O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), não se intimidou com as ameaças que vêm sendo feitas por integrantes do governo dos Estados Unidos e mandou um recado sobre defesa da democracia no Brasil. A declaração foi feita durante cerimônia de inauguração de um retrato do magistrado na galeria de presidentes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além do fato do secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ter anunciado recentemente restrições de visto contra autoridades estrangeiras que são "cúmplices de censura a americanos" e sugerido que Moraes pode ser alvo de sanções, o governo Trump enviou ao Ministério da Justiça brasileiro uma carta endereçada ao ministro do STF em que repreende o magistrado por ter ordenado o bloqueio de contas na Rumble, plataforma norte-americana popular entre figuras da extrema direita.
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Sem citar diretamente os EUA, Moraes fez referência indireta ao país governado por Donald Trump ao citar "inimigos nacionais e internacionais da democracia", ressaltando que o Brasil e o judiciário brasileiro "saberão se defender".
"O TSE deu mostra de que só tem uma missão: a grande missão de realizar as eleições, de mostrar ao povo brasileiro que aqueles que a população brasileira escolhe serão empossados. Pouco importa quais são e quais serão os inimigos da democracia e o estado democrático de Direito. Sejam inimigos nacionais sejam inimigos internacionais, o Brasil sempre saberá defender a sua democracia", declarou o ministro.
Moraes presidiu o TSE entre 2022 e 2024 e foi sucedido pela ministra Cármen Lúcia, atual presidente da Corte, que teceu elogios ao ministro na cerimônia desta terça-feira.
"O Brasil teve a sorte de ter um juiz operante, eficiente, trabalhador, ciente da sua responsabilidade e corajoso para enfrentar com todas as suas forças tudo que fosse necessário para garantir que aquelas eleições acontecessem como aconteceram", afirmou Cármen Lúcia.
Ameaças do governo Trump; entenda
O governo de Donald Trump intensificou sua ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil ao enviar uma carta oficial ao ministro Alexandre de Moraes, segundo revelou o jornal The New York Times nesta quinta-feira (29). O documento, assinado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, repreende Moraes por ter ordenado o bloqueio de contas na plataforma de vídeos Rumble, que tem sede nos EUA e é bastante utilizada por influenciadores da extrema direita.
De acordo com o NYT, a carta, enviada no início deste mês, afirma que, embora o ministro possa aplicar a legislação brasileira dentro do território nacional, ele “não pode ordenar que empresas tomem ações específicas dentro dos Estados Unidos”. O governo norte-americano considerou a determinação como uma violação à jurisdição americana, uma vez que Moraes teria exigido que a plataforma removesse perfis hospedados fora do Brasil.
Ainda segundo o jornal, o Departamento de Justiça acusou o magistrado de extrapolar sua autoridade ao atingir, por meio de suas decisões judiciais, cidadãos protegidos pelas leis dos EUA. O conteúdo da carta, mantido até então em sigilo, foi acessado com exclusividade pelo NYT e mostra o tom de intimidação usado contra o ministro do STF.
Política de vistos
A carta é apenas uma peça de uma ofensiva mais ampla. Na mesma semana, o Departamento de Estado anunciou uma nova política para restringir vistos de entrada nos EUA a autoridades estrangeiras acusadas de “censurar expressão protegida”. O secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou que a medida busca atingir agentes públicos que tentam forçar empresas americanas a remover conteúdo ou ameaçam cidadãos dos EUA por declarações feitas online.
Rubio mencionou a América Latina como exemplo, sugerindo que Moraes pode ser um dos alvos da medida. Em audiência no Congresso, ele foi ainda mais direto: “Está em análise neste momento e há uma grande possibilidade de acontecer”.
Eduardo Bolsonaro articula sanções contra o Brasil
As movimentações nos EUA têm contado com o estímulo direto de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que se licenciou do mandato na Câmara e passou a residir nos Estados Unidos. Desde então, tem feito uma série de articulações em Washington com aliados de Donald Trump, defendendo a aplicação de sanções ao ministro Alexandre de Moraes.
Eduardo tenta convencer autoridades norte-americanas a aplicarem contra Moraes a Lei Magnitsky, que prevê sanções severas – como o bloqueio de bens, impedimento de entrada nos EUA e restrições financeiras – a indivíduos acusados de corrupção ou violações de direitos humanos. A justificativa apresentada por ele é a alegação de censura e perseguição política.
Big techs e extrema direita
As ações de Moraes que motivaram a reação do governo Trump fazem parte de uma série de medidas adotadas pelo STF para coibir a atuação de plataformas digitais que não cumprem ordens judiciais brasileiras. Em fevereiro, o ministro determinou a suspensão da Rumble no território nacional, após a plataforma descumprir determinações e não indicar representante legal no país. Situação semelhante levou à suspensão temporária do X (ex-Twitter), de Elon Musk.
A resistência das big techs a cumprir decisões judiciais e a proteção oferecida a elas por governos alinhados à extrema direita formam o pano de fundo dessa disputa. Ao mirar Moraes, o governo Trump busca proteger o poder de empresas como Rumble e X para operar livremente, sem responder a legislações locais 2 mesmo quando envolvidas na disseminação de conteúdos que ameaçam a democracia.
Alexandre de Moraes tornou-se figura central no enfrentamento à tentativa de golpe promovida por Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Desde 2021, o ministro conduz inquéritos que investigam ataques ao sistema eleitoral e redes de desinformação que visam desestabilizar as instituições brasileiras.
O New York Times destaca que, apesar das críticas da extrema direita, “a esquerda no Brasil o considera um salvador da democracia, ajudando a proteger o país contra um golpe em 2022”.