O Fórum Onze e Meia desta sexta-feira (28) recebeu o deputado federal André Janones (Avante-MG) para comentar sobre as principais questões do governo Lula (PT), o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado e perspectivas políticas do campo progressista e da extrema direita para as próximas disputas eleitorais.
O parlamentar, que tem uma forte presença nas redes sociais, avaliou a disputa de narrativas entre apoiadores do governo Lula e bolsonaristas. Para Janones, nem ele, nem o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Sidônio Palmeira, nem o próprio presidente Lula podem resolver sozinhos o problema da comunicação num cenário amplo, pois esse é um "problema de campo", na análise do deputado.
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Janones avaliou, por exemplo, que, com a prisão de Bolsonaro, a ameaça da extrema direita não deixará de existir, pois o bolsonarismo já não depende mais do ex-presidente, ele é "descartável".
"Bolsonaro vai ser preso, vai apodrecer na cadeia e aí num primeiro momento parece ser bom, né? Então, nós estamos livre da ameaça. Infelizmente não. É só você olhar os nomes que têm hoje na extrema direita, você vai ver que o Bolsonaro se tornou obsoleto", argumentou o deputado.
Apesar desse cenário parecer positivo numa primeira análise, Janones destacou que, apesar de Bolsonaro ter se tornado obsoleto," há outros 300 bolsonaristas na fila prontos para colocar a mesma ideologia nefasta em prática", afirmou o parlamentar.
"Então, o bolsonarismo não depende do Bolsonaro; o nosso campo depende do Lula, o campo deles não depende mais do Bolsonaro, o Bolsonaro é descartável, ele é dispensável", sustentou Janones.
"Pablo Marçal provou isso na eleição para prefeito de São Paulo, o deputado Nikolas Ferreira tem batido frequentemente no Bolsonaro, dá uma pancada e assopra, e isso não gera nem um desgaste para ele", disse o parlamentar. "O monstro que o Bolsonaro criou, ou melhor, que ele representa, superou ele. É muito maior do que ele. A extrema direita não precisa do Bolsonaro para sobreviver e arrisco dizer que não vai mudar nada", acrescentou Janones.
Em sua avaliação, Bolsonaro será preso e meses depois já terão esquecido do ex-presidente. "A gente vai continuar com 'Marçais' da vida, com 'Caiados', com Tarcísio. Acho que o Tarcísio ainda nem é tanto assim, mas ele mostra também já essa fase mais próxima do fascismo. Enfim, o que eu quero mostrar é: a extrema direita não depende do Bolsonaro", disse o deputado.
"Então, o nosso problema é que eles criaram todo um campo de circulação de notícias, de construção de narrativas. A gente não criou esse campo. Eles têm lá 300 pseudo-jornalistas que todo dia estão militando, brigando, jogando narrativas falsas", analisou Janones.
Abaixo, confira outros destaques da entrevista do deputado André Janones ao Fórum Onze e Meia.
Arrogância intelectual é o que faz o campo progressista perder guerra de narrativas
O deputado também analisou os motivos pelos quais a extrema direita possui muito mais engajamento nas redes sociais e consegue repercutir mais narrativas que a esquerda, apesar do campo progressista também ter praticamente o mesmo número de apoiadores e "capacidade intelectual" de fomentar debates.
Na análise de Janones, "é indiscutível que bolsonarista é burro". "São pessoas que acreditam em terra plana, são pessoas que acreditam que não houve tentativa de golpe de Estado - claro que tem também os mal-intencionados, eles sabem que aquilo é mentira, mas sustentam em nome de uma ideologia -, mas via de regra o bolsonarista é burro. Você raramente vai ver bolsonarista em um show de MPB, você não vai ver bolsonarista numa livraria, você não vai ver um bolsonarista em eventos culturais etc. Então, bolsonarista é burro", afirmou o deputado.
Enquanto isso, por outro lado, Janones defendeu que o campo progressista possui "uma capacidade intelectual maior", mas ainda assim continua perdendo o debate de narrativas. Em sua avaliação, isso acontece devido a uma "arrogância intelectual".
Janones utilizou o exemplo do TikTok para explicar seu ponto de vista. "Eu acho TikTok um desperdício, eu não gosto de TikTok. Só que eu não vou lutar contra a realidade. Talvez o inadequado seja eu, o tiozão seja eu, o ultrapassado seja eu. Eu não vou discutir com a realidade. Se as pessoas gostam daquele vídeo simplesinho de 10 segundos, de uma dancinha, eu tenho duas opções: fazer aquilo ou sair fora do debate. 'Ah, mas eu não vou me submeter'. Ok, é um direito seu, só não acho que você vai ser relevante", explicou.
"Só que a arrogância intelectual, ela impede, primeiro, a gente entender as mudanças que o mundo sofreu; segundo, nos impede de entender o que significa seguir um direcionamento, porque todos nós somos melhores que os outros, nós somos os donos da opinião", refletiu.
Na avaliação do parlamentar, as pessoas do campo progressistas não permitem "ser lideradas" por seus pares pela disputa de quem teria uma capacidade intelectual maior.
Além disso, Janones argumentou que, em algum momento da história, o campo progressista esqueceu que ser de esquerda é estar em constante contato com populações mais vulneráveis e brigando por pautas dessas comunidades. Nosso campo esqueceu que ser de esquerda é ir lá na favela, é ir lá abraçar a senhora que perdeu o filho no hospital por falta de atendimento, é brigar pelo alimento mais barato, é entrar numa live, como eu faço todos os dias, e explicar para as pessoas como é que faz o empréstimo consignado", afirmou Janones.
"Arrogância intelectual não combina com a esquerda de verdade. Não está nas raízes ideológicas do nosso campo. Só que a gente se perdeu, a gente começou a achar feio falar 'nós vai', 'nós veio', falar o linguajar popular, descer o nível quando precisa. A gente começou a se achar intelectual demais para esse tipo de abordagem. Então, na minha visão, é isso que falta. Falta humildade", avaliou o deputado.
Janones, porém, pontuou que a luta do campo progressista é realmente mais difícil e "ingrata" em comparação à extrema direita. "Eu estou fazendo um raio X aqui porque a gente precisa melhorar, mas, de fato, a nossa luta não é fácil, é uma luta ingrata. Porque a gente precisa entregar, nós defendemos um Estado forte, um Estado que provê. Então, o Lula precisa entregar Minha Casa, Minha Vida. Ele precisa entregar um recurso na mão das pessoas. Ele precisa entregar um emprego para a pessoa poder trabalhar. Ele precisa entregar um diploma para o cara poder conseguir uma oportunidade melhor de trabalho. A esquerda, o campo progressista, foca na entrega. Sabe o que o Bolsonaro foca? Sabe o que que a extrema direita foca? Liberdade de expressão", analisou.
No entanto, Janones destacou que a "liberdade de expressão não tem custo" e, com esse discurso, o bolsonarismo promove a "meritocracia disfarçada" e joga para a população o peso de lidar com as desigualdades sociais, como ter que arrumar emprego num país desigual como o Brasil, e superar sozinho o racismo, a misoginia e o machismo.
O deputado fez uma metáfora dessa realidade com a brincadeira que fazia com seu sobrinho. "Ele tinha 3 aninhos de idade e eu fazia uma brincadeira com ele. Eu chegava, fazia assim no nariz dele e falava: 'tirei seu nariz, Eric'. Ele começava a chorar. Aí eu pegava e falava assim: 'coloquei seu nariz de volta'. Pronto, ele ganhava o dia. Ele falava: 'nossa, meu tio me devolveu meu nariz'. Ele ganhava o dia, ele ficava alegre, chegava para as pessoas e contava muito feliz. Por que eu dei esse exemplo? Eu não tinha tirado nada. Eu devolvi o que eu não tirei. Mas ele na ignorância de uma criança achava que eu tinha tirado algo. É isso que acontece hoje com a extrema direita", disse Janones.
"Ela criou um fantasma, ela mentiu para as pessoas que o campo progressista tirou a liberdade delas. E aí o Bolsonaro está devolvendo aquilo que nunca foi tirado. Aí é muito fácil você manter isso. É a narrativa sustentando um governo, uma ideologia. E cabe a nós enfrentarmos essa narrativa com coragem, mas principalmente com humildade", aconselhou o deputado.
Extrema direita e o algoritmo das redes
Para Janones, o problema da extrema direita, hoje, dominar a narrativa nas redes é uma "questão multifatorial", mas o funcionamento do algoritmo é o maior ponto em relação a esse debate. No entanto, o deputado defendeu que há outras formas mais imediatas de marcar presença nas redes sociais antes que haja uma regulação efetiva aprovada. Para ele, o campo progressista ficar esperando uma regulamentação para atuar nas plataformas seria um "perda de tempo".
"A gente precisa chegar nessa discussão, a gente precisa resolver esse problema. Mas eu preciso primeiro apagar incêndios. Hoje o tempo passa e a cada dia a gente está perdendo mais espaço na narrativa. Hoje é dia 28 de março. Eu tenho certeza que até o final do dia não vai ter nenhum projeto de regulação aprovado. Então, essas soluções que eu proponho, essas discussões que a gente traça aqui, são discussões imediatistas, que eu tenho total consciência que não resolvem o problema definitivamente", pontuou.
"Eu jamais vou defender ou vou acreditar que resolver o problema em definitivo é ficar fazendo um meme, fazendo piada e criando narrativas. Isso não é solução para democracia. Isso é uma solução para hoje. Agora, a gente precisa discutir a solução de verdade, a solução a médio prazo e a longo prazo, enquanto faz o enfrentamento aqui no hoje, no presente. A solução definitiva, ela só virá, dentre outras medidas, através da regulação do uso das redes sociais", destacou Janones.
O parlamentar ainda explicou seu método "janonismo cultural", que é também o nome do seu livro, onde ele afirmou que se o ambiente digital virou um "vale tudo" para a extrema direita, ele também agirá do mesmo modo. "Vale tudo para eles, vale tudo para mim também. O cara foi lá e xingou o Lula de bandido, eu vou lá e posso xingar o Bolsonaro de bandido. Um baixa nível, o outro baixa nível. Isso é a solução para hoje, é usar as regras deles contra eles mesmos. Uma estratégia que rebaixa o nível da discussão, que não politiza ninguém, que não traz nada de efetivo para as pessoas. Quando alguém fala para mim 'ah, eu discordo dos seus métodos'. Eu sempre respondo de bate-pronto dizendo: 'somos dois, então'".
"Eu sei que o caminho não é esse aqui, mas me mostre outro mais efetivo hoje, porque eu, de fato, não conheço. Agora, a solução a longo prazo passa por uma conscientização. Conscientização a gente sabe que é um processo lentíssimo, mas que funciona, né?", pontuou o deputado.
"Então, a conscientização é lenta, lentíssima, seria uma solução de muito longo prazo, mas ela faz parte, e paralelo a ela a regulação das redes sociais. Sem regulação das redes sociais, a gente, ainda que tudo que eu prego seja aplicado, a gente vai ficar nessa baixaria para o resto da vida", ressaltou.
Desgaste da imagem do presidente Lula
O deputado também falou sobre a perda de apoio do presidente Lula (PT), de acordo com as últimas pesquisas de avaliação do governo, e relacionou esse cenário com o problema do embate de narrativas. Janones citou uma conversa com um integrante do governo, o qual não citou o nome, que defendeu que "narrativa não é tudo". O deputado, porém, disse que respondeu: "infelizmente, eu falo isso com muita tristeza, narrativa é tudo".
"Eu não estou exagerando, narrativa é tudo. Hoje, narrativa é tudo. Tem um princípio do marketing muito antigo - eu ouvi isso a primeira vez tem 20 anos, mas que nunca foi tão atual quanto agora - que é o seguinte: só existe uma coisa mais importante para um produto do que ele ser bom, é ele parecer bom. É a única coisa mais importante do que ser bom, e isso reflete o que é a comunicação política nos tempos atuais", analisou Janones.
Ele citou, por exemplo, a quantidade de prefeitos que tem uma gestão ruim, sem entrega de políticas públicas, mas que viraliza nas redes sociais por fazer dancinhas e trends. "O cara não está fazendo nada de diferente. Ele está fazendo o que os outros faziam, ele está fazendo o 'arroz com feijão', ele está mantendo a prefeitura aberta. Mas o povo pira com a historinha, com o vídeo engraçado, com a dança que ele faz, com a tirada que ele dá. Virou um negócio, uma celebridade, não importa mais entrega nem nada", disse.
Janones ainda mencionou outro exemplo ocorrido durante o governo Bolsonaro, quando a gasolina atingiu preços altíssimos. "Vocês lembram quem é que mais criticou o governo Bolsonaro quando o preço da gasolina ficou muito alto? Quem foi a pessoa que mais viralizou nas redes sociais batendo no governo Bolsonaro? Um cidadão chamado Jair Messias Bolsonaro. Mas isso é muita incoerência. Ele criticou o aumento do governo dele? Sim, e dane-se a incoerência. Não existe mais coerência em narrativa de redes sociais", exemplificou o parlamentar.
Em sua visão, "a coerência, hoje, está restrita a círculos acadêmicos". "A nós, que estamos aqui debatendo nesse canal, não precisa ter coerência. Então, eu tenho certeza absoluta que se o Bolsonaro fosse o presidente hoje e o preço dos alimentos estivesse do jeito que está, ele todo dia estava nas redes sociais batendo. Ele ia fazer vídeo no supermercado, ele ia xingar os produtores rurais, ele ia falar que a culpa era de não sei quem, ele ia fazer vídeo mostrando 'olha que é absurdo'", avaliou.
Já em relação à figura do presidente Lula em si, o deputado defende que é "exatamente o oposto" ao que é dito em relação ao desgaste de sua imagem. "O presidente Lula só está com 40% das intenções de voto na pesquisa por conta dele", afirmou.
Janones citou o exemplo de suas lives no Facebook, onde atinge um público de cerca de 7 milhões de pessoas. Ele afirmou que quando questiona a razão da população votar no presidente Lula, a grande maioria das respostas se refere à figura de Lula em si, e não pelo governo dele.
"Essas pessoas não votam no Lula, elas não apoiam o Lula pelo que o governo entregou para elas agora, este ano, o ano passado. É pelo o que o Lula representa. É pela figura do Lula, é pelo cara que criou o Bolsa Família, é pelo cara que criou Minha Casa, Minha Vida, é pelo cara que sempre esteve do lado dos mais pobres", afirmou Janones.
"E aí tem uma frase que eu mais ouço quando eu pergunto sobre a razão de apoiar o Lula, a resposta é 'porque ele gosta de nós pobre'. Então, você vê que não é um feito do governo, não porque ele está entregando isso ou porque eu tenho expectativa dele entregar aquilo. Eu acho que o que ainda nós temos é a figura do presidente Lula, por isso eu falei que o nosso campo depende do Lula, o campo de lá não depende do Bolsonaro", disse.
"E a gente precisa começar a mudar essa situação, né? Entender, vir para o mundo contemporâneo, porque o Lula não é eterno como nenhum de nós somos", acrescentou.
Avaliação eleitoral para 2026
Por fim, Janones também fez considerações sobre as perspectivas para as eleições presidenciais de 2026. Para ele, o campo progressista tem diversos nomes para lançar, mas que o Lula continua sendo o "maior líder popular da história" do país e não seria "natural" pensar em outras pessoas para ocupar seu lugar. Ao contrário disso, quem precisa arquitetar outros nomes é a extrema direita, uma vez que as chances de Bolsonaro ser preso são quase certas.
O deputado disse, porém, que, apesar de não precisar pensar em novo nomes, a esquerda "precisa ter uma conscientização maior da construção coletiva". "Esperar menos do Lula e tentar perguntar onde nós podemos contribuir, entender que essa construção é coletiva, que essa luta não pode ser só de 4 em 4 anos. Eles não descem do palanque, a gente não pode descer também", defendeu Janones.
Nesse sentido, o parlamentar afirmou que a esquerda deve "esperar menos do governo" e mais de si mesma. "Ter a coragem de fazer esse enfrentamento, deixar o elitismo de lado, a arrogância intelectual, ir lá dialogar com as pessoas mais simples e brigar com a narrativa".
Para finalizar, o deputado mencionou mais um exemplo em relação ao embate de narrativa, dessa vez sobre o caso da golpista Débora Rodrigues dos Santos, ré por ter pichado a estátua "A Justiça" em frente ao STF no dia 8 de Janeiro. Nas redes sociais e até no Supremo, a discussão se divide entre pessoas que acham que a pena que ela recebeu, de 14 anos, é alta ou justa.
"Não existe a discussão se ela é baixa. E eu aqui não estou falando se é baixa ou se não é, para mim é, ela não tentou pichar uma estátua, ela colaborou para implementar uma ditadura onde pessoas seriam mortas, foi isso que ela fez", disse.
"Agora, onde está sendo feita essa discussão? Percebe como a gente só fica nas cordas? Se a gente entra para discutir que a pena da Débora não foi pelo batom, que ela tentou dar um golpe de Estado, que ela tentou ajudar o Bolsonaro a implementar uma ditadura onde ele poderia matar pessoas a seu bel-prazer, porque isso é uma realidade, uma ditadura é isso em última instância, a discussão hoje talvez na rede seria assim: será que a pena da Débora foi muito baixa, foi justa ou foi alta? Agora, a muito baixa não existe, por quê? Porque nós não ocupamos o lugar da narrativa. Quando alguém te pauta, você ou perde ou empata, você nunca ganha. Quando você pauta é o contrário, você ganha ou empata", explicou Janones. "A gente precisa entender isso e ter coragem para enfrentar a narrativa", completou o deputado.
Confira a entrevista completa do deputado André Janones ao Fórum Onze e Meia
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