DIÁRIO DA CHINA

Propaganda anticomunista travestida de espetáculo

Grupo artístico ligado a movimento político e religioso banido da China estreia performance em São Paulo

Créditos: Divulgação - Grupo Shen Yun
Escrito en BLOGS el

Estreia nesta sexta-feira (17), em São Paulo, a temporada brasileira do grupo Shen Yun. A princípio pode parecer um espetáculo artístico, mas, na verdade é propaganda anticomunista. Como já antecipa o anúncio do show: "A China antes do comunismo".

Na página do espetáculo na internet, a descrição informa ao visitante que o show de dança e música resgata "uma época em que seres divinos caminharam sobre a terra, deixando para trás uma cultura que inspirou gerações". "Porém, depois de décadas de governo comunista, muito dessa cultura divinamente inspirada foi destruída ou esquecida".

Essa acusação não se sustenta. Pelo contrário, é desmascarada por diversos documentos e medidas adotadas pelo governo chinês e pelas próprias palavras do presidente Xi Jinping. "Aumentar a coesão da nação chinesa e o apelo da cultura, aprofundar os intercâmbios e o aprendizado mútuo com outras civilizações e contar histórias da cultura tradicional para apresentar a cultura chinesa para o mundo", disse ele em novembro do ano passado.

Xi teceu esse comentário após o chá tradicional chinês ter sido incluído na lista de patrimônio cultural imaterial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

O tema da cultura tradicional chinesa também é abordado em vários trechos do relatório apresentado pelo presidente Xi durante o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh), realizado em outubro do ano passado, em Beijing. Eu fiz a cobertura presencial desse evento, realizado a cada cinco anos e considerado o mais importante do calendário político do país asiático.

O assunto também é tratado, de forma bem específica, no 14º Plano Quinquenal (2021-2025) para o Desenvolvimento Econômico e Social Nacional e Visão 2035 da República Popular da China. Esse documento serve de bússola para a China e reserva um capítulo inteiro para abordar a importância da cultura tradicional chinesa.

Por trás desse grupo Shen Yun está o movimento político e religioso Falun Gong, que foi proibido pelo Ministério de Assuntos Civis da República Popular da China no dia 22 de julho de 1999 e passou a ser classificado como seita.

O líder desse culto, Li Hongzhi, é uma versão chinesa dos vendilhões do templo tão numerosos entre fundamentalistas religiosos no Brasil. Como é um defensor de valores da extrema direita, talvez ele sinta saudades do tempo em que povo chinês não podia acessar o patrimônio cultural da civilização milenar. Era o caso da Cidade Proibida, que só pode ser visitada pelas pessoas comuns com a chegada do PCCh ao poder, que encerrou um século de humilhações do país. 

Li fez fortuna com uma organização de "pesquisa" que, na verdade, servia para vender material para difundir a seita liderada por ele. Estima-se que ele tenha lucrado, entre a fundação do movimento, em 1992, até ser expulso da China, em 1999, 41 milhões de yuans, o que equivale a mais de 30 milhões de reais. 

Atualmente, Li é um bilionário que mora nos EUA. A Falun Gong, também chamada de Falun Dafa, tem sede global em Dragon Springs, um complexo com mais de 170 mil hectares, próximo à residência de Li, localizado em Deerpark, no estado de Nova York e que faz parte da área metropolitana da cidade de Nova York. O valor da propriedade é estimado em mais de 24 milhões de dólares.

Além da vida de luxo que leva com a mulher e a filha, Li financia as forças anti-China no Ocidente. A vitrine dessa operação, o braço de comunicação do culto, é o Epoch Media Group, que é dono do The Epoch Times, um jornal multilíngue internacional de extrema direita, e da empresa de mídia New Tang Dynasty Television.

Como todo veículo de comunicação da extrema direita, o grupo The Epoch Times é conhecido por espalhar fake news sobre a China. Como ocorreu às vésperas do congresso do PCCh no ano passado, quando a jornalista chinesa radicada nos EUA, Jennifer Zeng, espalhou o rumor de que Xi estava preso e estaria em curso um golpe de estado na potência asiática. Pura lorota. 

À época em que a Falun Gong foi banida da China, o governo chinês enumerou as razões para a medida extrema. O líder da seita foi acusado de estabelecer uma organização ilegal por meio de fraude e outros meios, colocando em risco a saúde física e mental das pessoas, afetando seriamente a ordem social e destruindo a estabilidade social.

Os seguidores do culto ficaram conhecidos por atacar a imprensa, o PCCh e o governo. Em práticas muito semelhantes às que vimos recentemente no Brasil durante o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro e, em especial, após a vitória de Lula, quando centenas de "patriotas" acamparam em frente a quartéis pelo país afora. 

De uma dessas aglomerações de "cidadãos de bem" vestidos de verde e amarelo partiu um ataque de vândalos que ateou fogo em veículos no dia 12 de dezembro e tentou invadir a sede da Polícia Federal, mesma data de diplomação do presidente Lula. 

Foi neste acampamento assemelhado a seguidores da seita chinesa que foi planejada a tentativa frustrada de ataque terrorista no Aeroporto Internacional da capital brasileira, quando foi instalada uma bomba em plena véspera de Natal. O artefato foi desmontado pelas autoridades policiais e a tragédia foi evitada.

O ápice da atuação desse grupo de extremistas brasileiros tão parecido com os fieis da Falun Gong ocorreu no dia 8 de janeiro, quando uma horda de vândalos depredou a democracia brasileira e as sedes dos Três Poderes.

Há muitas semelhanças entre os movimentos de extrema direita mundo afora. Como bolsonaristas e seguidores da Falun Gong. Por isso é compreensível que o líder desse culto, Li Hongzhi, alimente tanta repulsa ao governo popular da China.

Afinal, sob a liderança do PCCh, a China hoje é a segunda maior economia do planeta, erradicou a extrema pobreza e se prepara para uma modernização sem equivalente na história do mundo.

No que diz respeito à cultura tradicional chinesa, Li certamente não aprova que o socialismo com características chinesas tenha possibilitado resgatar esse tesouro ancestral, mas de forma que todo o povo possa ter acesso.

No histórico relatório que Xi leu durante o congresso do PCCh no ano passado, uma passagem deixa claro que a cultura tradicional chinesa é um dos pilares da China da nova era. O que muda na concepção de cultura defendida pelo culto banido é o caráter popular e marxista da visão do governo chinês.

"A defesa e o desenvolvimento do marxismo devem ser combinados com a excelente cultura tradicional chinesa. Apenas enraizada no solo fértil da história e cultura do próprio país e nação, a árvore da verdade do marxismo terá raízes profundas e folhas exuberantes. A excelente cultura tradicional chinesa data dos tempos remotos e está repleta de ricos e profundos conhecimentos, sendo a cristalização da sabedoria da civilização chinesa."
Xi Jinping no Relatório do 20o Congresso Nacional do PCCh

Já o espetáculo Shen Yun é para poucos que podem desembolsar entre 1.050 e 468 reais. Para além da apresentação artística, se paga para ser bombardeado por propaganda anticomunista. Em fevereiro de 2020, a Revista Fórum noticiou um relato de um casal de brasileiros que assistiu à apresentação. Eles contaram que não aguentaram nem mesmo ficar até o final do espetáculo, que trazia uma persistente crítica ao governo chinês e exibia dogmas religiosos no telão.