"VIOLENTO E ULTRAPASSADO"

ALERTA: Brasil está retomando lógica manicomial, diz especialista

Edital aberto pelo governo Bolsonaro desmonta políticas públicas voltadas à saúde mental e institui práticas de manicômio, o que para entidades especializadas representa um enorme retrocesso

Antigo Hospital Colônia de Barbacena, um manicômio em MG.Créditos: Arquivo
Escrito en SAÚDE el

O Brasil, sob o governo de Jair Bolsonaro, está retrocedendo décadas nas políticas públicas voltadas à saúde mental. É o que alertam dezenas de entidades especializadas na área em nota técnica divulgada nesta segunda-feira (18). Segundo essas entidades, o governo federal está instaurando a volta das práticas manicomiais, que deveriam ser extintas de acordo com tratados internacionais sobre o tema. 

O razão central para a divulgação da nota técnica, assinada pela Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas (PBPD), Associação Brasileira de Saúde Mental, Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas e outras instituições, é um edital aberto no final de março pelo Ministério da Cidadania (Edital de Chamamento Público nº 3/2022), que destina R$10 milhões para Organizações da Sociedade Civil (OSC) que prestam atendimento como hospitais psiquiátricos.

"A abertura de linhas de financiamento para serviços de saúde oriundas de orçamentos alheios ao SUS constituem-se como perigosos antecedentes que atacam as instâncias de fiscalização, discussão e deliberação previstas no SUS, tais como o Conselho Nacional de Saúde e a Comissão Intergestores Tripartite, abrindo caminho para o desenvolvimento de práticas e perspectivas estranhas ao território, aos direitos humanos e ao bem-estar das pessoas a serem beneficiadas", diz um trecho da nota técnica.

Este edital modificaria, segundo essas organizações, a Lei Nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, extinguindo progressivamente a prática manicomial no Brasil. 

Outra medida do governo Bolsonaro que promove desmonte na área de saúde mental destaca pelas entidades é a Portaria 596/2022, que acabou com o Custeio do Programa de Desinstitucionalização, responsável pelo financiamento de equipes para garantir que pessoas com internações longas em hospitais psiquiátricos tenham cuidado integral, garantia de direitos e promoção da autonomia.

Além de repudiar o edital do governo, as entidades propõem uma série de medidas, entre elas "retomar imediatamente o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria) com a participação de gestoras, trabalhadoras e usuárias do serviços de saúde mental) para realizar a fiscalização dos hospitais psiquiátricos no Brasil". 

"Violento e ultrapassado" 

Segundo Nathália Oliveira, co-fundadora da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política Sobre Drogas, "essas ações do governo federal significam um retrocesso de décadas na luta pela garantia de direitos e dignidade a todos". 

"O Brasil está retomando uma lógica manicomial para tratar sobre o uso de substâncias psicoativas e outras questões de saúde mental, algo muito violento e ultrapassado. Por outro lado, o financiamento às iniciativas ligadas ao cuidado, assistência e redução de danos está sendo desmontado, ferindo, inclusive, a legislação de saúde mental do SUS", destaca. 

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Saúde mental e pandemia 

Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) também divulgou nota em que repudia as duas medidas do governo Bolsonaro que abrem caminho para o retorno das lógicas manicomiais no Brasil. 

No texto, a entidade relaciona, ainda, os transtornos mentais à pandemia do coronavírus, e chama a atenção para o descaso do governo com relação ao tema. 

"Vemos, em quase dois anos de pandemia, a ausência de qualquer plano ou política de saúde mental voltada a tratar o aumento dos problemas de saúde mental, ocasionados pela crise sanitária, econômica e social que vivemos. Nossa crítica, portanto, às últimas iniciativas tomadas pelo Governo Federal, devem-se ao fato de elas caminharem no sentido diametralmente oposto às recomendações dos órgãos de saúde e boas práticas internacionais, muitas das quais o Brasil é signatário, como a Declaração de Caracas, de 1990", diz um trecho da nota. 

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