VARÍOLA DOS MACACOS

"OMS não pode reproduzir erros do passado e trazer de volta o termo 'peste gay'", diz Alexandre Padilha

O ex-ministro da Saúde e o médico infectologista Vinicius Borges criticam declaração da OMS sobre a Varíola dos Macacos que relaciona o surto epidêmico com homens que fazem sexo com outros homens

"OMS não pode reproduzir erros do passado e trazer de volta o termo 'peste gay'", diz Alexandre Padilha.Créditos: OMS/ Christopher Black
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Na última quarta-feira (27), após declarar emergência global para a Varíola dos Macacos, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, voltou a falar sobre e anunciou novas medidas de contenção da varíola.

"A melhor maneira de fazer isso é reduzir o risco de exposição. Isso significa fazer escolhas seguras para você e para os outros. Para homens que fazem sexo com homens, isso inclui, no momento, reduzir o número de parceiros sexuais, reconsiderar o sexo com novos parceiros e trocar detalhes de contato com novos parceiros para permitir o acompanhamento, se necessário", declarou o diretor-geral da OMS.

Para médicos sanitaristas e infectologistas a fala de Adhanom é desastrosa, pois, ao produzir um discurso direcionado a homens que fazem sexo com outros homens (HSH), gays e bissexuais, reproduz e traz de volta o estigma e preconceito criado nos anos 1980 e 1990 na epidemia do HIV/Aids quando, incialmente, o vírus foi tratado como algo exclusivo das LGBTQIA+. 

"A OMS não pode reproduzir erros do passado e trazer de volta o abominável termo da "peste gay" que foi utilizado em relação a Aids e que prejudicou muito as ações de prevenção e controle de um conjunto de pessoas que eram infectadas pelo HIV/Aids, porque reforçou à época o estigma com a população LGBT", critica o deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que é médico sanitarista e ex-ministro da Saúde. 

Para o médico infectologista Vinicius Borges a declaração da OMS é "precipitada". "A declaração foi precipitada porque o assunto da monkeypox (varíola dos macacos) já está trazendo uma grande carga de estigma e uma declaração dessa só serve para acentuar esse sentimento de LGBTfobia e, principalmente, homofobia em relação aos homens que fazem sexo com homens (HSH), bem parecido com os discursos que a gente via na década de 1980 com o HIV/Aids", disse Borges. 

 

EUA e Brasil registram infecções em crianças

 

A fala de Tedros Adhanom causou espanto em parte dos profissionais da saúde, pois, quando a OMS declarou a emergência global e, posteriormente, vinculou a Varíola dos Macacos a um grupo específico, já se tinha notícias da infecção entre crianças, por exemplo, os EUA e o Brasil, são os dois países com notificação de contágio infantil. 

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da cidade de São Paulo confirmou nesta sexta-feira (29) três casos da varíola dos macacos em crianças. Segundo os órgãos, elas estão sendo monitoradas e não apresentam sinais de agravamento.

Nesta semana os EUA também revelaram dois casos de crianças infectadas pela varíola dos macacos. Assim como no Brasil, os quadros de saúde não se agravaram e elas seguem monitoradas pelos agentes de saúde.

Para o médico Vinicius Borges, a atuação da OMS diante do espalhamento da Varíola dos Macacos se dá de maneira atrasada. "Eu acho que a OMS, assim como as autoridades internacionais comeram bola e atrasaram nessas intervenções para prevenir a epidemia de Varíola dos Macacos, visto que é um vírus que já afeta o continente africano há vários anos, há casos descritos desde a década de 1970, mas como era um vírus circunscrito ao continente africano, atingindo pessoas mais pobres, não foi feito nada", critica. 

Em uma linha de raciocínio semelhante à de Vinicius Borges, Alexandre Padilha afirma que mais do que estigmatizar um determinado grupo, é necessário apresentar ações de contenção do vírus. "É importante sim orientar o conjunto da população sobre as formas de transmissão da Varíola dos Macacos. É muito importante que o Ministério da Saúde faça campanhas de orientação e formação dos profissionais de saúde, mas nunca pode entrar na estigmatização de qualquer população", afirma Padilha. 

Além disso, Alexandre Padilha, que é coordenador da Frente Nacional de Enfrentamento ao HIV/Aids, afirma que a desastrosa declaração da OMS, além de resgatar um velho estigma, atrapalha as futuras ações de combate à Varíola dos Macacos. “A pior doença que existe no ser humano é o preconceito, pois, ele faz com que as pessoas não procurem o serviço de saúde para fazer o diagnóstico e prevenção. O preconceito exclui populações chaves, faz com que as pessoas procurem tardiamente o tratamento com medo de serem excluídas", diz o ex-ministro da Saúde.

Para Vinicius Borges trata-se de “uma maneira de compensar, de maneira errada, uma falta de ação que já deveria ter sido executada há muito tempo, porque a varíola dos macacos pode afetar qualquer pessoa, pois ela é transmitida através do contato próximo, íntimo, mas independente se você é gay ou heterossexual. Eles sempre jogam a culpa nas populações vulneráveis, sendo que as atitudes deveriam ter sido tomadas há muito tempo". 

 

Estigma e LGBTfobia 

 

Infelizmente, começa a surgir nas redes depoimentos de homens gays que já sofreram algum tipo de tratamento homofóbico por estarem infectados com a Varíola dos Macacos. Um dos relatos que viralizou nas redes foi o de Matheus Góis, que relata ter sido tratado “feito leproso” por um dos médicos que, além disso, o questionou sobre a sua sorologia. 

“A gente já vive um momento muito difícil de aumento dos discursos de direita, de violência, a homofobia, o Brasil continua a ser um dos países mais LGBTfóbicos e esse discurso da OMS acentua o processo de desvalorização dos corpos gays, dos corpos trans, como se a nossa sexualidade fosse suja, coisa muito similar ao que aconteceu na década de 1980. Você nunca verá a OMS virando para um homem hétero e pedir para ele transar menos, para ele usar preservativo, para trair menos a esposa, isso mostra que as grandes estruturas como a OMS, esses órgãos internacionais têm uma estrutura machista e homofóbica", afirma Vinicius Borges.  

O deputado federal e médico sanitarista Alexandre Padilha reforça que a Frente Nacional de Enfrentamento ao HIV/ Aids repudia a declaração da OMS. “Eu, como coordenador da Frente Nacional de Enfrentamento ao HIV/Aids ressalto que nós lutamos diariamente contra qualquer tipo de estigma, repudiamos a tentativa de estigmatizarão da população LGBTQIA+ em relação à Varíola dos Macacos e em relação a qualquer outra doença”.