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Vacina contra o câncer? Saiba o que são os imunizantes contra a doença

O grande desafio é que, ao contrário dos vírus e bactérias, o câncer surge a partir de células do próprio organismo, dificultando sua identificação pelo sistema imunológico

Créditos: Sumaia Villela/Agência Brasil
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As vacinas contra doenças infecciosas transformaram a história da humanidade. No século XX, a varíola ceifou mais de 300 milhões de vidas ao redor do mundo, enquanto a poliomielite deixou milhares de pessoas mortas ou paralisadas anualmente. Hoje, essas ameaças foram reduzidas drasticamente: a varíola foi completamente erradicada e a poliomielite eliminada em diversos países, tornando-se não endêmica nesses locais.

Diante do sucesso das vacinas no combate às infecções, cientistas passaram a explorar a possibilidade de treinar o sistema imunológico para enfrentar outras enfermidades, incluindo o câncer. Atualmente, pesquisadores estão empenhados no desenvolvimento de imunizantes que atuem diretamente contra essa doença.

Como as vacinas convencionais funcionam?

De maneira geral, as vacinas estimulam o sistema imunológico a reconhecer e combater agentes invasores. Elas contêm fragmentos de vírus ou bactérias, chamados antígenos, que ensinam o organismo a identificar e reagir contra essas ameaças. Dessa forma, ao entrar em contato com um patógeno real, o sistema imunológico já está preparado para combatê-lo, prevenindo doenças graves como sarampo e varíola. Mesmo que não eliminem completamente uma infecção, os imunizantes podem reduzir sua gravidade, como ocorre com a vacina da gripe.

Além disso, algumas vacinas desenvolvidas para infecções virais já demonstraram eficácia na redução de casos de câncer. A vacina contra o papilomavírus humano (HPV), por exemplo, previne tipos de câncer relacionados ao vírus, como o cervical, enquanto a vacina contra a hepatite B reduz o risco de câncer de fígado. No entanto, esses imunizantes não combatem diretamente o câncer, mas sim os vírus que elevam sua incidência.

Vacinas contra o câncer: como funcionam?

Diferente das vacinas tradicionais, os imunizantes contra o câncer têm como alvo direto as células tumorais. O grande desafio é que, ao contrário dos vírus e bactérias, o câncer surge a partir de células do próprio organismo, dificultando sua identificação pelo sistema imunológico. Ainda assim, pesquisadores encontraram uma solução: moléculas chamadas neoantígenos, presentes exclusivamente em células cancerosas, que podem ser usadas para ensinar o sistema imunológico a reconhecer e atacar os tumores.

“Se identificarmos os neoantígenos que o sistema imunológico pode reconhecer, podemos treinar o organismo para enxergar o câncer como uma ameaça”, explicou o Dr. Vinod Balachandran, diretor do Centro Olayan de Vacinas contra o Câncer do Memorial Sloan Kettering Cancer Center.

Os neoantígenos podem ser comuns a diferentes tipos de câncer ou específicos para cada paciente. Dessa forma, ao contrário das vacinas convencionais, os imunizantes contra o câncer podem precisar ser personalizados para cada indivíduo, garantindo que atinjam os alvos corretos de maneira eficaz.

No laboratório de Balachandran, estudos clínicos estão em andamento para desenvolver uma vacina contra um tipo agressivo de câncer pancreático. Pacientes que passaram por cirurgia para remoção do tumor receberam, além de quimioterapia e reforços imunológicos, vacinas personalizadas contendo RNA mensageiro (mRNA), projetadas para codificar os neoantígenos de seus tumores. O objetivo é preparar o sistema imunológico para reconhecer e destruir células cancerosas remanescentes.

As vacinas contra o câncer previnem ou tratam a doença?

Atualmente, a maioria das vacinas contra o câncer está focada na chamada “prevenção secundária”, ou seja, em evitar a reincidência da doença em pacientes que já passaram por tratamento. Contudo, há também imunizantes terapêuticos, que atuam estimulando a resposta imunológica para combater tumores existentes.

Em 2024, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou para estudos clínicos a primeira vacina terapêutica contra o câncer de prostata desenvolvida por cientistas brasileiros, chamada FK-PC101, destinada a tratar uma forma avançada de câncer de próstata. Essa vacina utiliza células do próprio paciente (as chamadas Células Apresentadoras de Tumor - TPCs), modificadas em laboratório para estimular o sistema imunológico a reconhecer e atacar o tumor. Estudos mostraram que o tratamento pode prolongar a a vida dos dos pacientes em alguns meses.

Segundo o Inca (Instituto Nacional do Câncer), um em cada oito homens receberá um diagnóstico de câncer de próstata em algum momento da vida, com um risco ainda maior entre a população masculina negra.

Pesquisas sobre outras vacinas contra o câncer continuam em andamento, abrangendo tipos como melanoma e tumores cerebrais. Algumas estão em fases iniciais de testes, enquanto outras, como a desenvolvida pela parceria entre Merck e Moderna, avançam para os estágios finais dos ensaios clínicos.

Se as vacinas contra a recorrência do câncer se mostrarem eficazes, especialistas acreditam que será possível, no futuro, desenvolver imunizantes para “prevenção primária”, evitando que a doença surja. A ideia seria criar vacinas que funcionem de forma semelhante às já existentes para doenças infecciosas, bloqueando o desenvolvimento do câncer antes que ele se manifeste.

“Agora que sabemos que o sistema imunológico pode reconhecer o câncer, é teoricamente possível criar uma vacina preventiva, assim como fizemos contra vírus e bactérias”, afirmou Balachandran. “Estamos em um momento empolgante para essa área da ciência.”

*Com informações de Live Science 

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