Futebol raiz: A grande defesa de Gilmar Piorréia
Fora dos holofotes e da grande movimentação financeira, o futebol resiste com abnegados e suas histórias
O futebol movimenta bilhões, faz meninos serem conhecidos mundialmente, cada jogo é transmitido ao vivo para todos os países, de todos os continentes.
Mas há também o futebol dos tostões, das chuteiras que se arrastam por anos, sem se importar se o pé cresceu, da linguagem oral e da memória afetiva.
Casa Branca, no interior de São Paulo, teve grandes jogadores como Piolim, que chegou à seleção brasileira, Lance e Maritaca, que jogaram no Corinthians. E teve grandes craques locais, como Dedinho, Goiabada, Matinho, Xaxá, Dito Bicho...
Teve o Corinthians, que disputou campeonato profissional por muito tempo. Por obra e graça de seu treinador e também goleiro, Gimar Piorréia.
Um abnegado. Sapateiro, tudo o que ganhava era para o clube. Também era fisiculturista e saía fantasiado de Tarzan no Carnaval.
Gilmar conta que quase jogou na Ferroviária de Araraquara, onde brilharam Lance e Maritaca.
Saiu de Casa Branca para fazer um teste. Foi reprovado e caminhava, pelas calçadas da cidade, em direção à rodoviária. Foi então, que uma série de coincidências a seu favor - uma "tempestade perfeita" - mudou, ainda que por poucos dias o seu destino futebolístico.
Um carro em alta velocidade bateu em uma macaúva - pequena fruta redonda e de casca dura - que foi ejetada em grande velocidade.
Puro reflexo, foi puro reflexo, me contou o Gilmar em uma tarde modorrenta dos anos 70. Ele pulou para a direita e defendeu a macaúva. Uma defesa digna de outros Gilmares. Ficou com a mão toda machucada, mas fez a defesa.
O que ele não sabia é que estava em frente a uma loja recém-inaugurada das Meias Lupo. Impediu que a vitrine fosse estilhaçada. E aqui se completa a "tempestade perfeita". O dono das Meias Lupo era patrocinador e diretor da Ferroviária.
Cuidou da mão de Gilmar e fez questão que tivesse mais oportunidades. Ele voltou a treinar e foi reprovado novamente. Se pelo menos o treino fosse com macaúva...
Ah, esqueci de contar a causa do apelido. Dizem, não comprovo, que Gilmar um dia se irritou por que os amigos estavam insistentemente corrigindo seus erros de português. "Não adianta, quanto mais voceis me corrége, mais eu piorréio".