tirou a poeira do debate sobre as privatizações e do crime de lesa pátria, nas palavras do jurista Fábio Konder Comparato, cometido no governo FHC.
As denúncias criaram um clima de indignação em setores importantes na sociedade, mas a covardia do governo - que enquadrou o presidente da Câmara, Marco Maia, e brecou a instalação da CPI da Privataria Tucana, que tinha assinaturas necessárias para a instalação - foi um banho de água fria.
A investigação das privatizações do FHC pode ter um papel pedagógico e politizar o povo brasileiro com a defesa de um novo projeto para o país, colocando a sociedade em movimento para fazer justiça, julgar e prender todos os responsáveis pelos roubos e retomar as empresas privatizadas, enterrando o neoliberalismo e recompondo o poder do Estado.
Além disso, o governo poderia aproveitar a insatisfação de setores da indústria de transformação, que reagem ao processo de desindustrialização da economia brasileira, que mobiliza também as centrais sindicais. A crise nacional com a perda de força da indústria é grave.
A participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) retrocedeu ao patamar de 1956, com os 14,6% de 2011. O pico da indústria foi em 1985, quando chegou a 27,2% do PIB. Para reverter essa quadro e apear o poder dos bancos e do capital financeiro, é necessário baixar substancialmente os juros da taxa Selic, controlar o câmbio e renegociar os títulos da dívida pública que consomem anualmente 500 bilhões de reais.
No entanto, o governo lançou mão de um pacote para a indústria com medidas limitadas, baseado em desoneração da folha de pagamento e isenção de impostos (políticas de corte neoliberal), a diminuição dos juros dos bancos públicos e queda da taxa de juros Selic.
Os oligopólios dos meios de comunicação também poderiam ser enfrentados, uma vez que a cada dia que passa aumenta a desmoralização dos jornais, revistas, rádios e TVs controlado pelos setores mais conservadores. O envolvimento de um editor da revista Veja com a rede criminosa do bicheiro Carlinho Cachoeira e do senador Demóstenes Torres, até então grande líder do DEM, é motivo suficiente para que se apresente um marco regulatório dos meios de comunicação.
De que adianta a presidenta Dilma bater recordes de popularidade, tendo um governo avaliado como ótimo ou bom por 64% dos brasileiros, de acordo com pesquisa divulgada nesta semana pelo Datafolha, se não enfrenta os setores conservadores nem faz mudanças profundas na sociedade brasileira?
Ausência das lutas de massas
Enquanto o governo gira sobre si mesmo e não avança, as forças da classe trabalhadora não conseguiram avançar na consolidação de bandeiras unitárias e na organização de lutas de massas, que pudessem enfrentar os interesses da classe dominante e sustentar avanços substanciais.
Se as centrais sindicais, movimentos sociais e organizações estudantis construíram uma grande unidade em 2010, houve de lá pra cá um processo de desarticulação. As bandeiras de lutas que foram construídas nesse período, que poderiam ter força para envolver toda a sociedade brasileira, criar força social e recolocar em movimento a classe trabalhadora, perderam força.
A luta pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários, que reuniu o conjunto das organizações dos trabalhadores, não se converteu em lutas de massas. Sem pressão, dificilmente será votado o projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados define a redução da jornada para 40 horas semanais.
Em vez disso, a discussão sobre a reforma sindical, com foco no imposto sindical, é objeto de maior atenção das centrais sindicais, que estão divididas em relação ao tema. Ou seja, em vez de convergência em torno de bandeiras que coloquem em xeque os interessas da burguesia, as centrais se lançam em uma campanha que, para a sociedade, não passa de uma discussão corporativa.
A bandeira da destinação de 10% do PIB para educação, que faz parte do debate do Plano Nacional de Educação, que tramita no Congresso, envolveu apenas entidades que atuam no setor educacional. Com a aprovação dessa medida, esses recursos seriam destinados para a estrutura das escolas (construção e reforma), pagamento de salário aos professores, melhorar a qualidade do ensino público e ampliar do acesso às universidades.
No campo, os movimentos sociais e os sindicatos de trabalhadores rurais e da agricultura familiar encontraram um denominador comum e construíram uma unidade política não vista nos últimos 10 anos. Existe uma expectativa no sentido de construção de um calendário de lutas comum e a realização de um grande encontro que reúna camponeses, sem terra, pequenos agricultores, indígenas e quilombolas neste ano.
Mesmo assim, o fortalecimento da agricultura familiar e a realização da Reforma Agrária, que dependem da derrota do agronegócio, não contagiam o conjunto da sociedade como mudanças estruturais necessárias para acabar com a pobreza no campo, desconcentrar a terra, gerar renda e empregos nas áreas rurais e produzir alimentos saudáveis sem agrotóxicos.
O desalento com esse quadro aumenta quando olhamos para o nosso país vizinho, a Argentina, onde a presidenta Cristina Kirchner retomou o controle do petróleo e do gás com nacionalização da empresa petroleira espanhola YPF.
Lá parece que o impossível é possível, enquanto aqui há um soterramento das perspectivas de transformações a palmos e palmos de terras no cemitério da realpolitik. Que os ventos que vem das terras argentinas contagiem as organizações da classe trabalhadora brasileira e o governo a colocar em pauta medidas que possam criar condições para a realização de reformas estruturais no Brasil.
Igor Felippe Santos é jornalista, editor da Página do MST, do conselho político do jornal Brasil de Fato e do Centro de Estudos Barão de Itararé.