“A pessoa imaginativa deve multiplicar os tipos de congresso [sexual], segundo a maneira pela qual são praticados pelos diferentes animais e pássaros. Esses diferentes tipos de união [...] provocam o amor, a amizade e o respeito no coração das mulheres.”
“Mas logo a amada, gemendo como abelha, gritando qual galinha assustada, emitindo gritos baixos, que soam como gansos e patos no voo chamando, acaba choramingando como perdiz.”
“Foi dito por alguém que não há ordem ou momentos exatos entre o abraço, o beijo e as pressões ou arranhões com as unhas ou dedos, mas que todas essas coisas devem ser feitas, de um modo geral, antes que a união sexual se concretize, ao passo que as pancadas e a emissão dos vários sons devem ocorrer durante a união. Vatswyayana [autor do livro em questão], entretanto, pensa que qualquer coisa pode ocorrer em qualquer momento, pois o amor não se incomoda com o tempo ou ordem.”
“Quando o amor se intensifica, entram em jogo as pressões ou arranhões no corpo com as unhas. As pressões com as unhas, entretanto, não são comuns senão entre aqueles que estejam intensamente apaixonados, ou seja, cheios de paixão. São empregadas, juntamente com a mordida, por aqueles para quem tal prática é agradável.”
“A ponta do pênis ela pega, gentilmente, entre os lábios, ora apertando, ora beijando ternamente...”
“Sua amada num divã, estenda os pés dela em seus ombros, a cintura pegue com força, deixe a língua remexer o templo do amor a transbordar.”
Você já imaginou se esse fosse um comportamento sexual obrigatório? Que faz parte de um livro sagrado?
Esses são trechos do livro indiano Kama Sutra, publicado por volta do século III a.C. Muita gente acredita que é um trabalho sagrado, religioso, além de manual do sexo. Não é, andei lendo. Segundo alguns, é um compêndio de etiqueta para uso dos nobres, com dicas para os casais conviverem melhor. Tem dicas de saúde e outras mais, mas ficou conhecido por querer promover um relacionamento saudável entre homens e mulheres, incluindo o uso de energia sexual devidamente. Mas muitos veem o Kama Sutra como um livro religioso a ser seguido.
Já imaginou se adeptos de alguma religião ou seita que adota o Kama Sutra como modo de vida tentasse impor tudo isso a todo mundo?
Absurdo, não? Pois tem religiosos que se dizem cristãos que veem ou dizem ver (quem sabe o que fazem na cama, não com as suas senhoras “esposas”, mas com as amantes?) o sexo como algo que serve apenas para a procriação, e há quem ache até que seja uma coisa “suja”. Bom, se querem viver assim e encontram parceiro(a)s que pensam da mesma forma, problema deles. Quer dizer, problema, não! Que sejam felizes assim.
O problema, na verdade, é que querem impor isso a todo mundo. E nestes tempos sombrios, tentam isso.
Um exemplo muito “interessante” no mau sentido, aconteceu há dias, em 20 de janeiro, na gringolândia da Era Trump. O senador estadual (lá existe isso) Bradford Blackmon, de Mississipi, apresentou um projeto de lei para proibir atividades sexuais a homens que não tivessem a “intenção de fertilizar um embrião”. Masturbação e relação sexual sem o objetivo de fertilização seriam consideradas ilegais. Ah, um republicano, coisa típica dos trumpistas fanáticos, podem pensar. Mas não: é democrata (sinal que a palavra democrata anda sendo mal utilizada).
Pessoas com o mesmo pensamento do dito senador citam sempre a Bíblia como base para suas maluquices malignas. Digo malignas porque existem maluquices boas.
Há alguns anos recebi pelo WhatsApp uma pregação de uma pastora bolsonarista (claro!) condenando o prazer sexual. Sexo, só para reproduzir, bem “comportado”, sem nada de sussurros ou gemidos das mulheres, pecados que resultam na ida direta para o inferno.
Quando recebi uma mensagem de um amigo com o projeto de lei do senador gringo, pensei que era gozação. Mas não: outras pessoas confirmaram e ainda informaram que, pela sua proposta, quem for pego trepando por prazer ou se masturbando seria multado em mil dólares.
Lembrei-me de um maluco assemelhado daqui quando a Aids começou a se tornar um problema social: um deputado, não me lembro qual, propôs que só se pudesse ter relações sexuais com camisinha. Não era tão moralista quanto o gringo, pois sexo com camisinha certamente não é para reproduzir. E seu projeto de lei determinava que os motéis seriam obrigados a fornecer camisinha de graça aos clientes.
Na época, surgiu uma gozação: teriam que ser criados muitos empregos para “fiscais de f*oda” (o asterisco aqui é uma concessão aos moralistas das palavras, rê-rê-rê...). E como esses fiscais trabalhariam? Entraria nas casas de todo mundo e nos motéis?
Pois na versão gringa da lei do senador, os tais fiscais seriam de f*oda e de p*nheta. Ah, já que fala só de ejaculação, podem ser fiscais da p*orra.
Esse pessoal moralista, quase sempre ligado a certas seitas, parece viver procurando maneiras de complicar a vida alheia. Quer sempre proibir alguma coisa. Nuns anos do século XX, pessoas desse naipe conseguiram instituir a Lei Seca nos Estados Unidos. Foi uma festa para a Máfia, que começou a produzir e distribuir uísque à larga. O Brasil tirou uma casquinha nisso: dizem que a exportação de Biotônico Fontoura, que tinha um pouco de álcool, se multiplicou. O judaísmo também foi beneficiado: a lei previa exceção para o uso do vinho em cerimônias religiosas, e em algumas cerimônias dessa religião os participantes bebem vinho. Então, a conversão ao judaísmo cresceu como nunca.
A população menos besta via o farisaísmo (eita, bíblicos) dos políticos que aprovaram a tal lei e exigiam que os outros a cumprissem. Diziam os que não eram bestas que “o Congresso vota seco e bebe molhado”, porque os mesmos políticos que em público apoiavam e aplaudiam a lei, bebiam à vontade. Até o presidente Warren Harding bebia. Era uma hipocrisia geral. Calcula-se que havia cerca de 200 mil bares que vendiam bebidas alcoólicas ilegalmente, e desses, cerca de 32 mil eram em Nova York.
Voltando ao projeto de lei contra ejaculação sem fins procriativos, algumas pessoas comentaram sobre a grande oferta de empregos de fiscais da p*orra que resultaria na sua implementação. Uma amiga lembrou de outra coisa interessante: “Como eles desconhecem o gozo feminino, o sexo entre mulheres correria livre, leve e solto”.
Eu penso mais: o que é proibido é mais gostoso ou pelo menos mais cobiçado, então, como se criou na gringolândia uma grande estrutura de produção e distribuição de bebidas alcoólicas durante a Lei Seca, aconteceria algo semelhante em relação ao sexo, ainda mais nestes tempos de mídias sociais, e poderia ser criado um “serviço” com o lema ”gozar sem procriar”. Renderia muito e quem sabe, daria ocupação menos prejudicial atrativa pela lucratividade a um monte de produtores de fake news.
Bom, paro por aqui. Não duvido que o topetudo gringo que usou serviços sexuais “ilícitos” e o “moralista” daqui que dizia usar um apartamento em Brasília para "comer gente", pensem em implementar tal lei lá e cá, com aplausos de seus seguidores fariseus. Então, barbas de molho, quem quer ejacular por prazer.
Para terminar, deixo duas “recomendações” do Kama Sutra para horrorizar essa turma:
“Se a sua parceira não atingiu o clímax durante o ato sexual, ou se deseja ter mais orgasmos, mas você não está pronto para fazer amor de novo, ajude-a usando seus dedos para estimular o clitóris, passando-os delicadamente pelas laterais e pela ponta.”
“... A maior parte do corpo, incluindo os membros, reage ao beijo, em geral quanto mais próximo da genitália, mais intenso e irresistível é o prazer”.
Ah, adeptos do papai e mamãe, e transas que poderiam ser chamadas de "burocráticas”, segundo li, o Kama Sutra cita 529 posições sexuais (será?). E mais ainda, lembro algo relacionado, de forma piorada, à posição papa e mamãe. Não vai aqui preconceito contra religiões, mas talvez sim contra o fanatismo de alguns ou algumas praticantes. Um antigo colega de trabalho me disse certa vez que foi casado com uma mulher que, seguindo preceitos religiosos ditados pelo pastor, não ficava nua perto dele. Para relação sexual, ela usava camisolas com uma abertura na frente. Na hora de transar, quando ele queria, pedia: “Dá licença, irmã”, e ela, obediente ao marido como tinha que ser, abria as pernas debaixo da camisola e ele “consumava” pelo buraco da camisola e depois agradecia: “Obrigado, irmã”.