TRAMA GOLPISTA

O que esperar do depoimento de Tarcísio ao STF: traição ou lealdade a Bolsonaro?

Governador de São Paulo, cotado para ser o candidato da direita à presidência em 2026, depõe ao Supremo na condição de testemunha de defesa de Bolsonaro na ação penal do golpe

Tarcísio Gomes de Freitas e Jair Bolsonaro.Créditos: Marina Uezima/Brazil Photo Press/Folhapress
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Em meio às supostas articulações para que seja o candidato da extrema direita à presidência em 2026, em detrimento de Jair Bolsonaro, o governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), presta depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), nesta sexta-feira (30), na condição de testemunha de defesa do ex-presidente no âmbito da ação penal da trama golpista. 

A Primeira Turma do Supremo já ouviu mais de 30 testemunhas indicadas pelas defesas dos réus até o momento. O depoimento de Tarcísio será será colhido por videoconferência a partir das 8h e faz parte da fase de instrução da ação penal em que Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado. A audiência será conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. 

Tarcísio comparece na condição de testemunha, o que o obriga a dizer a verdade sob pena de falso testemunho. Ainda que o governador não seja investigado, o conteúdo de seu depoimento pode ter implicações políticas e jurídicas relevantes, especialmente por ele ter se reunido com Bolsonaro em ao menos duas ocasiões após o segundo turno de 2022 – período considerado crucial para a articulação da chamada “minuta do golpe”.

As reuniões no Alvorada e o contexto da minuta

Segundo registros obtidos pela Polícia Federal (PF) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR), Tarcísio esteve com Bolsonaro no Palácio da Alvorada em duas datas-chave: 19 de novembro e 11 de dezembro de 2022. Ambas as visitas ocorreram semanas após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas urnas e são mencionadas nos autos da investigação como momentos em que o entorno do então presidente discutia estratégias para impedir a posse do presidente eleito.

No caso de 19 de novembro, Bolsonaro teria se reunido também com Filipe Martins, seu assessor especial para assuntos internacionais, apontado como um dos principais articuladores da minuta golpista. A minuta, localizada pela PF na casa do ex-ministro Anderson Torres, previa a decretação de estado de defesa na sede do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a anulação do resultado da eleição presidencial.

Já em 11 de dezembro, a visita de Tarcísio coincidiu com outro momento de ebulição golpista: nessa mesma semana, a PF aponta que militares e civis ligados ao governo discutiam medidas para manter Bolsonaro no poder, inclusive com apoio logístico das Forças Armadas.

O que Tarcísio deve ser questionado

Entre os temas que devem ser abordados no depoimento de Tarcísio, estão:

  • O conteúdo dos encontros com Bolsonaro após as eleições – principalmente se houve qualquer menção a ruptura institucional, questionamento da legitimidade das urnas ou discussões sobre medidas de exceção;
  • Contato com militares envolvidos nas articulações golpistas, como os generais Braga Netto, Augusto Heleno e o ex-comandante do Exército, Freire Gomes;
  • Conhecimento ou participação em reuniões com teor conspiratório, especialmente aquelas ocorridas entre novembro e dezembro de 2022 no Alvorada, com ministros, parlamentares e militares;
  • Percepção sobre a minuta golpista e se teve conhecimento de seu conteúdo, ainda que de forma indireta, durante a transição;
  • Avaliação sobre o comportamento de Bolsonaro após a derrota eleitoral, incluindo eventual recusa em aceitar o resultado das urnas; 
  • Desconfiança e incômodo no núcleo bolsonarista. 

Desconfiança

Apesar de ainda ser tratado publicamente como aliado, o nome de Tarcísio passou a circular entre os bastidores bolsonaristas com crescente desconfiança. O silêncio do governador diante dos novos desdobramentos da investigação, somado ao distanciamento de figuras-chave do bolsonarismo e à tentativa de construir uma imagem mais moderada nas redes sociais, tem gerado desconforto no núcleo mais fiel ao ex-presidente.

A reação do pastor Silas Malafaia – que o chamou de “urubu” ao lado de outros articuladores do centrão – evidenciou o racha interno e expôs o temor de que Tarcísio esteja pavimentando sua candidatura presidencial às custas do enfraquecimento de Bolsonaro.

Defesa de Bolsonaro aposta em negativa geral

A expectativa da defesa de Bolsonaro é que Tarcísio repita em juízo o que já declarou publicamente: que não teve conhecimento de qualquer plano golpista, que Bolsonaro respeitou o resultado das urnas e que não houve articulações para impedir a posse de Lula. Em novembro de 2023, ao comentar o indiciamento do ex-presidente pela PF, Tarcísio escreveu nas redes sociais: "Há uma narrativa disseminada contra o presidente Jair Bolsonaro e que carece de provas". 

Ao prestar depoimento como testemunha, o governador ajuda a defesa a tentar construir a tese de que os encontros ocorridos no Palácio da Alvorada tinham caráter meramente institucional ou pessoa, e não conspiratório. Porém, o ministro Alexandre de Moraes e o PGR Paulo Gonet devem avaliar com atenção a consistência dessas alegações, especialmente se houver contradições com o depoimento de outras testemunhas ou com provas documentais já colhidas pela PF.

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