Um novo estudo publicado na revista One Health alertou para a alta probabilidade de uma próxima pandemia surgir de um lugar inusitado, que não recebe tanta atenção de políticas públicas voltadas à saúde quanto deveria.
De acordo com os pesquisadores, uma tendência crescente de doenças infecciosas zoonóticas e emergentes (DIEs) tem sido observada em todo o mundo, e a maioria dos surtos de DIEs se origina da vida selvagem. Eles envolvem interação patógeno-hospedeiro-ambiente. Por isso, os lixões, principalmente os localizados em países de baixa renda, podem desencadear uma nova pandemia, uma vez que agem como uma interface entre humanos, animais e o meio ambiente.
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A pesquisa apontou que os lixões desempenham um papel importante no surgimento de doenças, pois concentram uma série de fatores relevantes que intensificam esse risco, como: aumento da população e densidade de animais, aumento da população de vetores, novas cepas de patógenos evoluídas, aumento da interação entre humanos, animais domésticos, vida selvagem e vetores e fatores socioeconômicos.
Os pesquisadores apontam que o aumento da densidade populacional e das demandas dos ambientes urbanos intensifica a poluição do ar e resulta em escassez e má qualidade de água, alto consumo de recursos e problemas de descarte de resíduos. Esse último fator, de acordo com os especialistas, é uma das questões mais desafiadoras em muitas cidades.
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"O gerenciamento de resíduos merece atenção especial devido ao seu impacto no meio ambiente e potenciais efeitos à saúde. O acúmulo expandido de resíduos aumenta potencialmente o risco de transmissão de doenças entre espécies porque os lixões contêm uma grande quantidade de resíduos orgânicos, que podem ser uma fonte de alimento para várias espécies de animais e insetos", diz um trecho do estudo.
O estudo afirma que devido à presença de animais e vetores em lixões, a transmissão de doenças zoonóticas provavelmente ocorrerá nessas áreas. Os pesquisadores ainda destacam que as pessoas que trabalham com manejo de resíduos estão expostas a condições anti-higiênicas e insalubres, estando expostas a vários perigos. "Os lixões, portanto, atuam como uma interface entre humanos, animais e o meio ambiente, de onde podem surgir EIDs, uma preocupação significativa de saúde pública", alerta outro trecho da pesquisa
Ao todo, o estudo analisou 345 artigos científicos que abordavam animais terrestres e insetos relacionados aos lixões. Desses, 34 foram associados a doenças infecciosas em catadores de lixo. As doenças mais comuns relatadas por esses trabalhadores foram aquelas causadas por insetos como vetores, a exemplo de malária, dengue, zika e chikungunya. No caso de infecções bacterianas, a tuberculose foi considerada um importante problema de saúde para catadores de lixo.
O papel dos lixões na resistência antimicrobiana
O estudo aponta que os lixões são uma fonte abundante de alimento que muitos animais podem acessar. No entanto, muitos animais, como pássaros, também estão em áreas urbanas, agrícolas e costeiras. Desse modo, os artigos apontaram a presença de bactérias resistentes a antimicrobianos em gaivotas semelhantes às encontradas em humanos e animais domésticos.
Alguns exemplos desse cenário foram expostos em estudos que encontraram corvos vasculhando lixões de resíduos hospitalares mal administrados em Bangladesh, aumentando o risco de exposição a bactérias resistentes a antibióticos. Além disso, houve evidências nos Estados Unidos de que gaivotas migratórias que buscavam alimentos em aterros sanitários eram reservatórios importantes para bactérias resistentes a antimicrobianos que poderiam dispersar os patógenos através e entre continentes por meio de movimentos migratórios.
Com base nos artigos analisados, o estudo divulgado nesta quinta-feira alerta que os lixões podem facilitar a troca de material genético entre bactérias, levando ao surgimento de novas cepas resistentes a medicamentos. "Isso representa um risco significativo à saúde pública devido ao potencial de surtos de EID", afirmam os pesquisadores.
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