Uma “malandragem” paira nos céus de Brasília e está prestes a dar um prejuízo incalculável aos cofres públicos da União se receber a famosa “canetada” do presidente Jair Bolsonaro sem vetos. Após a tragédia da pandemia, quando milhões de brasileiros precisaram de acesso à internet e ficaram na mão, o governo federal propôs, por meio de uma MP (Medida Provisória), ações que expandiriam o sinal de banda larga de forma ampla por todo o país, integrando outras iniciativas, como o Wi-Fi Brasil, o Nordeste e Norte Conectado e a própria implementação do serviço 5G, o que permitiria não somente uma melhora nas condições de ensino para milhões de estudantes, seus professores e escolas de todo o território nacional, mas também impulsionaria a economia de outros tantos milhões de brasileiros que poderiam usar as redes para ganhar dinheiro e ter acesso ao universo cibernético.
Tudo perfeitamente justificável e plausível, não fosse por um “jabuti”, termo dos meandros do poder utilizado para se referir a um artigo sem qualquer relação com o propósito de uma lei que visa exclusivamente beneficiar alguém que mantém influência no meio político-parlamentar.
A MP 1077/21, aprovada na Câmara e no Senado, institui a criação do Programa Internet Brasil, que tem a finalidade de dar acesso gratuito à internet em banda larga a alunos da rede pública de ensino cujas famílias estejam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o que propiciaria o ingresso dessas frações menos favorecidas economicamente no universo virtual. Desde a adoção da MP pelo Palácio do Planalto, em 7 de dezembro de 2021, várias tentativas de mudança no texto feitas por parlamentares foram pautadas, sendo que algumas foram aprovadas e anexadas ao texto original e outras foram rejeitadas em votação (no total oito destaques). Em comum, elas todas têm o fato de estarem naturalmente relacionadas ao tema da MP. Exceto uma, que foi aprovada no texto final e que, caso seja a Medida Provisória convertida em lei seja sancionada por Bolsonaro, entrará em vigor versando sobre um outro assunto totalmente diverso da questão da banda larga para populações pouco privilegiadas socioeconomicamente.
O deputado federal Cezinha de Madureira (PSD-SP), que é pastor e radialista, incluiu uma emenda no texto da MP 1077/21 que dispensa a apresentação de garantias para o parcelamento de preços de outorga de serviços de radiodifusão por parte das emissoras que migraram da modulação AM para a FM. Essas cobranças são feitas pela União, por meio do Ministério das Comunicações (MCOM), para que as empresas de radiodifusão deem sua contrapartida financeira após receberem a “autorização” e o “reconhecimento” do Estado brasileiro para emitirem seus sinais.
O fato é que em setembro do ano passado Jair Bolsonaro já tinha feito um agrado aos empresários dos meios radiofônicos, emitindo um decreto que permitiu o parcelamento dessas dívidas de outorga, antes apenas quitáveis à vista. No entanto, é necessário que o empresário dê garantias para o MCOM, que em caso de não pagamento das prestações poderiam ser executadas judicialmente para pagar os débitos. O artigo 10° enxertado na MP 1077/21 convertida em lei pelo parlamentar Cezinha de Madureira atua justamente aí, ao acabar com a exigência de garantias para quem não paga. Em tradução livre, é a institucionalização do calote.
A alteração aprovada e inserida na Medida Provisória prevê ainda que o MCOM terá que reconhecer todos os pedidos fora de prazo solicitando renovação de concessão ou permissão para radiodifusão, desde que tenham sido protocolados até a publicação da lei de conversão da MP 1077/21.
Fontes ouvidas pela reportagem da Fórum dentro da Esplanada dos Ministérios afirmam que os técnicos do MCOM e de outros setores, como o de arrecadação, são terminantemente contrários à sanção dessa emenda que foi agregada ao texto final da MP no seu artigo 10°, uma vez que a medida representaria uma significativa perda de receita e um ato bastante impopular, que praticamente permitiria a esse setor empresarial ficar livre de seus encargos relacionados à outorga da radiodifusão.
Por outro lado, a bancada evangélica, cujos parlamentares em grande parte têm emissoras de rádio ou advogam em defesa dos empresários de comunicação proprietários de emissoras onde mantêm seus programas religiosos, assim como os próprios donos desses meios de comunicação, pressionam fortemente o presidente Jair Bolsonaro para que ele sancione a MP 1077/21, que foi convertida em lei, sem vetos, permitindo a manobra legal que não prática os desobrigará de pagar as taxas e valores de outorga dos serviços radiofônicos.
As mesmas fontes de Brasília informaram à Fórum que nos últimos dias uma verdadeira batalha vem sendo travada no Planalto e no Congresso, já que o corpo técnico de órgãos como a Anatel, entre outros, pressionariam pelo veto de Jair Bolsonaro ao artigo, enquanto o deputado Cezinha de Madureira, em contrapartida, ameaça mobilizar os evangélicos de sua bancada, formada por parlamentares da direita orgânica que apoia o atual governo e também membros do centrão, para derrubar o veto em plenário na sequência, se o chefe do Executivo decidir por ele, o que parece pouco provável neste momento, segundo as fontes.