Câmara de Santos homenageia Osmar Golegã, preso político da ditadura - Por Arthur Serra
Mesmo após passar por torturas físicas e psicológicas e injustiças, Osmar manteve sua dignidade e seguiu sua vida como trabalhador e pai de família
Na noite desta segunda-feira (26), às 19 horas, a Câmara Municipal de Santos (Praça Tenente Mauro Batista de Miranda, 1 - Vila Nova) entregará a Medalha Braz Cubas, a maior honraria da cidade portuária, a Osmar Golegã. Tal medalha destaca trajetórias marcantes que contribuem para o progresso e reforçam a identidade de Santos.
A proposta foi formulada pelo Comitê Popular de Santos por Memória, Verdade e Justiça, que reconheceu a importância de lembrar Osmar como vítima da ditadura empresarial-militar e representante do “velho sindicalismo” em Santos, em plena efervescência no período anterior a 1964. O anteprojeto elaborado pelo Comitê foi acolhido pela vereadora Débora Camilo (PSOL), que apresentou a proposta na Câmara. Essa iniciativa é fundamental para preservar a lembrança da resistência daqueles que enfrentaram a repressão, mantendo vivo o legado de coragem e compromisso com a justiça social.
Osmar ingressou na Companhia Docas de Santos na década de 1950. Na mesma época, passou a integrar o Sindicato dos Empregados na Administração Portuária (Sindaport). Na Docas, era um trabalhador exemplar da capatazia, com assiduidade e dedicação. No sindicato, se destacou a ponto de ser convidado a compor a chapa vencedora da eleição do Sindaport em 1961, liderada por Waldemar Neves Guerra, então presidente do sindicato e candidato à reeleição. Sua atuação como dirigente sindical não só o colocou na linha de frente das greves e lutas por melhores condições, mas também o tornou alvo da perseguição da Companhia Docas de Santos e do regime autoritário que se instaurou.
Participava das atividades sindicais como um aprendizado do que era a vida sindical. Acompanhava as reuniões do sindicato, do Fórum Sindical de Debates (FSD) e da União dos Sindicatos da Orla Marítima de Santos (USOMS).
Com a chegada da ditadura empresarial-militar, em 1964, sindicatos foram invadidos e vasculhados, muitos trabalhadores foram perseguidos, presos e submetidos a Inquéritos Policiais Militares (IPMs). Nesse ano Osmar cuidava da Tesouraria do sindicato, continuava na diretoria da entidade – que foi reeleita em 1963 – e foi um desses que sofreram a prisão política. Detido inicialmente na Cadeia Pública de Santos, foi depois enviado ao navio Raul Soares, que chegou em 24 de abril de 1964 em péssimas condições de conservação para funcionar como prisão.
A alimentação no navio era inadequada e ele foi submetido a condições desumanas. Ficou isolado na cela chamada “Casablanca”, onde os detentos eram expostos a dejetos e todo tipo de humilhação. Em entrevista ao canal “TV A Comuna”, em 10 de junho de 2024, Osmar relembrou que saiu dali fedendo muito e teve que tomar banhos frequentes para se livrar do odor insuportável.
Após sua libertação, enfrentou a impossibilidade de voltar ao emprego formal sob a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), sofrendo a precarização do trabalho. Tornou-se proprietário de oficina mecânica, trabalhou no cinema da cidade e na bombonière do local. Mais tarde, recebeu anistia política. Mesmo depois de passar por torturas físicas e psicológicas e injustiças, Osmar manteve sua dignidade e seguiu sua vida como trabalhador e pai de família, um exemplo de resistência e força moral.
O simbolismo que carrega reconhecimento e homenagem com a Medalha Braz Cubas não é apenas para Osmar, mas para todos aqueles que se envolveram no sindicalismo do pré-1964, enfrentaram perseguição e tortura por defender os direitos dos trabalhadores. Trata-se de um ato de reconhecimento histórico que serve para reafirmar a importância de preservar a memória, alertando para que as atrocidades da ditadura não se repitam e destacando a necessidade de proteger o Estado Democrático de Direito.
*Arthur Serra é historiador, mestre em História pela PUC-SP, pesquisador que trata das áreas de História Contemporânea, América Latina e Brasil. É também membro do Centro de Estudos de História da América Latina (CEHAL).
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.