O secretário-geral do Partido Comunista da China e presidente da República Popular, Xi Jinping, concluiu neste domingo (16) seu informe político ao 20º Congresso do Partido Comunista da China com inúmeros pontos que podem ser destacados por analistas de várias áreas e especialidades. Na verdade, ficou claro no decorrer do seu informe a centralidade do exercício da governança por um Partido Comunista em um país com as dimensões da China.
O informe é muito enfático neste sentido. Em primeiro lugar, uma grande parte de seu informe não somente se resumiu a destacar as grandes conquistas do povo chinês nos últimos dez anos, a começar pela erradicação da pobreza extrema, passando pela crescente capacidade do país em explorar com mais profundidade o espaço sideral com grandes descobertas sobre a Lua e o planeta Marte e o impressionante dado acerca de a China ter se tornado o maior parceiro comercial de mais de 140 países.
Mas ao colocar esses feitos aos delegados do Congresso, Xi Jinping enfatiza a necessidade diária de se buscar adaptar o marxismo à realidade chinesa. Para muitos, esse tipo de discurso pode passar despercebido em meio ao longo tempo dedicado ao informe. Pensamos diferente. A China está diante de desafios cada vez maiores, tanto interna quanto externamente. Quanto mais longe vai chegando a experiência chinesa, maior o desafio que se coloca a um partido marxista de como exercer o poder político. Os países capitalistas o fazem de forma simples: entregando o poder do Estado às classes dominantes, que por sua vez, transforma seu poder econômico em controle sobre as massas populares, incluindo a violência policial.
Xi Jinping buscou pontuar que esse desafio de adaptação do marxismo à realidade chinesa é a única solução de manutenção de poder no sentido de buscar soluções populares a problemas onde o capitalismo aplica soluções simples, voltadas a atender as demandas de uma minoria de ricos que controla o Estado. É a adaptação do marxismo à realidade chinesa que permitiu que a China, por exemplo, não somente construísse um grande sistema empresarial público, como o núcleo da economia do país, mas principalmente, de forma criativa, construiu as condições institucionais para que a grande propriedade pública produzisse não somente bens e serviços, mas também um grande aparato tecnológico (5G, Big Data, Inteligência Artificial) que capacitou a China tanto a duplicar a renda per capita nos últimos dez anos quanto a vencer a pandemia.
“Colocar o povo em primeiro lugar” é um princípio básico para a busca de soluções marxistas a problemas comuns ao capitalismo e ao socialismo. Marx, em inúmeras passagens de “O Capital” e dos “Manuscritos Econômico-Filosóficos” deixa claro as possibilidades que a inovação tecnológica pode abrir à humanidade. Sob o capitalismo, essas possibilidades ficam restritas a pequenos grupos detentores dos meios de produção. No socialismo, o contrário, a tecnologia está à serviço do povo. O desafio da governança chinesa passa por construir um duro caminho de assegurar que toda evolução na base material da economia chinesa esteja a serviço das necessidades do país.
É nesse aspecto que a adaptação do marxismo à realidade chinesa passa, conforme pontuou Xi Jinping, pelo permanente aprimoramento e criação de instituições que aprofunde a democracia socialista com características chinesas. É uma tarefa árdua em um mundo cada vez mais hostil à experiência chinesa. Essa democracia socialista em construção, como solução marxista às questões de participação popular em uma sociedade milenar como a chinesa, passou recentemente por uma campanha de combate à corrupção que atingiu todas as esferas do Estado e do Partido Comunista. É o desafio da consolidação de relação de confiança entre o Partido Comunista e o povo que vai dar sustentação para que a China enfrente com sucesso seus desafios.
Construir um sistema de governo e de governança usando o marxismo como base teórica e ideológica fundamental é algo de importância central. O final da União Soviética deve-se muito ao fato da perda de vitalidade da teoria marxista e seu abandono por parte dos líderes da então União Soviética. Daí as soluções encontradas aos problemas soviéticos não terem sido capazes de atender as demandas do povo. A ênfase de Xi Jinping a esta questão que relaciona o desenvolvimento do marxismo o adaptando à realidade chinesa é a grande chave para compreender tanto os sucessos chineses nos últimos dez anos, quanto o futuro da Reforma Chinesa.
* Elias Jabbour, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Artigo em colaboração com a Rádio Internacional da China