Por Leandro Massoni*
Os escândalos de corrupção nos acordos de compra das vacinas contra a Covid-19 no governo Bolsonaro chamam a atenção da população, que declina no apoio ao presidente, e têm tirado o sono do próprio chefe de estado e dos seus aliados.
Ainda por cima, vive um dilema: se denunciar nomes de aliados do Congresso ligados a supostas tentativas de lucrar com encomendas de vacinas, Bolsonaro pode até perder apoio de alguns grupos do centrão, aos quais se aliou na tentativa de naufragar as iniciativas de impeachment. Agora, se escolher proteger aqueles que foram atingidos por escândalos e seus partidos, corre o risco de ficar marcado por acusações de corrupção antes mesmo da eleição presidencial de 2022.
O preço das vacinas
Em 16 de junho, a CNN Brasil divulgou nota do Ministério da Saúde em que se comemorava a intenção de compra de 60 milhões de doses da vacina Convidecia do laboratório chinês CanSino, e que iriam ser pagos 17 dólares por dose (R$ 5,2 bilhões). O valor mais alto de todas as vacinas compradas pelo governo incluindo a Covaxin, sendo 15 dólares por dose.
O acordo de intenção de compra, assinado pelo secretário em Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, se deu com a empresa Belcher Farmacêutica do Brasil, que representa a CanSino.
Nove dias depois, as suspeitas de corrupção na compra da vacina Convidecia da CanSino começaram a surgir. A empresa intermediária foi a Belcher Farmacêutica Brasil, com sede em Maringá, cidade natal do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que teve seu nome citado na CPI da Covid pelo deputado Luis Miranda como alguém que comandava o esquema na Covaxin, do qual Jair Bolsonaro sabia e não fez nada.
O jornalista Hugo Souza, em seu Facebook, responsável por essas revelações, mencionou que um dos sócios da empresa é Daniel Moleirinho, filho de Francisco Feio Ribeiro, parceiro e ex-secretário de Ricardo Barros na época em que ele era prefeito de Maringá.
Hugo ainda lembrou que a Belcher Farmacêutica do Brasil, há um ano, foi alvo da Operação Falso Negativo contra empresas que se aproveitaram em superfaturamentos e da dispensa de licitação para aquisição de testes rápidos de Covid-19.
Ricardo Barros atuou como representante legal da Convidecia no Brasil, chegando a participar de reunião com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ao lado do sócio do seu genro até o último mês de março, o advogado Flávio Pansieri. A pauta da reunião referia-se às atualizações sobre a desenvolvimento da vacina Instituto Vital Brazil, Belcher e CanSino, a ser submetida a uso emergencial para a Anvisa.
No último dia 29 de junho, a Anvisa optou por arquivar o pedido de uso emergencial da vacina da CanSino devido à falta de alinhamento entre a fabricante e a Belcher Farmacêutica do Brasil Ltda, que protocolou o pedido de autorização para uso emergencial. A CanSino havia entrado em contato com a Anvisa informando que tanto a Belcher quanto o Instituto Vital Brazil não tinham mais autorização para representar o laboratório no país e requisitar o uso emergencial do imunizante. Orientação essa que foi reforçada dias depois.
E a Covaxin?
Quanto à vacina indiana Covaxin, que teve sua compra intermediada pela Precisa Medicamentos, a negociação foi suspensa dias após se tornar alvo de investigações após os irmãos Miranda apontarem suspeitas de corrupção no processo de contratação.
Neste sábado, 10, o presidente Bolsonaro, em discurso na capital Porto Alegre, após motociata com apoiadores na região metropolitana gaúcha, afirmou que a compra da Covaxin, do laboratório Bharat Biotech, foi suspensa por causa de controles governamentais.
Ainda para os seus apoiadores, Bolsonaro elogiou o próprio governo de “dois anos e meio sem corrupção” e garantiu ter o controle de toda situação. “Querem agora imputar um crime a mim de corrupção, onde uma dose sequer foi comprada da vacina”, disse.
No final de junho, o Ministério da Saúde, por orientação da Controladoria-Geral da União (CGU), suspendeu temporariamente o contrato de compra da vacina indiana, dias após os depoimentos à CPI da Covid concedidos pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, Luis Ricardo Miranda, que é servidor do Ministério da Saúde.
Chefe de importação do ministério, Luis Ricardo relatou à CPI as pressões para a contratação da Covaxin, além de problemas no processo de importação, como a tentativa de pagamento adiantado e o uso de uma empresa não listada no contrato.
Bolsonaro sabia de tudo
Para deixar o presidente ainda em maus lençóis, a perícia feita no telefone celular do policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que participou da negociação de vacinas com o Ministério da Saúde, revelou em uma das mensagens de texto enviadas a um interlocutor o envolvimento de Bolsonaro no escândalo da compra de imunizantes contra a Covid-19.
Além de ter enviado carta ao governo indiano, informando que o Brasil compraria a Covaxin, Jair é mencionado na negociação de doses da vacina AstraZeneca. Em denúncia feita à CPI da Covid-19, Dominguetti recebeu do governo a proposta de propina de US$ 1 por dose, que teria sido feita por Roberto Ferreira Dias, então diretor de logística do Ministério da Saúde.
Ao retirar o sigilo das mensagens de celular do policial miliar, a comissão descobriu que Dominguetti já tinha conversas sobre o superfaturamento bem adiantadas. O PM é representante da empresa Davati Medical Supply e na noite de 25 de fevereiro, havia jantado com Roberto Dias em um restaurante próximo à Esplanada dos Ministérios.
Ainda nos áudios no celular em poder da CPI da Covid, o vendedor de vacinas insistiu na negociação mesmo após suposto pedido de propina, contrariando versão dada aos senadores e propôs aumentar a oferta de 400 milhões de doses para 600 milhões.
*Leandro Massoni é jornalista, locutor e redator publicitário.