A morte precoce da campeã olímpica de vôlei, Walewska Moreira De Oliveira, de 43 anos, nesta quinta-feira (21), para além da comoção pelas circunstâncias ainda em investigação que levantam suspeitas de que ela teria tirado a própria vida, acende um sinal de alerta para toda a sociedade: os perigos da compulsão por compras.
De acordo com declaração do marido da ex-atleta, Ricardo Alexandre Mendes, o casamento de 20 anos e sem filhos estava em crise há quatro anos. Um dos problemas enfrentados pelo relacionamento seria que Walewska era compulsiva por compras e, por conta disso, dilapidou boa parte do dinheiro que eles conseguiram durante os anos de casado.
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Esse comportamento compulsivo por comprar é mais comum do que se imagina. Esse distúrbio é chamado de oniomania. A Fórum conversou com a psicóloga Leila Rocha, co-fundadora do Instituto de Pesquisa e Estudo da Consciência (Ipec), sobre esse distúrbio.
Ela compara compulsão por compras, a insaciedade de adquirir produtos, a um vício como o do álcool, tabaco e drogas ilícitas. É um comportamento ligado ao prazer de consumir.
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Leila esclarece que o ato de comprar em si não é problemático. Por exemplo, vamos às compras para suprir necessidades de alimentação, habitação, vestuário, um computador ou um celular.
Quando é uma compra para suprir algo muito mais profundo, e não para de comprar ostensivamente, só pensa em comprar, tudo leva a comprar, isso já vai se tornando algo que está ligado a essa compulsão.
A psicóloga descreve que a pessoa com esse transtorno de oniomania compra de uma forma que não tem um foco, em seguida ela se dá conta do problema, se sente culpada, vivencia o remorso e acaba comprando mais para aliviar essa culpa em um ciclo vicioso. Nessa dinâmica, a compulsão afeta não só a pessoa, mas também o parceiro e a família.
Leila observa que a compra feita de forma compulsiva está ligada ao ato de comprar não ao objeto que se compra e serve para reduzir a ansiedade desse consumidor.
Causas da oniomania
A psicóloga observa que a pessoa com o transtorno de oniomania de modo geral, durante a pesquisa sobre o paciente, é identificada a existência de uma privação emocional de infância.
Privação mesmo de deixar de ter algumas coisas e não só no sentido material, mas principalmente no sentido de atenção, de cuidado. Tem muita restrição em relação a isso, como se fosse algo que está muito escasso. Uma tolerância muito, muito baixa a ser frustrado, não tem limite. Ou é o oposto um limite exagerado, mas nunca tem algo que é equilibrado.
Essa baixa tolerância à frustração, destaca Leila, é um dos motivadores para o comportamento compulsivo por comprar. Outro aspecto constante nesses pacientes é a necessidade de preencher um vazio existencial, um buraco interior.
À medida que eu posso comprar, eu reduzo a ansiedade e eu alivio de alguma forma uma angústia. Geralmente quando a gente vai fazer esse diagnóstico, nós encontramos pessoas com um certo grau de depressão e de ansiedade, e é uma angústia, é um vazio, é um grande buraco.
Efeitos de uma sociedade líquida
Leila recorre ao conceito de "sociedade líquida" criado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 - 2017) para definir o tempo presente que é marcado pela liquidez, volatilidade e fluidez. Nesse contexto, há maior incidência de pessoas afetadas pela compulsão por compras, com destaque para os mais jovens.
As pessoas foram substituindo presença de relação por TER, e não por SER. E eu acho que a questão da pandemia, de nós ficarmos reclusos, de não poder sair, de não poder ter contato. Com quem é que nós tivemos contato? Com a internet, quando nós tivemos acesso a compras que vinham diretamente para a nossa casa.
Ela relembra que o fenômeno "fique em casa" fez aumentar serviços de entrega em domicílio (delivery) e compras on-line, fatores que também contribuem para desenvolver a oniomania.
A partir do momento que eu estou num vazio, isso é muito importante, como nós estamos num vazio onde o ter é que fala quem eu sou, a compulsão aumentou demais. Então, à medida que eu tenho quantidade de roupa, de sapato, de carro, eu vou trocando, e vou comprando mais, e mais eu vou mostrando quem eu sou pelo que eu tenho.
Essa roda de consumismo compulsivo, observa Leila, comprova que há em muitas pessoas um grande vazio existencial. Para preencher esse buraco, vai-se às compras até de itens que já se tem. Aí passa-se a esconder produtos, vem os problemas financeiros e descamba para o comportamento de acumulador.
Isso vai trazendo muitos transtornos de relacionamento, a conta bancária que estoura, e a família fica preocupada, relacionamento de casal seríssimos. Eu tenho casais que realmente se separaram em função disso.
Tratamento
O distúrbio de oniomania precisa ser tratado, orienta Leila. Tanto com ajuda de medicamentos prescritos por um médico psiquiatra capacitado quanto com realização de terapia.
Existe também o acompanhamento da psicologia financeira, ligado especificamente com o dinheiro, porque isso é um transtorno que está ligado com relação ao dinheiro, o dinheiro substituindo amor, relacionamento, afetividade. O dinheiro por si só é algo neutro, é como eu uso do dinheiro. Então o compulsivo usa desse objeto como se fosse um leite, o amamentar. Eu quero o tempo todo estar preenchido de algo.
A abordagem terapêutica adotada por Leila é a psicologia transpessoal, que em casos como a compulsão por compras parte da ideia de que falta o sentido da vida, a busca de um propósito, que é para quê existem essas compras. Além de termos as necessidades básicas, temos as necessidades que é do ser humano, que chamamos de metanecessidade: necessidade de pertencimento, de ser amados, de amar.
Nós temos a nossa vida do dia a dia, mas nós temos que resgatar o sentido da vida, nós temos que resgatar o propósito da vida. Não é você tendo o que você é, é a sua auto-descoberta, a sua auto-transcendência.
A psicóloga explica que nós não somos seres apenas com as necessidades básicas satisfeitas, nem só com as necessidades que a sociedade nos passa para sermos alguém. É preciso questionar para quê estamos no mundo. Qual o nosso legado? Qual nosso propósito de vida? Qual o sentido da nossa existência?
Leila ressalta a necessidade de resgatar o ser humano para saber lidar com pressões dessa sociedade líquida que a todo tempo incentiva o consumo, desde crianças.
É fundamental fazermos um resgate do ser humano, para ter um propósito de vida e nós fomos perdendo isso. É importante buscar um sentido, um propósito, um para quê, e não comprar por comprar.
Doença recente
O vício em compras foi considerada uma doença apenas na década de 1980. Embora não existam estudos conclusivos que comprovem como surge o distúrbios, a prática clínica aponta algumas possibilidades.
- A história comportamental da família, que conta com outros distúrbios e falta de controle dos impulsos.
- A genética, com pesquisas que indicam alterações em certas enzimas ligadas à gratificação e recompensa em seus portadores. Neste caso, as pessoas estão em busca da sensação de gratificação, que ocorre de forma intensa em seu organismo, gerando o vício durante o ato de comprar algo.
5 sinais de oniomania
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Pensar constante sobre o que comprar
Uma das características da oniomania é a preocupação excessiva com o ato de consumir. Como resultado, a pessoa está constantemente imersa em pensamentos sobre compras. Perguntas como "O que devo comprar?" ou "Onde devo comprar?" tornam-se recorrentes para aqueles que sofrem desse vício.Indivíduos afetados pela oniomania passam, então, a dedicar uma quantidade considerável de tempo refletindo e ponderando sobre o assunto. Isso, por sua vez, acaba prejudicando significativamente suas rotinas diárias, pois a constante preocupação com compras dificulta sua capacidade de concentração nas atividades cotidianas.
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Fazer compras para aliviar emoções ruins e se animar
Na oniomania, a compulsão por compras transforma o ato de consumir em uma fuga para os desafios do dia a dia. Devido ao efeito semelhante ao de uma substância viciante, o ato de comprar passa a servir como uma forma de aliviar o estresse e, por vezes, recuperar a autoestima perdida.No entanto, esse comportamento se torna descontrolado. Consequentemente, surge uma urgência de fazer compras a qualquer custo, independentemente do que está sendo adquirido. A compra em si torna-se o objetivo principal. Portanto, é comum que a pessoa adquira itens que não serão utilizados ou que terão pouca utilidade.
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Perder a noção do tempo durante as compras
A intenção original para o dia era comprar uma camiseta e uma calça jeans. Você sai de casa e ao chegar na loja, começa a explorar todas as opções disponíveis. Pega uma peça aqui, experimenta outra ali. E, quando percebe, o que deveria ser uma tarefa de trinta minutos se estende por três horas.Dizem que o tempo voa quando estamos nos divertindo, não é verdade? Esse é um efeito comum do vício em compras em situações como essa. Como a pessoa está envolvida em algo que lhe proporciona grande satisfação, ela perde a noção do tempo. No entanto, essa falta de percepção pode ser arriscada, pois a pessoa pode acabar perdendo compromissos importantes que estavam agendados.
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Gastar mais do que o planejado
Resistir ao impulso de compra é uma tarefa desafiadora, e é por isso que aqueles que sofrem de compulsão por compras geralmente gastam além de suas possibilidades financeiras. Mesmo reconhecendo que estão cometendo erros ao gastar excessivamente, eles lutam para controlar seus impulsos. O resultado disso? As dívidas começam a se acumular.Na tentativa de ocultar esses problemas e minimizar os impactos da oniomania, algumas pessoas recorrem a empréstimos para cobrir suas despesas. No entanto, como o transtorno subjacente não é tratado, as dívidas continuam a aumentar, criando um ciclo que se assemelha a uma bola de neve.
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Ter o hábito de comprar sozinho
Comprar sozinho não é um problema em si. Na verdade, pode ser uma prática saudável e, por vezes, até mais agradável do que fazer compras acompanhado. No entanto, a questão surge quando esse comportamento é impulsionado pelo desejo de esconder a ação.Aqueles que sofrem de oniomania muitas vezes experimentam sentimentos de vergonha após suas compras. Para evitar julgamentos e repreensões por parte das pessoas próximas, eles optam por fazer compras sozinhos e mantêm em segredo seus gastos.
Delírios de consumo
O transtorno da onimania já foi retratado pela literatura e pelo cinema. O livro "Os Delírios de Consumo de Becky Bloom", livro de estreia da autora britânica Sophie Kinsella, conta a história de uma jornalista financeira que, durante o dia, aconselha as pessoas sobre como gerenciar suas finanças, mas nos finais de semana se transforma em uma compradora compulsiva, evitando seu gerente bancário e acumulando dívidas consideráveis.
Rebecca Bloom não consegue resistir a uma boa liquidação, independentemente da utilidade do que está comprando. Para ela, a aparência é crucial, e ela acredita que o mundo está atento aos detalhes de seu vestuário, desde a alça do sutiã até a combinação com os sapatos.
No entanto, seu salário nunca é suficiente para cobrir suas extravagâncias, deixando-a profundamente endividada. Becky vive fugindo de seu gerente de banco e buscando soluções mirabolantes para pagar a fatura do cartão de crédito.
O livro deu origem ao filme com o mesmo nome, de 2009, que tem no elenco Isla Fisher, no papel da protagonista, Hugh Dancy, Krysten Ritter. A direção é de P.J. Hogan e tem duração de 1h46