Um dia de benção para os católicos se transformou em confusão e polêmica por conta da visita eleitoreira de Jair Bolsonaro ao Santuário de Aparecida, no interior de São Paulo, na última quarta-feira (12), feriado de Nossa Senhora Aparecida. O presidente acabou sendo duramente criticado por católicos ao querer usar o dia santo para fins políticos. Seus apoiadores, alguns embriagados, segurando copos de cerveja com a imagem do candidato à reeleição, pareciam estar numa micareta do ódio. Chegaram ao ponto de agredir jornalistas e invadir a sacristia da antiga basílica de Aparecida para promover achaques ao padre Camilo Júnior. O sacerdote disse em homilia que o Dia da Padroeira era “um dia para se pedir benção e não votos”, após Bolsonaro participar de missa e causar o tumulto: "Parabéns a você que está aqui dentro e testemunha. Parabéns a você que está aqui dentro e está rezando, porque hoje não é dia de pedir voto. É dia de pedir benção."
Bispo emérito residente da Diocese de Luz, dom Mauro Morelli afirmou nas redes sociais que "Bolsonaro em Aparecida comportou-se como Agente de Satanás", criticando o uso eleitoreiro do presidente e as agressões e balbúrdia promovida por apoiadores. “Desrespeitou a Mãe de Jesus e seus outros filhos e filhas, peregrinos famintos de vida com dignidade e esperança. Com seus endiabrados seguidores deveriam ser presos em flagrante como arruaceiros. São Miguel, cuidado”, finalizou.
Te podría interesar
O Arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, abriu a principal celebração alusiva ao Dia de Nossa Senhora Aparecida, no Santuário, com um novo sermão de tom político. Na homilia do ano passado, o líder religioso mandou indireta para o presidente ao criticar o que chamou de "pátria armada". Já na missa deste ano, celebrou o direito ao voto e falou de "vencer dragões do ódio e da mentira".
Para Zé Barbosa Jr, teólogo, escritor e pastor da Comunidade Batista do Caminho em Campina Grande (PB), “o que vimos no dia 12 foi um vilipêndio do sagrado, o sagrado foi desrespeitado”. “Nunca vi algo parecido com aquilo. Fere frontalmente a liberdade religiosa, o direito ao sagrado. Foi um show bizarro de intolerância religiosa, de alguém querendo tomar o espaço do sagrado. Eles foram ali para adorar Bolsonaro. Aquilo sim é uma expressão perversa da religião, daquilo que eles dizem que vai acontecer caso o PT vença. Vaiaram o padre que estava falando de fome. Eles mesmo se denunciam, o padre está condenando o ódio, a mentira e a fome, mas seus apoiadores estão falando de Bolsonaro, se autodeclaram culpados. Vimos uma barbárie.”
Te podría interesar
O pastor lembra que a palavra Diabo, etimologicamente, é aquele que divide e desune. “Nesse sentido Bolsonaro é um Diabo, ele divide famílias, redes e, agora, está dividindo religiões no Brasil. Ele depende dessa divisão para existir. Bolsonaro alimenta o ódio, inclusive o ódio ao catolicismo também.”
O padre Juzemildo Albino da Silva, que está à frente da Área Pastoral Santa Clara de Assis, no Jardim Águas Claras, em Bragança Paulista (SP), concorda e acrescenta que a fragilização das instituições é fundamental para Bolsonaro. Juzemildo narra como o bolsonarismo fragmenta a comunidade católica e evangélica para ficar mais forte. “Ele gosta de semear essa discórdia. As atitudes dele são absurdas e abusivas. Não se pode permitir que alguém se utilize da fé das pessoas, tentando semear no meio delas o rancor.”
Segundo o padre, a Igreja Católica hoje está completamente dividida. “Existem segmentos da Igreja fixados em teses bolsonaristas, não estão preocupados com a dignidade humana, com os direitos sociais, com os direitos trabalhistas. Ninguém está preocupado em falar de fome, miséria, querem falar apenas do homem, da pessoa, o inominável presidente da República. Fico indignado com a instrumentalização da fé. O que aconteceu em Aparecida é uma aberração. Deixar se instrumentalizar para favorecer uma pessoa é ridicularizar a fé.”
Juzemildo compara com o que aconteceu na semana passada no Círio de Nazaré, em Belém (PA), quando Bolsonaro participou da romaria fluvial e Lula afirmou que não iria. O deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do presidente, chegou a desdenhar do evento, dizendo que se tratava de uma "Barqueata pró Bolsonaro".
"Eu não gosto de fazer nenhum gesto que possa parecer que eu estou utilizando a religião para fazer política", disse Lula, que também não esteve em Aparecida (SP). "Uma das coisas que eu queria muito ver era o Círio de Nazaré, e eu não vou porque é ano de eleição.”
Apesar de Bolsonaro usar a Igreja para promoção pessoal, o padre destaca que quem é bolsonarista faz vista grossa, como se nada tivesse acontecido. “Quem não é, fica indignado”, afirma. “Os fiéis que estavam em Aparecida e vaiaram os padres não foram ao Santuário por uma questão de fé, estavam para idolatrar o presidente.”
Outro fato que chamou a atenção na ida de Bolsonaro ao Santuário de Aparecida, é que ele se recusou a comungar, o que na liturgia católica é receber a hóstia consagrada, momento sagrado aos católicos. Para Juzemildo foi o único ato que ele teve de respeito com a fé católica. “O que ele não é, é católico, não deve nem ser reconhecido como cristão. Um homem que promove o genocídio que ele promoveu, o armamento, tanta desigualdade, como pode ser chamado de cristão? Está totalmente em desacordo com a Igreja e Evangelho”.
Para o pastor Zé Barbosa, Bolsonaro não é católico, nem evangélico, nem nada, assim como quem foi a Aparecida fazer campanha para o presidente. “Foi uma afronta à fé católica e à cristã. Invadiram o território da fé.”
Padre Juzemildo e Pastor Zé Barbos Jr participaram do programa Fórum Onze e Meia de 13 de outubro, assista ao debate na íntegra na TV Fórum:
*Esta matéria faz parte da edição semanal da Revista Fórum, baixe a sua grátis aqui.