JUSTIÇA PARA QUEM?

Sexta ‘micareta’ golpista do ano clama por ‘Justiça Já’, mas só para Bolsonaro

Slogan não fala de empregos precários, violência seletiva ou do sistema tributário que pesa no bolso de quem tem menos

Slogan não fala de empregos precários, violência seletiva ou do sistema tributário que pesa no bolso de quem tem menos
Sexta ‘micareta’ golpista do ano clama por ‘Justiça Já’, mas só para Bolsonaro.Slogan não fala de empregos precários, violência seletiva ou do sistema tributário que pesa no bolso de quem tem menosCréditos: Fotomontagem X e YouTube
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A sexta ‘micareta golpista’ do ano foi realizada neste domingo (29) na Avenida Paulista, convocada por Jair Bolsonaro e aliados sob o slogan “Justiça Já”, numa tentativa de pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) em meio ao julgamento que já tornou o ex-presidente réu por suposto envolvimento nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. 

Revista Fórum - Momento em que Bolsonaro iniciou seu discurso: Paulista flopada

Por volta das 15h30 Bolsonaro discursou. Em tom de balanço político, afirmou ter chegado à Presidência em 2018 por um “milagre” — citando a facada que sofreu em Juiz de Fora — e creditou parte do sucesso ao trabalho do filho, o vereador Carlos Bolsonaro, a quem chamou de peça-chave de sua estratégia de comunicação.

Bolsonaro lamentou a derrota na eleição de 2022, voltou a atacar o STF — que, segundo ele, “pôs a mão pesada na balança” — e afirmou ter sido alvo de acusações de genocídio e racismo. Criticou novamente o resultado das urnas e justificou sua saída do país dizendo que “jamais passaria a faixa para um ladrão”, em referência ao presidente Lula.

No trecho mais polêmico, Bolsonaro minimizou o ataque golpista de 8 de janeiro de 2023, questionando as prisões e as condenações dos envolvidos. Disse que não havia armas, que “apenas estilingues e bolinhas de gude” foram apreendidos, e chamou as penas — que chegam a 17 anos de prisão — de “brutal injustiça”.

O ex-presidente inelegível e às portas da prisão ainda pediu apoio político para voltar a ter força no Congresso: “Se vocês me derem 50% da Câmara e 50% do Senado, eu mudo o destino do Brasil. Nem preciso ser presidente. Faremos isso por vocês”, disse.

Tropa bolsonarista

O ato começou por volta das 14h, em frente ao vão livre do Masp, na Avenida Paulista. Além de Bolsonaro, estão presentes s governadores Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Cláudio Castro (RJ) e Jorginho Mello (SC), além de senadores como Marcos Rogério, Flávio Bolsonaro e Magno Malta, todos do PL, e o presidente do partido, Valdemar Costa Neto.

Deputados como Marco Feliciano, André do Prado, Bia Kicis e Gustavo Gayer, além do vice-prefeito de São Paulo, Coronel Ricardo Mello Araújo, também participaram.

Por volta das 15h, Tarcísio discursou defendendo Bolsonaro, criticando o governo federal e os juros altos, pedindo anistia e prometendo “resposta nas urnas”. Depois, o pastor Silas Malafaia atacou o STF por decidir sobre a responsabilidade das redes sociais por postagens criminosas.

Anistia para golpistas

Além do apoio a Bolsonaro, o evento reforça pedidos anteriores, como a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, os “malucos” - como disse Bolsonaro durante depoimento ao ministro Alexandre de Moraes no dia 10 de junho sobre os próprios apoiadores - “que ficam com aquela ideia, de AI-5, intervenção militar”.

Manifestantes vestiam verde e amarelo, agitavam bandeiras do Brasil, EUA e Israel, concentrados próximo ao palco montado no cruzamento com a Alameda Ministro Rocha Azevedo.

Este é o sexto grande ato convocado pelo ex-presidente na Paulista desde que deixou o Planalto. Para os organizadores, o tamanho do público importa menos do que o recado político de pressionar o STF em nome de “justiça” e “liberdade”. 

Ao rolar o feed no X, as imagens da "micareta golpista" mostram menos público — dependendo do ângulo, se não for montagem, IA ou foto antiga. Público menor ou não, há muito “maluco”. 

Confira registros nas redes

 

 

Refresque a memória

Bolsonaro e mais sete aliados respondem por cinco crimes graves: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, instigação de golpe de Estado, dano qualificado com violência e deterioração de patrimônio tombado. Se condenado, pode pegar de 20 a 26 anos de prisão. 

Não custa lembrar quais crimes pesam sobre os “malucos” que vandalizaram Brasília em 8 de janeiro de 2023: associação criminosa armada, golpe de Estado, tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito, terrorismo, incitação ao crime, dano qualificado, destruição de patrimônio tombado, invasão de prédios públicos, entre outros. 

Naquele domingo, cerca de 5 mil manifestantes invadiram Congresso, STF, Planalto e Esplanada para tentar reverter a posse do presidente Lula, deixando um rastro de destruição em obras de arte, móveis históricos e documentos. 

Mais de 1.400 foram presos em flagrante; ao todo, 2 mil pessoas foram detidas nos dias seguintes. Destas, 919 foram denunciadas, sendo 219 por crimes mais graves, e até agora 480 já foram condenadas, com penas de 3 a 17 anos e meio de prisão.

O prejuízo estimado chega a R$ 26 milhões, sendo R$ 12 milhões só no STF, e a AGU já cobra R$ 56 milhões na Justiça para reparar os cofres públicos — com R$ 3 milhões já bloqueados de réus.

Contra a justiça tributária

Também não faltaram ataques às propostas de justiça tributária do governo Lula — um exemplo recente foi o veto do Congresso à tentativa de ajustar as regras do IOF.

A equipe econômica queria elevar o IOF em algumas operações para ampliar a arrecadação de forma mais equilibrada, cobrando mais de quem movimenta grandes valores para aliviar a carga de quem ganha menos. A proposta foi barrada, mantendo a distorção que faz o imposto pesar proporcionalmente mais no bolso de quem mais precisa de crédito ou faz pequenas transações.

A hipocrisia da "Justiça Já" bolsonarista

Enquanto os bolsonaristas clamavam por "Justiça Já" para livrar Bolsonaro da cadeia, as propostas de justiça tributária — como o ajuste no IOF, vetado pelo Congresso com apoio do bolsonarismo, ou a Taxação BBB (bilionários, bancos e bets) — seguem barradas, mantendo a distorção que faz o imposto pesar proporcionalmente mais sobre quem mais precisa de crédito ou faz pequenas operações.

Os parlamentares bolsonaristas que discursam por "Justiça Já" para Bolsonaro não estão interessados em justiça para a maioria da população. Em sintonia com o centrão — vem avançando em pautas que ampliam privilégios e pressionam ainda mais a renda de quem já vive no limite.

Na semana passada, a Câmara aprovou em dois turnos a PEC que aumenta o número de deputados federais, ampliando de 513 para 550 vagas. A proposta, defendida abertamente por partidos do centrão e bancada bolsonarista, cria novas cadeiras sob o argumento de “corrigir distorções” de representatividade, mas na prática amplia custos do Congresso — cada novo parlamentar custa, em média, R$ 240 mil por mês aos cofres públicos, somando salários, gabinete e verbas de estrutura.

Em paralelo, deputados da base bolsonarista foram decisivos para aprovar um projeto que eleva a conta de luz. Na prática, trata-se da inclusão de incentivos bilionários para grandes empresas do setor elétrico, bancados por todos os consumidores. Pelas estimativas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), essa conta extra pode chegar a R$ 26 bilhões repassados diretamente à tarifa paga por residências e pequenos negócios — um custo que pesa especialmente para famílias de baixa renda, que já comprometem até 10% do orçamento doméstico só com eletricidade.

E não para por aí: nos bastidores, líderes governistas do centrão e aliados de Bolsonaro articulam a votação de um projeto que flexibiliza o descanso semanal remunerado, na prática permitindo que empresas escalem trabalhadores por até 12 dias seguidos, pagando folga em outra data. Entidades sindicais apontam que a mudança é um ataque direto a um dos direitos trabalhistas mais antigos, garantido desde a Constituição de 1943, e que atinge principalmente categorias precarizadas, como comércio, serviços e entregadores.

Enquanto no palanque o discurso clama por “Justiça Já” — mirando no STF e em processos que podem manter Bolsonaro inelegível  e na prisão —, na prática a aliança bolsonarismo-centrão segue aprovando pacotes que beneficiam a elite política e econômica, enquanto transferem a fatura para quem ganha menos.

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