A Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ) divulgou uma estimativa controversa de 400 mil pessoas na manifestação pró-anistia em Copacabana. A ação, que quebra a tradição da corporação de não divulgar números em eventos políticos, foi utilizada por líderes bolsonaristas, como Silas Malafaia e Flávio Bolsonaro, para reforçar a narrativa de um evento com “grande público”.
A Fórum mostrou que o maior medo de Jair Bolsonaro (PL), antes de uma provável condenação à prisão, se tornou realidade neste domingo (16) em Copacabana, no Rio de Janeiro. O público flopado no ato foi confirmado pelo Monitor do Debate Político no Meio Digital, de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), que estimaram em 18,3 mil pessoas os presentes no ápice da manifestação, o menor público já registrado em eventos da ultradireita bolsonarista.
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O ato interditou o trecho da Avenida Atlântica entre as ruas Barão de Ipanema e Xavier da Silveira. No entanto, imagens aéreas mostram que a concentração se deu em torno do caminhão, não se estendendo a uma quadra do local onde o veículo foi parado.
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PM aumentou manifestação em 22 vezes
Os dados da PM são 22 vezes maior que a estimativa da USP. A decisão de divulgar os números falsos também causou desconcerto entre muitos policiais militares, segundo uma apuração do blog de Octavio Guedes. A ordem para divulgar a estimativa de 400 mil pessoas, o que dá um público 22 vezes maior que o da USP, teria vindo do Palácio Guanabara, mas o governador nega.
"O governador Cláudio Castro nega qualquer tipo de interferência na divulgação da estimativa de público presente em Copacabana na manhã deste último domingo. O cálculo foi realizado pela Polícia Militar, que já fez esse tipo de divulgação em eventos anteriores", disse a assessoria de Cláudio Castro, em nota.
No entanto, em contradição com o comunicado oficial, a PM já havia indicado em suas redes sociais que "não faz estimativa de público". De acordo com o blog, após uma ligação de Castro para o comandante da PM, Coronel Menezes, que havia estimado o público em 50 mil, o governador determinou que a estimativa oficial fosse de 400 mil pessoas.
No domingo, Menezes estava acompanhado de dois oficiais de alta patente e, ao receber a ordem para divulgar 400 mil, reagiu. Eles chegaram a tirar fotos da manifestação e, a partir da observação de cima, estavam convencidos de que o número de participantes não chegava nem perto de 500 mil. Apesar disso, a ordem do Palácio foi cumprida, e a PM publicou o número de 400 mil.
A PM utiliza um método impreciso para calcular multidões, baseado em dados históricos e com tendência a superestimar as previsões. "[Em grandes eventos] é mais fácil você desmobilizar a tropa do que você colocar mais policial, por isso que nós sempre superestimamos o público", segundo um policial veterano.
Essa prática, normalmente utilizada para planejar o policiamento de grandes eventos, não justifica os números divulgados no domingo, que tinham como objetivo disputar a narrativa sobre o sucesso do evento convocado por Bolsonaro. A universidade utilizou o P2PNet, um sistema de reconhecimento facial para contagem de pessoas em imagens.
O método tem precisão de 72,9% e acurácia de 69,5% na identificação de cada indivíduo. Na contagem de público, o erro percentual absoluto médio é de 12% para mais ou para menos para imagens aéreas com mais de 500 pessoas.
Políticos questionam PM e governador
No entanto, a polícia estadual manteve em segredo o método usado para estimar o público presente. Diante do ocorrido, o deputado estadual Yuri Moura (PSOL-RJ) exigiu uma explicação formal da corporação. Ele questiona a razão por trás da publicação dos números, destacando a ausência de precedentes para tal ação por parte da instituição.
“Deve "justificar o motivo da postagem contendo o quantitativo de pessoas relacionada ao evento específico em questão, tendo em vista a falta de costume da instituição em realizar tal exposição de dados"
Além do parlamentar, a deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) formalizou, nesta segunda-feira, 17, uma representação ao Ministério Público, solicitando que o órgão investigue uma possível intervenção do governador do Rio de Janeiro na divulgação da estimativa de público na manifestação.
Segundo Renata, “parece óbvio que qualquer manifestação política operada pelo governador é livre e está coberta por proteção jurídica, mas a divulgação de informações falsas operada pela PMERJ, por sua vez, há que ser investigada”, disse na representação.
Ato flopado e fim da linha para Bolsonaro
A manifestação organizada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores, com a intenção de exibir uma alegada “adesão popular” à proposta de anistia para os envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro, não causou impacto. As imagens feitas na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, mostraram uma mobilização vazia, incapaz de lotar sequer um quarteirão inteiro.
A falta de público gerou um atraso de mais de meia hora no evento. A live da transmissão, no canal do pastor Silas Malafaia no Youtube, foi aberta apenas quando o ato começou, por volta das 10h40 - o evento estava marcado para começar às 10h e a transmissão para ser aberta ás 9h45.
A chegada do ex-presidente foi mostrada por outros canais da ultradireita neofascista na rede, que revelaram que a manifestação estava esvaziada no momento em que ela deveria estar começando.
Nem mesmo integrantes do clã Bolsonaro estiveram no ato. Michelle Bolsonaro (PL) não compareceu alegando que precisa de repouso em razão de um procedimento estético. O filho "02", Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também não foi pois se encontra nos EUA - e teme ter o passaporte cassado caso volte ao país. Outras figuras proeminentes do bolsonarismo, como Pablo Marçal (PRTB), Marcel Van Hattem (Novo-RS) e Carol de Toni (PL-SC) não foram à manifestação.
A manifestação bolsonarista "mostrou ao mundo um Bolsonaro cada vez mais fraco e isolado". A opinião é do advogado Marco Aurélio Carvalho, coordenador do Grupo Prerrogativas, que chama atenção para o papel desempenhado pelo governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas, no ato.
"Tarcísio, ao lado de outros governadores, já disputa o legado do seu chefe, mas, em uma aposta arriscada, revelou ser uma face da mesma moeda. Um candidato de uma extrema direita raivosa e sectária, sem um projeto que atenda aos reais interesses do país", disse Marco Aurélio à Fórum.
Em seu discurso no protesto bolsonarista, Tarcísio, que é um dos nomes mais cotados da extrema direita para concorrer à presidência em 2026, visto que Bolsonaro está inelegível e prestes a se tornar réu por tentativa de golpe de Estado, criticou a inelegibilidade do ex-mandatário e lançou ataques ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Ninguém aguenta mais arroz caro, gasolina cara, o ovo caro. Prometeram picanha e não tem nem ovo. E, se está tudo caro, volta Bolsonaro (...) Qual a razão de afastar Jair Bolsonaro das urnas? É medo de perder a eleição, e eles sabem que vão perder?", disparou o governador.
Bolsonaro, por sua vez, insistiu nos pedidos de anistia aos golpistas do 8 de janeiro, que em última instância, se aprovada, pode beneficiá-lo, disse que seria "um problema" para seus opositores "vivo ou morto" e, ainda que tenha afirmado que será candidato em 2026, já admitiu que há pessoas capazes de substituí-lo.
Segundo Marco Aurélio Carvalho, a manifestação, que contou com um número muito menor de pessoas do que o esperado por Bolsonaro (o ex-presidente esperava 1 milhão, mas o ato reuniu 18,3 mil pessoas em seu ápice, segundo estudo), foi "um verdadeiro cortejo fúnebre", com Tarcísio já "disputando o legado do defunto".
"As manifestações foram um verdadeiro cortejo fúnebre. Bolsonaro foi velado à luz do dia. E o guela, como se diz no Nordeste, é o Tarcísio, que já disputa, em frente ao caixão, o legado do defunto", analisa o advogado.
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